População muito idosa duplicou em duas décadas
Os muito idosos acreditam que mantêm as capacidades cognitivas, apesar das dificuldades sentidas nas actividades do dia-a-dia. População com mais de 80 anos duplicou nos últimos 20 anos. "Temos de nos preparar para esta nova realidade", alerta demógrafa
Em apenas duas décadas, o número de pessoas com 80 ou mais anos duplicou em Portugal. O grupo dos chamados “muito idosos” é um dos segmentos da população com um crescimento mais rápido no mundo ocidental e Portugal não é excepção. No ano passado, havia cerca de 630 mil octogenários e nonagenários no país e os centenários eram já mais de quatro mil, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
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Em apenas duas décadas, o número de pessoas com 80 ou mais anos duplicou em Portugal. O grupo dos chamados “muito idosos” é um dos segmentos da população com um crescimento mais rápido no mundo ocidental e Portugal não é excepção. No ano passado, havia cerca de 630 mil octogenários e nonagenários no país e os centenários eram já mais de quatro mil, segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Especialistas do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis) da Universidade do Porto decidiram estudar este segmento específico da população em crescimento rápido. Confirmaram que a longevidade é um fenómeno que constitui um enorme desafio para os serviços de saúde e sociais e para as famílias. Mas constataram também que muitas destas pessoas que chegam a idades mais avançadas acreditam manter as suas capacidades cognitivas e de comunicação, apesar das grandes dificuldades sentidas nas actividades do dia-a-dia.
Quem são os muito idosos em Portugal? Os investigadores usaram os dados do último censos (de 2011) para traçarem uma espécie de retrato. Maioritariamente mulheres (quase dois terços), a maior parte dos octogenários e nonagenários eram então analfabetos (46,1%) ou tinham frequentado a escola durante apenas quatro anos (41,9%). E quase um terço vivia sozinho, segundo este estudo descritivo - que deu origem ao artigo “Dificuldades funcionais, sensoriais, de mobilidade e de comunicação dos muito idosos portugueses” publicado na última edição da Acta Médica.
O curioso é que mais de metade dos muito idosos diziam não se sentir limitados ou declaravam-se pouco limitados nas suas funções cognitivas (memória, concentração, capacidade de perceber os outros ou fazer-se entender por eles), o que é revelador do potencial de autonomia que estes indíviduos mantêm. Mas os dados apontam claramente para altos níveis de dificuldades auto-reportadas, particularmente nas actividades do dia-a-dia e nas funções sensoriais (audição e visão).
Depois de andar e de subir escadas, a visão e a audição eram as dimensões em que os mais idosos admitiam sentir maiores constrangimentos e eram elevados os níveis de incapacidades. Por isso, enfatizam os especialistas, os profissionais de saúde devem estar atentos à necessidade de identificar e rastrear regularmente a visão e a audição deste grupo, prescrevendo intervenções que os ajudem a manter-se o mais funcionalmente independentes que for possível.
É fulcral também continuar a recolher informação sobre esta população tão específica – ainda pouco estudada em Portugal - até porque isso pode ajudar a delinear programas de intervenção e organizar serviços que possam cobrir as suas necessidades sem lhes limitar a autonomia. Destacam, a propósito, a grande necessidade de suporte aos cuidadores dos muito idosos, além do investimento no apoio domiciliário e na promoção das redes de vizinhança. Porque quase 90% dos octogenários e nonagenários continuam a viver em casa.
Centenários serão mais de 20 mil em 2080?
No subgrupo dos centenários – que está a crescer a um ritmo ainda mais expressivo, mais do que duplicou em cinco anos (ver gráfico) -, a maior parte vive com a família, apesar de ser significativa já a percentagem dos que residem em lares, e os que apresentam um bom funcionamento cognitivo são a minoria, ainda que a maior parte faça uma avaliação positiva do seu estado.
Soprar cem velas vai ser cada vez mais comum. Se, em 2016, segundo os dados do INE, havia em Portugal 4287 pessoas com 100 ou mais anos, até 2080, de acordo com as projecções, este número deverá aumentar cinco vezes (perto de 22 mil). Nessa altura, indicam as projecções do INE, a esperança de vida dos portugueses terá crescido dez anos: em média, os homens chegarão aos 87 anos e as mulheres, aos 92. Neste horizonte temporal, a população portuguesa poderá diminuir dos actuais 10,3 milhões de habitantes para apenas 7,5 milhões, ao mesmo tempo que o total de idosos (65 ou mais anos) passará de 2,1 milhões para 2,8 milhões nessa altura.
Resultado das melhorias nos cuidados de saúde, os avanços na longevidade não estão porém a ser acompanhados e faltam medidas políticas que levem em conta as necessidades deste segmento cada vez mais expressivo da população. O impressionante aumento da esperança de vida vai obrigar a repensar a forma de organização da sociedade, não se têm cansado de frisar os especilaistas em envelhecimento.
"Isso já deveria estar a ser feito há muito tempo, defende Manuel Villaverde Cabral, fundador do Instituto do Envelhecimento, centro de investigação que resultou de uma parceria entre a Fundação Gulbenkian e o Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. “Fala-se muito sobre os idosos mas reflecte-se pouco e faz-se pouco”, lamenta o professor jubilado do ICS, para quem o “grande problema da medicina portuguesa é que continua a ser basicamente curativa e não preventiva”.
“Estamos a viver muito mais anos e este fenómeno não é necessariamente mau. Pelo contrário. Obviamente, haverá mais pessoas com doenças crónicas, mas não queremos regredir ao tempo em que a esperança média de vida era de 60 anos”, comenta a presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Maria Filomena Mendes.
Pelas contas da demógrafa, a população idosa (65 anos ou mais) duplica de 40 em 40 anos, enquanto a que tem mais de 85 duplica de 15 em 15. Por isso, nota, a proporção dos muito idosos no total da população não vai parar de aumentar. “Temos que nos preparar para esta nova realidade”, defende, destacando a importância do papel dos cuidados de saúde primários (centros de saúde) e da rede de cuidados continuados no apoio a este segmento da população. “Nestas idades, basta uma queda e uma fractura para que se perca a autonomia e a situação se torne dramática", exemplifica.