As impurezas da vida na prateleira dos discos – que agora são livro
Life Is a Simple Mess reúne uma selecção de ilustrações de Travassos, na sua maioria para álbuns da editora Clean Feed. Chega na companhia de textos do trompetista Nate Wooley, porventura o músico preferido do designer e ilustrador.
O nome Jorge Trindade pouco diz ao meio musical português. Mas Travassos, a alcunha pela qual é conhecido o designer da Clean Feed, editor da Shhpuma, programador do Festival Rescaldo e músico dos grupos Pão e Big Bold Back Bone, esse é um nome familiar na comunidade nacional afecta ao jazz e à música improvisada. Nacional e internacional, na verdade, uma vez que na última década a Clean Feed trepou até ao cimeiro estatuto de editora fundamental do jazz contemporâneo. O que significa que, no seu habitual trabalho de design dos álbuns da casa portuguesa, Travassos emprestou já a sua criatividade a perto de 400 capas de gravações de figuras históricas como Pharoah Sanders, Peter Brötzmann, Evan Parker, Fred Frith, Joe McPhee ou Wadada Leo Smith.
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O nome Jorge Trindade pouco diz ao meio musical português. Mas Travassos, a alcunha pela qual é conhecido o designer da Clean Feed, editor da Shhpuma, programador do Festival Rescaldo e músico dos grupos Pão e Big Bold Back Bone, esse é um nome familiar na comunidade nacional afecta ao jazz e à música improvisada. Nacional e internacional, na verdade, uma vez que na última década a Clean Feed trepou até ao cimeiro estatuto de editora fundamental do jazz contemporâneo. O que significa que, no seu habitual trabalho de design dos álbuns da casa portuguesa, Travassos emprestou já a sua criatividade a perto de 400 capas de gravações de figuras históricas como Pharoah Sanders, Peter Brötzmann, Evan Parker, Fred Frith, Joe McPhee ou Wadada Leo Smith.
A ideia de agrupar num só volume vários dos projectos de ilustração e desenho gráfico que tem vindo a publicar, sobretudo no âmbito das edições da Clean Feed – mas também por encomenda de outras editoras ou nos cartazes do Festival Rescaldo –, surgiu há muito, pela boca de um cliente habitual da loja Trem Azul (empresa irmã da Clean Feed) que lhe repetia amiúde que devia passar a livro todo aquele minucioso trabalho com uma assinatura reconhecidamente pessoal. “A partir daí fiquei a ruminar a ideia, mas quase nunca tenho tempo para me coçar, quanto mais para fazer livros.”
Essa ruminação inconclusiva prolongou-se até ao dia em que Marcos Farrajota, da Chili com Carne, abordou Travassos com a proposta concreta de reunir algum do seu material em livro. Perante essa possibilidade real, dedicou-se a fazer uma triagem que respeitasse, antes de mais, “os critérios editoriais da Chili com Carne, uma editora de banda desenhada e de ilustração”. “Tentei reunir essencialmente ilustrações para que houvesse uma coerência entre aquilo que eles editam e aquilo que eu queria mostrar”, esclarece quanto à selecção de imagens.
Num segundo momento, o designer organizou as suas escolhas em três grandes blocos: Life is simple (“coisas mais minimais”), Life is a mess (“ideias um pouco mais complexas e com uma maior mistura de elementos”) e Mish-mash (“combinações sem qualquer critério, elementos estranhos que se encontram para tentar construir uma coisa nova”). Esses três vectores em torno dos quais se arregimentam as ilustrações de Life Is a Simple Mess servem igualmente de coordenadas para as palavras de Nate Wooley, trompetista e poeta norte-americano, com carta branca para escrever aquilo que lhe apetecesse em resposta às ilustrações peneiradas por Travassos.
“Já fiz capas para imensos músicos, mas o Nate Wooley é o meu preferido de todos”, justifica. “Enquanto músico, pessoa, gestor da sua carreira e alguém que pensa sobre a vida – foi uma escolha óbvia.” As palavras de Wooley – que vê nestas imagens “uma “combinação do subtil, profano, mundano, irracional e compassivo que representa a cola da vida real” – apontam, em mais do que uma ocasião, para uma das características fulcrais nos trabalhos de Travassos: a procura de um estado de impureza. “Gosto muito de introduzir elementos que, à partida, não fazem parte daquele determinado universo”, diz. “Gosto de criar imagens novas a partir de elementos não reconhecíveis. Há muitas ilustrações no livro que têm base na natureza, em pássaros e animais, uma pureza que tento misturar com o caos da vida das cidades.”
As centenas de capas assinadas por Travassos seguem quase sempre a mesma sequência: depois de uma fase inicial de pesquisa, norteada pelo título do disco e pela intenção do projecto, a escuta complementa a informação essencial para a criação da imagem que fornecerá as primeiras pistas para a audição da música que se esconde no seu interior. Daí que ao juntar o conjunto de ilustrações que compõe Life Is a Simple Mess ao seu trabalho como músico – nos colectivos Pão, Big Bold Back Bone, Flu, Pinkdraft e One Eye Project – se possa estabelecer um outro jogo de correspondências mais alargado entre a criação gráfica e a invenção musical. Duas metades para este mesmo mundo particular de Jorge Trindade, perdão, Travassos.