“Não teríamos tanta corrupção se fizéssemos a reforma do sistema eleitoral”

José Ribeiro e Castro considera urgente alterar a forma como se elegem os deputados para “devolver cidadania” e representatividade ao sistema político. E não está sozinho. Uma iniciativa legislativa de cidadãos está a ser ponderada pelos subscritores do Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade.

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Ribeiro e Castro foi líder do CDS-PP, quando Portas deixou o partido Mario Lopes Pereira

Há três anos, um grupo de 44 personalidades de diferentes quadrantes da vida política, económica e social lançaram o Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade, que apontava para reformas consideradas prioritárias no sistema político em Portugal. Entre os seubscritores estão nomes como Luís Campos e Cunha (Sedes), Henrique Neto, Mira Amaral, José Manuel Roquette, Henrique Gomes, Pedro Sena da Silva,  Patrick Monteiro de Barros ou José Ribeiro e Castro. Desde então, o tema deu origem a um livro, a uma associação e artigos de opinião semanais de vários dos subscritores. Agora já pensam numa iniciativa legislativa de cidadãos com vista à reforma do sistema eleitoral. Ribeiro e Castro explica o sistema misto proporcional personalizado que defendem.

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Há três anos, um grupo de 44 personalidades de diferentes quadrantes da vida política, económica e social lançaram o Manifesto Por Uma Democracia de Qualidade, que apontava para reformas consideradas prioritárias no sistema político em Portugal. Entre os seubscritores estão nomes como Luís Campos e Cunha (Sedes), Henrique Neto, Mira Amaral, José Manuel Roquette, Henrique Gomes, Pedro Sena da Silva,  Patrick Monteiro de Barros ou José Ribeiro e Castro. Desde então, o tema deu origem a um livro, a uma associação e artigos de opinião semanais de vários dos subscritores. Agora já pensam numa iniciativa legislativa de cidadãos com vista à reforma do sistema eleitoral. Ribeiro e Castro explica o sistema misto proporcional personalizado que defendem.

O manifesto “Por uma democracia de qualidade” foi publicado há três anos e não aconteceu nada. O que é que se segue?

Eu creio que a necessidade de reforma do sistema eleitoral existe e é um daqueles casos em que “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Depois do manifesto criámos uma associação com o mesmo nome e agora admitimos preparar uma iniciativa legislativa de cidadãos que possa ser um ponto de partida e repor em debate um debate que já foi feito em 1998. Mas estamos conscientes de que é preciso trabalhar para que haja uma maturação da consciência partidária. Se houvesse uma iniciativa legislativa que ganhasse, seria uma revolução. Mas esta reforma tem de ser feita por consenso nacional.

O que leva a classe política a evitar uma reforma do sistema eleitoral?

Eu creio que é incompetência da classe dirigente em geral, e também interesseirismo dos directórios, porque este sistema, tal como está, tem quem beneficie com ele. A corrupção ganha com ele, os grandes interesses beneficiam com ele, porque este é um sistema mais fácil de capturar. Creio que não teríamos atingido o nível de corrupção que atingimos em Portugal nos últimos 20 anos, se se tivesse feito, em 1998, a reforma que poderia ter sido feita. A verdade é que os partidos se foram desinstitucionalizando, as decisões são tomadas fora dos órgãos, estes são órgãos de ratificação, e isso facilita a passagem de decisões que são fabricadas, que vêm de fora do sistema para uma carimbadela democrática. A política é mais do que uma carimbadela democrática, é preciso devolver cidadania, devolver maturidade ao sistema.

A reforma eleitoral que defendem pode fazer-se sem alterar a Constituição?

Creio que atingimos um tal grau de divórcio da cidadania relativamente à democracia que tendencialmente somos a favor de todas as reformas que arejem o sistema político. Mas para nós seria suficiente uma reforma eleitoral no quadro em que a Constituição hoje já permite. É extraordinário, porque já fizemos o mais difícil: em 1997 fez-se, por maioria de dois terços como tem de ser, uma revisão constitucional que abriu a porta a uma revisão da lei eleitoral muito ampla. Isso significa que o país ao mais alto nível, há 20 anos, teve consciência da gravidade do assunto e teve consciência da linha de actuação a seguir. Mas depois não concretizou essa mudança na lei.

Está a referir-se à introdução dos círculos uninominais?

Sim, que a revisão constitucional permitiu mas que precisa de ser enquadrada num modelo ao nível da lei eleitoral. A Constituição admite um sistema misto com círculos uninominais, que nós defendemos que deve ser complementado com um círculo nacional de compensação. O que defendemos é um modelo à semelhança do alemão, que está muito testado e tem provas dadas a nível da governabilidade e representatividade. Este ano há eleições alemãs e desafio as pessoas a acompanharem o processo eleitoral para perceberem como funciona e que as distorções das maiorias não existem. O sistema alemão tem tido percentagens de afluência às urnas sempre acima de 70%.

Os pequenos partidos têm sido contra os círculos uninominais por considerarem que acabam por ser excluídos do Parlamento. Pode acontecer?

Eu acho que não têm razão, mas é para responder às suas preocupações que propomos um círculo nacional de compensação. O problema do sistema alemão em relação aos pequenos partidos é a cláusula-barreira que impede a entrada no parlamento de um partido com menos de 5% dos votos, mas que em Portugal seria inconstitucional. Esse círculo nacional é uma última garantia de reposição da proporcionalidade. A experiência da Alemanha mostra que estas distorções não existem, ou não são mais acentuadas que as do nosso sistema político. Veja o exemplo de Portalegre: para ser eleito, um partido tem que ter 30 ou 35% dos votos para eleger um deputado. Portanto, de facto existe uma cláusula-barreira de 30%. Mas mesmo em Lisboa, os partidos para elegerem um deputado têm de ter uma percentagem significativa.

Nas últimas jornadas parlamentares do PSD, Luís Montenegro criticou os círculos uninominais por considerar que poderiam criar uma "super-hiper-megageringonça". O PSD aprovou a revisão constitucional mas está contra a sua aplicação prática?

A crítica do então líder parlamentar era uma resposta à proposta de Rui Oliveira e Costa lá apresentada, que não é exactamente igual à que nós defendemos. Mas isso é estranhíssimo, porque em 1998 o PSD apresentou um projecto de lei em que apresentava um sistema exactamente igual ao de Oliveira e Costa – as eleições regionais e na emigração mantém-se no sistema proporcional e o círculo nacional, que seria continental, seria 100/100 (listas e círculos uninominais). Eu creio que é importante respeitar mais as divisões regionais do país, com base distrital ou com agregação de distritos. Para ser honesta, a reforma eleitoral tem de assegurar três representações: a representação da cidadania; a representação do território; e a representação das correntes políticas.

Como funcionaria, na prática?

Os círculos uninominais de que falamos no sistema misto são círculos mais de atribuição do que círculos de eleição. O sistema mantém-se como um sistema proporcional, só que tem duas formas de atribuição de mandatos: um é a atribuição pelo círculo uninominal e o outro por lista. O voto que determina a composição do Parlamento é o voto nas listas partidárias a nível nacional. O eleitor tem dois boletins de voto: um para os partidos e outro para o círculo uninominal. Este último serve apenas para a atribuição de mandatos: o candidato mais votado em cada círculo é eleito, mas desconta esse mandato nos obtidos pelo respectivo partido. No funcionamento matemático do sistema, quem é eleito pelo círculo uninominal subtrai aos deputados por lista do respectivo partido na região em causa.
Portanto, o sistema é proporcional, o que há é uma correcção, porque quem vence no círculo uninominal ganha o lugar mas essa vitória é imputada à lista do partido pelo qual se apresenta o candidato (nas eleições legislativas não há candidaturas independentes). Na Alemanha, se um certo partido eleger mais deputados pelos círculos uninominais do que o número de lugares obtidos por partido, fica eleito por direito próprio, e por isso o número de deputados pode variar. Mas aqui, poderia ser corrigido pelo círculo nacional de compensação.

Portanto, a reforma eleitoral teria de levar em conta outra vertente da revisão constitucional de 1997 que é a possibilidade de reduzir o número de deputados?

Eu estou muito desapontado com a direita. O CDS tem-se posto, de forma geral, contra qualquer reforma. E o PSD tem sempre posto à cabeça, como condição da reforma eleitoral, a redução do número de deputados. Isso é um erro e gera desconfianças enormes. Quem já fez isso cinco vezes e cinco vezes estragou a reforma, faz isso para estragar. Faz, porque deseja criar a ideia de que é favorável a uma reforma eleitoral, para se colar ao pior do populismo e à demagogia mais grotesca contra o Parlamento, e estraga a possibilidade de uma reforma eleitoral que tem de ser séria.

O sistema eleitoral precisa de uma chicotada psicológica, é isso?

Se virmos os números da abstenção, que são assustadores e que sobem de eleição para eleição – estamos perto dos 50% de abstenção nas legislativas e esta degradação contamina já outras, como as presidenciais – concluimos isso mesmo: o sistema precisa de uma chicotada psicológica. Na nossa avaliação, a chicotada psicológica é este sistema, que muda toda a cultura de funcionamento dos partidos para melhor.

Melhor porquê?

Isto permite que as pessoas possam votar num candidato a deputado de partido diferente daquele que gostam, sem afectar a representação partidária, porque o que preside à formação partidária do Parlamento é a votação por lista. O facto de o eleitor fazer esta escolha vai contagiar positivamente a escolha dos deputados que vão integrar a lista, porque não é possível que um partido no mesmo território se esforce por ter os melhores candidatos nas listas uninominais e depois faça as listas por directório, à la gardere, como faz hoje. Um partido só não elege ninguém da sua lista plurinominal se, num determinado círculo, esgotar a sua quota com os candidatos uninominais. Estes são pessoas especialmente fortes e funcionam como tractores das listas plurinominais. Aliás, a lei pode permitir, ou até obrigar, que os candidatos aos círculos uninominais possam estar integrados nas listas. Isso aumentaria o grau de coesão ou de representatividade da lista. Na Alemanha hoje é facultativo.

Em que é que este sistema é melhor do que os das listas preferenciais, em que o eleitor escolhe o deputado de uma determinada lista?

O sistema misto proporcional personalizado é superior, porque um dos problemas do sistema de voto preferencial, como o voto cruzado, é que põem os deputados da mesma lista a concorrer uns contra os outros no mesmo espaço, o que não é bom para a coesão partidária. Nos círculos uninominais, o deputado de cada partido não está em competição com alguém do seu próprio partido. A grande vantagem é que permite a intervenção do eleitor na escolha dos deputados, sem pôr os candidatos em competição.

Em que é que este sistema aproxima mais os eleitores dos eleitos?

Aproxima de duas maneiras. Porque permite ao eleitor identificar-se mais com um candidato, mesmo que não seja do seu partido, por um lado, e segundo porque é uma injecção de genuinidade e participação democrática de tal forma forte de funcionamento dos partidos que condiciona mesmo a forma de elaboração das listas plurinominais. Hoje, num partido como o CDS, o líder faz as listas e ponto final parágrafo. Noutros partidos maiores, é isto partilhado com os chefes a nível nacional. É o sistema ketchup, uma democracia top-down. Ora, a democracia é um sistema botton-up, de baixo para cima. Temos de ter a certeza que elegemos pessoas que tem algum senhorio sobre o seu mandato para serem livres no exercício desse mandato.

Isso muda a forma como hoje são feitas as listas?

Sim, porque, com este sistema, os partidos têm que escolher os melhores, os mais prestigiados, os que fizeram melhor mandato para irem disputar a eleição uninominal nos 20 circulos uninominais. E aí não vão brincar em serviço. Têm de escolher, não o de que o líder gosta mais, mas aquele que o líder acha que é o mais prestigiado. Aquele que não perde eleitores do seu partido e ainda pode ir buscar votos ao eleitorado de outros. Ou seja, o líder passa a ser líder verdadeiramente: não quer escolher os seus favoritos, mas vigiar para que o povo esteja contente. Hoje, é uma trupe. Este sistema restitui a elaboração das listas à cidadania dos próprios partidos. E é uma revolução cultural na elaboração das listas.