Depois de 60 anos, ainda há muito por fazer na mais antiga reserva do país

O pioneirismo da Reserva Ornitológica do Mindelo de pouco lhe valeu, e a valorização desta área protegida ainda está a dar os primeiros passos no terreno.

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Ainda há muito a fazer para que a reserva natural mais antiga do país atinja o potencial máximo, mas há sinais de que ao fim de “décadas de abandono” algo começa a mudar, ainda que a “passos tímidos”. Quem o diz é o biólogo Pedro Macedo, durante dez anos membro dos Amigos do Mindelo para a Defesa do Ambiente, associação fundada em 1992 e já extinta, que durante anos chamou à atenção para o estado de degradação da Reserva Ornitológica do Mindelo (ROM), criada há precisamente 60 anos por iniciativa do académico Santos Júnior, da Universidade Porto.

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Ainda há muito a fazer para que a reserva natural mais antiga do país atinja o potencial máximo, mas há sinais de que ao fim de “décadas de abandono” algo começa a mudar, ainda que a “passos tímidos”. Quem o diz é o biólogo Pedro Macedo, durante dez anos membro dos Amigos do Mindelo para a Defesa do Ambiente, associação fundada em 1992 e já extinta, que durante anos chamou à atenção para o estado de degradação da Reserva Ornitológica do Mindelo (ROM), criada há precisamente 60 anos por iniciativa do académico Santos Júnior, da Universidade Porto.

O fundador vai ser recordado este fim-de-semana, a propósito da passagem de mais um aniversário da ROM, designada, desde 2009, Paisagem Protegida Regional do Litoral de Vila do Conde e Reserva Ornitológica de Mindelo (PPRLVROM). O nome é tão longo quanto a lista de trabalhos que há ainda por fazer, nesta área com 380 hectares onde Pedro Macedo, actualmente membro do Movimento de apoio à PPRLVROM, detecta um regresso de algumas espécies de aves e um maior cuidado na preservação do espaço. Já do ponto de vista institucional, diz, há ainda um longo caminho a percorrer.

Não é fácil perceber onde começa e onde acaba a PPRLVROM. Ao longo de 8,5 quilómetros da costa, abrange a parte litoral do concelho de Vila do Conde entre a foz do rio Ave, a norte, e a foz do rio Onda, a sul. Desta área total, cerca de 150 hectares correspondem à área da antiga ROM. 

Quem entra pela praia do Mindelo, não vê qualquer sinalética que indique que se está em plena reserva natural. Até lá se chegar, nas estradas que lá vão dar, também não são fáceis de avistar tabuletas que guiem os visitantes. No passadiço que ali começa e separa as dunas da praia da zona de floresta há quem nos diga que estamos de facto dentro da reserva ornitológica. Durante o percurso, o passadiço é cortado por algumas saídas de areia e terra batida que vão desembocar na área arborizada. Para saber a que parte exacta da reserva vão dar é preciso recorrer a um exercício de adivinhação.

Arriscamos, seguimos em frente, guiados pela sorte. No caminho há zonas em que a passagem tem que ser feita contornando alguns obstáculos. Há ramos de árvores que impedem o passo. Durante o percurso não há um único caixote do lixo. À excepção de um papel aqui e ali, não há grandes vestígios de lixo deixado pelos visitantes. Porém, não há também sinais de presença de pessoas. Ao contrário do que acontece no passadiço, naquela tarde de Agosto, somos os únicos que ali estamos.

Perto da ribeira de Silvares o cenário é quase idílico. Contrasta com o cheiro nauseabundo que dali emana. Junto à ponte que a atravessa, à água que ali corre falta-lhe a transparência. No mesmo local já lá está construído o observatório de aves, que será inaugurado este domingo, no âmbito das comemorações dos 60 anos da ROM, que se iniciam às 16h deste sábado, com a exposição Litoral de Vila do Conde, do Passado ao Futuro da Paisagem Protegida. A programação conta ainda com palestras e visitas guiadas à reserva.

O cenário descrito é para o biólogo e ambientalista, Nuno Gomes Oliveira, fundador do Parque Biológico de Gaia, reflexo do abandono a que a reserva está sujeita desde o final dos anos setenta. Foi no início dessa década que começou a frequentar a reserva com o professor Santos Júnior, que ao abrigo do Regime Florestal foi peça fundamental para que a primeira reserva natural nacional fosse criada. Era com o catedrático da Universidade do Porto e director, na altura, do Instituto de Zoologia Dr. Augusto Nobre, que nos dias em que lá acampava, procedia à anilhagem de aves. Tempos em que havia um guarda florestal com residência na reserva, na altura com uma área de 411 hectares.

Na final da década, já sem vigilância foram dados os primeiros sinais de abandono. Em 1990 com o falecimento de Santos Júnior é quando a reserva fica “sem dono”. A área, “fruto do crescimento urbanístico”, foi diminuindo e medidas para que o processo se revertesse não foram tomadas, o que para Nuno Gomes Oliveira é “lamentável”, tendo em conta a importância daquela área nos fluxos migratórios das aves - cerca de 100 espécies, actualmente. Na reserva há também 14 das 17 espécies de anfíbios existentes em Portugal.

Em 2009 é aprovado o regulamento metropolitano que demarca os novos limites da área protegida e lhe dá a designação de PPRLVROM. Medida que Nuno Oliveira não apoia por entender ser contraproducente ter uma área protegida que se alargue além dos limites da antiga ROM. Esta, argumenta, não entra em conflito com a área urbanizada e continua, à excepção de alguns terrenos agrícolas e caminhos abertos, a preservar a paisagem natural. Por outro lado, acrescenta o biólogo, seria também mais fácil de gerir uma área com uma dimensão mais reduzida.

Com tudo isto, Nuno Oliveira considera que o potencial “não está a ser aproveitado”: “É a única área protegida que conheço que tem uma estação de metro à porta”. Esta, de facto, até tem nome que indica o que existe nas imediações: Espaço Natureza. É para Pedro Macedo a única indicação num perímetro alargado. “Da estação até à reserva não há sinalética. Em toda a área existem apenas duas placas na rua da Estrada Velha que estão escondidas”, afirma.

Mas nem tudo está mau para Macedo, que assinala que nos últimos anos tem vindo a diminuir o lixo que é atirado para os terrenos da reserva. “A bicharada está a voltar”, diz, referindo-se à fauna da ROM, “Do ponto de vista natural a paisagem está a recuperar”. O entulho anteriormente depositado na floresta “por alguma indústria” é algo que deixou de ser habitual e há mais gente a visitar. “Desde que foi construído o passadiço, há mais gente num dia de Agosto do que dantes no ano inteiro”, constata. Para este biólogo, as maiores falhas são institucionais.

Em 2009 com a reformulação da área protegida ficou estipulado que se criasse um Conselho Directivo e um Conselho Consultivo para os quais nunca foram empossados os membros dos órgãos dirigentes, explica. Estes órgãos ficariam responsáveis pela elaboração de um Plano de Gestão.

Pedro Martins, biólogo, membro da associação ambientalista Pé ante Pé, mas também deputado municipal pela CDU e candidato à câmara pela mesma coligação, entende que este é um dos pontos chave para que o processo de recuperação da reserva não seja agilizado. Organizador de visitas ao parque, abertas ao público, o comunista entende que seria  fundamental ouvir todas as partes interessadas antes de qualquer decisão, para evitar "erros" como o do observatório de aves que este fim-de-semana vai ser inaugurado: “A altura elevada e a escadas a pique podem ser perigosas para as crianças que participam nas visitas”, afirma, questionando se terá havido o cuidado de se consultar uma equipa especializada antes de se proceder à construção.

Posição semelhante têm os outros candidatos. O candidato do PS, António Caetano. O número dois do executivo liderado por Elisa Ferraz - uma independente que, desta vez, concorre com uma lista própria  - afirma que neste mandato houve um retrocesso ao não se terem escolhido os membros para estes órgãos e se ter optado por ser a câmara a dar a cara pelas decisões relacionadas com a ROM.

Para o candidato da coligação PSD/CDS, e antigo líder da Associação de Jovens Agricultores de Portugal, Constantino Silva, falha o diálogo com os proprietários dos terrenos da reserva onde, explica, à excepção de uma propriedade comprada recentemente pelo município, o espaço é quase todo privado. O actual vereador do PSD Acredita ser fundamental que os proprietários sejam consultados antes de se construir ou alterar seja o que for. Para que a PPRLVROM atinja o seu potencial máximo é necessário algo mais do que “construir passadiços”, insiste.

À imagem do que acontece com as outras candidaturas, António Louro Miguel, do Bloco de Esquerda, afirma ser a recuperação da ROM uma prioridade do programa eleitoral do partido. “Esta é uma galinha de ovos de ouro que não está a ser bem explorada”, critica, acrescentando que a reserva representa um dos “pontos chave” para o desenvolvimento de Vila do Conde.

Elisa Ferraz - que se afastou do PS após vários mandatos como vereadora e, nos últimos quatro anos, presidente - afirma que a questão do abandono da ROM não surge no seu consulado. “É um problema antigo no qual estamos a trabalhar desde que assumimos o executivo”, atira. A gestão da reserva está consignada à Área Metropolitana do Porto, com quem foi estabelecido um acordo para que todas as matérias pudessem ser resolvidas pela autarquia, daí não se ter empossado os membros para o Conselho Directivo e Consultivo, justifica.

O trabalho de revitalização da actual PPRLVROM, tem sido “progressivo”, mas ainda “está no início”, assume a autarca. Depois do passadiço e do observatório de aves há um trabalho que terá continuidade. Elisa Ferraz Adianta que há um financiamento comunitário já aprovado para levar a cabo a próxima fase que passa pelo melhoramento dos caminhos dentro da zona de floresta, para a melhoria da sinalização, da segurança e também para despoluir a ribeira. “É um trabalho que se vai fazendo por etapas e em conjunto com o pólo científico de Vairão e com a colaboração dos proprietários dos terrenos. O objectivo é sermos cada vez mais visitados, mas de uma forma disciplinada”, diz a presidente da Câmara de Vila do Conde.