Sousa Lara, o antigo governante cansado de falar sobre Saramago
Mais de duas décadas depois de ter abandonado a vida política, o catedrático tem-se dedicado às aulas, aos livros e à academia a que preside.
A carreira política de António Sousa Lara terminou em 1992, quando era subsecretário de Estado da Cultura, por ter tomado uma decisão envolta em polémica e pela qual viria a ficar conhecido para grande parte dos portugueses: o veto da obra O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, à candidatura do Prémio Literário Europeu. Passados 25 anos, o professor catedrático no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa não se arrepende, mas está cansado da insistência e de ser conhecido por isso. “É uma chatice, parece que eu não fiz mais nada.”
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A carreira política de António Sousa Lara terminou em 1992, quando era subsecretário de Estado da Cultura, por ter tomado uma decisão envolta em polémica e pela qual viria a ficar conhecido para grande parte dos portugueses: o veto da obra O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, à candidatura do Prémio Literário Europeu. Passados 25 anos, o professor catedrático no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa não se arrepende, mas está cansado da insistência e de ser conhecido por isso. “É uma chatice, parece que eu não fiz mais nada.”
E o que fez, afinal, Sousa Lara? “Eu sou professor, sempre fui”, desde 1973 até hoje — mesmo nos tempos em que foi deputado, continuou a acompanhar um grupo de alunos de doutoramento, sem receber. Desde que se ausentou da vida política é sobretudo a isso que se tem dedicado, à sua “função de vida”. Já não tem conta das escolas portuguesas e estrangeiras por onde passou e actualmente exerce no ISCSP, onde também faz parte do conselho científico. Agora, com 65 anos, preside ainda à Academia de Letras e Artes, no Monte Estoril, onde recebe o PÚBLICO.
Nos tempos livres, Sousa Lara tem-se dedicado à restauração de carros antigos e à pintura de retratos. Assume ser “fanático de cinema” e vangloria-se por ter conseguido passar esse gosto aos seis filhos, ainda que não o da leitura — e, acrescenta, também acompanha a série The Walking Dead. É na família e na religião que encontra os pilares da sua vida. A família é, para si, a única "entidade socialista verdadeira", em que tudo se dá sem estar à espera de recompensa.
Mas a sua vida pública fica marcada pelo veto à obra de Saramago. “Considerei, ao abrigo da tutela que me está delegada, que esta obra não podia vir a ser incluída nas seleccionadas”, por não “representar Portugal”, dizia Sousa Lara no Parlamento em 1992, com vozes de protesto em seu redor. Em 2017, a opinião não mudou: “um livro que insulta a divindade que é o que o livro faz num país que, mal ou bem, tem como referência a Bíblia é um insulto à cultura portuguesa”. Assegura que a decisão não esteve relacionada com a ideologia política do escritor, já que a candidatura não é pessoal. “Não tenho má consciência. Fiz o que fiz e voltava a fazer vinte vezes”.
Para Sousa Lara, não se tratou de um “acto imponderado ou descuidado”, pois quando tomou a decisão tinha noção de que tinha assinado a sua sentença e que terminaria por ali a sua carreira no Governo. Mas insiste que não lhe custou abandonar o cargo, enquanto assume que não tem saudades de nada e que “recordar é morrer”.
O vencedor do Nobel da Literatura de 1998, José Saramago, e muitos outros nomes do panorama político e cultural acusaram-no de censura, mas Sousa Lara não concorda e argumenta que não proibiu a publicação. “Isto é um atrelado que tenho e que não quero ter. O problema é este: eu estou a falar com pessoas que não pensam no mesmo registo que eu”, reconhece. “É um não-fenómeno” e diz que só o é para os jornalistas “por causa do pensamento único, da correcção política, por causa de se achar infame”. E, hoje, é isto mesmo que receia: acredita que está iminente uma ditadura “de pensamento único e do politicamente correcto” numa sociedade que vive alienada.
“Eu não sou fascista”
O interesse pela política surgiu cedo. Aos 16 anos foi dirigente da Juventude Monárquica Portuguesa e, mais tarde, fez parte da Convergência Monárquica, um movimento formado na década de 1970 que se opunha ao Estado Novo. Ainda antes do 25 de Abril concorreu às legislativas com a Comissão Eleitoral Monárquica, que “tinha gente toda diferente, uns mais à direita, outros mais à esquerda”. “Em pleno Estado Novo, era o ‘admirável mundo novo’”, descreve, e as diferentes visões políticas foram para si “uma grande formação”.
Nesta altura conta que foi tipógrafo clandestino e por pouco não foi apanhado pela PIDE. “A minha vida foi aventurosa”. Foi deputado pelo Partido Popular Monárquico, fez parte da coligação Aliança Democrática e do PSD até chegar ao cargo de subsecretário de Estado da Cultura, no governo que tinha como primeiro-ministro Cavaco Silva – que foi “impecável” consigo no episódio do Saramago, diz, e por quem foi condecorado no ano passado com a Ordem do Infante D. Henrique. Santana Lopes era o Secretário de Estado.
Nega as acusações de censura e fascismo de que foi alvo. “Eu não sou fascista. Ser fascista é um cânone”, rebate, e justifica que viu e viveu “ditaduras a sério”, que “os sistemas possuem as pessoas”. Sousa Lara fala da liberdade como condição essencial e sente que falta espaço para o contraditório. Mas diz que os seus valores de direita o impedem de concordar com a tolerância “exagerada” que existe em torno de temas como o aborto, é contra o seu financiamento, ou os ciganos, sabe que é polémico mas diz concordar com as declarações de André Ventura, candidato a Loures.
Sem receio da polémica – diz que é culpa do pensamento único, que não dá direito a opiniões contrárias – não gosta que o apelidem de “conservador”, é das poucas coisas que o ofendem. “Eu por mim mudo tudo no dia seguinte mas sempre mantendo os valores permanentes” — entre os quais “Deus, Pátria e Família” —, e considera-se um “revoltado da direita”.
António Sousa Lara foi também vice-reitor da Universidade Moderna – e foi um dos 13 arguidos num caso de associação criminosa, tendo sido posteriormente absolvido. Considera que a Moderna foi “o projecto universitário de maior qualidade” em que entrou mas que acabou por ser alvo de um “saque”. Garante a sua inocência – até os seus inimigos admitiam que ele não roubaria, diz – e queixa-se de abundarem notícias sobre a sua condenação, mas de poucas existirem sobre a sua absolvição.
Olhando para trás, confessa que o seu caminho valeu a pena. Vive com a convicção de que não precisava de fazer política, mas assim demonstrou a si próprio que mesmo que não tivesse “nascido numa família rica” poderia deixar a sua marca no mundo e nos outros.
Agora, de regresso das férias, vai continuar a dar aulas e a dedicar-se à escrita. Todos os anos tem lançado um livro – em conjunto com outros professores e antigos alunos do ISCSP – e o próximo deverá sair em Março ou Abril do próximo ano. Nestas obras analisa a conjuntura internacional na perspectiva da segurança e das ameaças e acredita que “estamos nas vésperas de uma catástrofe com proporções apocalípticas, com várias crises a convergir”.