Alimentos para carenciados chegam em Setembro, mas Governo discorda do modelo europeu

Distribuição de alimentos financiada por fundo europeu, que devia ter avançado há mais de um ano e meio, vai envolver a participação de perto de 700 associações em todo o país. Cabaz fixo inclui congelados o que o ministério admite ser "um risco".

"Este não é o nosso modelo." O Ministério do Trabalho e da Segurança Social, José Vieira da Silva, é taxativo na sua posição sobre o Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas, que desenhou com base nas directrizes da Comissão Europeia. Fonte oficial do ministério disse ao PÚBLICO que o modelo, se fosse inteiramente desenhado pelo Governo, seria outro.

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"Este não é o nosso modelo." O Ministério do Trabalho e da Segurança Social, José Vieira da Silva, é taxativo na sua posição sobre o Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas Mais Carenciadas, que desenhou com base nas directrizes da Comissão Europeia. Fonte oficial do ministério disse ao PÚBLICO que o modelo, se fosse inteiramente desenhado pelo Governo, seria outro.

Ainda assim a tutela está confiante no sucesso do programa que vai distribuir cabazes semanais de alimentos por, pelo menos, 60 mil famílias, mas admite que "há riscos." As associações que os vão distribuir, ouvidas pelo PÚBLICO, esperam receber os primeiros alimentos em Setembro. O ministério apenas garante que começar a ser entregues este ano.

A logística é entroncada. São 35 milhões de euros em alimentos para distribuir durante um ano e quase 700 associações envolvidas no processo, em todo o país. É o Instituto de Segurança Social que recebe os alimentos directamente dos fornecedores. Todos os meses entrega-os às associações que coordenam os 135 territórios em que o país foi dividido, que por sua vez os distribuem pelas várias entidades mediadoras a nível local. Semanalmente os produtos são entregues às famílias.

A actual edição do programa dura dois anos, o que significa que vão ser distribuídos 70 milhões de euros em alimentos até o final de 2019.

As principais associações portuguesas de distribuição alimentar têm reservas quanto ao sucesso do modelo. E apontam duas razões: as dificuldades de conservação dos produtos congelados e a redução do número de beneficiários relativamente a programas anteriores.

"É um facto: há menos beneficiários. Em vez dos anteriores 400 mil, vamos apoiar 60 mil pessoas. Mas vamos dar-lhes 24 quilos por mês em vez dos 1,4 quilos, que se podiam traduzir num pacote de arroz e meio de massa. Esta é uma mudança difícil de fazer, mas que o ministério acredita que é correcta", reiterou esta fonte da tutela. O cabaz, elaborado pela Direcção-Geral de Saúde, tem 18 alimentos e cobre metade das necessidades nutricionais diárias de uma pessoa. Ou seja, dá para as refeições de 15 dias em cada mês.

Aquilo que é entregue a cada família é adaptado consoante a idade dos beneficiários.

O facto de haver produtos congelados (frango, pescada, legumes e vegetais) "é um risco", admite o ministério, tanto para as associações que os vão armazenar como para quem os vai receber. Mas a tutela "tentou minorar os riscos" deixando a garantia de que "um frigorífico de pequena dimensão chega para os produtos da semana." Já as associações foram escolhidas consoante a sua capacidade armazenar e conservar alimentos no frio.

"Era preciso incluir legumes e esta foi a única solução. Anteriores cabazes, como o de 2006, eram feitos à base de coisas fáceis de transportar e acumular: bolachas, manteiga, açúcar", diz fonte do ministério. A novidade deste programa é ainda a introdução de carne e peixe.

Entre as associações, várias ainda terão que se adaptar para receber estes produtos. O projecto prevê que por cada mil euros em alimentos, as entidades que os distribuem recebam cinquenta euros para fazer face a estas despesas. As associações que os entregam às famílias – e têm a competência de as acompanhar – recebem mais 5% do valor do fundo.

Aumentar

Ao fim de dois anos, sete milhões de euros vão ser distribuídos pelas centenas de associações envolvidas.

Outra das críticas, feita pela direcção do Banco Alimentar e da Cáritas, é o facto do cabaz mais uma vez não permitir aos beneficiários escolher os alimentos. "Este modelo é a nossa resposta às imposições comunitárias. E achamos que é o melhor modelo possível nessas circunstâncias", afirmou fonte da tutela.

Caso fosse o ministério a desenhar o modelo, diz fonte oficial, o donativo de alimentos aos mais carenciados seria feito através de um cartão de compras. Uma iniciativa, aliás, já posta em prática por várias associações, entre as quais a Cáritas e a Cruz Vermelha, em parceria com grandes superfícies comerciais.

Ajuda devia chegar a 18% da população

O acompanhamento dos beneficiários é uma das novas metas impostas por Bruxelas. Cabe às associações que entregam os produtos às famílias apoiá-las na gestão e confecção dos alimentos, trabalhando a sua reinserção social. "A ideia é ajudar as pessoas a concorrer um caminho que as tire da situação de carência que as levou a entrar no programa", diz fonte do ministério. Acrescenta que a intenção é chegar a mais de 60 mil pessoas, entendendo que é possível que nestes dois anos haja famílias que deixem de necessitar deste apoio e novas entrem no sistema.

Os beneficiários foram escolhidos por estas entidades de fim de linha, garante o ministério. Às associações foi indicado o número de pessoas que têm que apoiar em cada território. A tutela definiu-o com base num indicador de necessidade que conjuga, entre outras variáveis, a taxa de desemprego e o rendimento das famílias. De acordo com este indicador, o ministério concluiu que a ajuda alimentar devia chegar a 18% da população residente. O actual programa vai permitir apoiar perto de 0,6%.

São pessoas com um rendimento igual ou inferior à pensão social, que em Portugal é de 201,53 euros.

Fundo parado há mais de ano e meio

Este fundo, que gradualmente substitui as cantinas sociais, integradas no Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados, foi aprovado em 2013 e publicado no ano seguinte. No entanto, não é distribuído em Portugal desde 2015. No final do ano passado, interrogado sobre a polémica, o ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, justificou que o modelo ainda estava a ser adaptado às novas regras de utilização dos fundos europeus. E garantiu que o país não perdeu por isso direito ao dinheiro.

Já este ano, o atraso deveu-se a dificuldades nos concursos internacionais para compra dos alimentos. Houve impugnações, um concurso deserto e outro terá de ser repetido. Neste momento, há contratos assinados para a maioria dos produtos, que esperam luz verde do Tribunal de Contas para serem distribuídos, diz o ministério.

Em 2014 foram utilizados dez milhões de euros para comprar alimentos para quase 474 mil pessoas. No ano seguinte, 11,1 milhões em alimentos chegaram a 408 mil beneficiários, segundo dados que constam nos respectivos relatórios anuais de execução do fundo.