Novo modelo da VW vale 24% das exportações da Autoeuropa este ano
O T-Roc promete dar um novo fôlego à fábrica de Setúbal e às exportações nacionais, principalmente em 2018, mas produção aos sábados está a provocar conflito laboral, com greve agendada para quarta-feira.
O modelo da Volkswagen (VW) que começou agora a ser produzido na Autoeuropa vai ser responsável por 24% das exportações da fábrica de Setúbal, que vão crescer para 117 mil unidades este ano. Isto depois de, em 2016, a produção não ter ido além dos 85.126 veículos, o número mais baixo desde 2006.
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O modelo da Volkswagen (VW) que começou agora a ser produzido na Autoeuropa vai ser responsável por 24% das exportações da fábrica de Setúbal, que vão crescer para 117 mil unidades este ano. Isto depois de, em 2016, a produção não ter ido além dos 85.126 veículos, o número mais baixo desde 2006.
A subida deste ano deve-se ao T-Roc, o novo modelo que já começou a ser fabricado no início deste mês na Autoeuropa, e de onde sairão 28.000 unidades até ao final de Dezembro, de acordo com as declarações do director-geral da fábrica, Miguel Sanches, ao Jornal de Negócios, no âmbito da apresentação oficial do novo modelo que decorreu na passada quarta-feira em Itália. Assim sendo, perto de 2/3 da produção irá ter lugar nos últimos cinco meses deste ano.
Em relação a 2018, a empresa do grupo alemão já afirmou que a produção total será superior a duzentas mil unidades (além do T-Roc, a fábrica da VW tem ainda o Scirocco, o Sharan e o Seat Alhambra), o que mais do que duplica os números de 2016. Só T-Roc deverão ser cerca de 180 mil unidades. Com isso, virá um incremento das exportações de bens (para a Alemanha, cuja subida de compras a Portugal tem sido tímida e de onde saem depois os veículos para os outros mercados europeus).
Motor económico
A atestar a importância do novo modelo e da Autoeuropa, o Banco de Portugal, nos seus boletins de Primavera e de Verão deste ano, já chamou a atenção para o impacto positivo que esta fábrica irá trazer à economia.
Em Junho, além do contributo das exportações de serviços, por via do turismo, que irão continuar a crescer, o Banco de Portugal destacava que as vendas ao exterior iriam ainda beneficiar “no final de 2017 e ao longo de 2018, do aumento previsto da capacidade produtiva de uma unidade industrial do sector automóvel”, ou seja, da Autoeuropa.
Isto no mesmo documento em que reviu a previsão de crescimento nacional este ano de 1,8% para 2,5%, o valor mais alto (a par do de 2007) desde o ano 2000, com as exportações a dispararem quase 10% (embaladas também por factores como a venda de combustíveis e a recuperação das vendas para Angola).
Ameaças no ar
Incluída na lista das maiores empresas exportadoras (embora também importe muitos componentes, há um forte contributo de componentes nacionais), a Autoeuropa tem um peso da ordem do 1% do PIB e de 4% nas exportações, de acordo com os dados da própria empresa.
Acontece que, neste momento, a fábrica do grupo alemão em Setúbal está a atravessar um período de conflito laboral.
Na noite de 28 de Julho, os trabalhadores optaram por chumbar o pré-acordo que tinha sido negociado entre a comissão que os representa e a administração da empresa, marcando um novo ciclo. Num universo de 3472 funcionários, a maioria rejeitou o que tinha ficado estabelecido em termos de compensações pelas alterações aos turnos e horários por causa do T-Roc, um veículo utilitário desportivo (ou SUV, na sigla em inglês) compacto e através do qual a VW quer defrontar os concorrentes e melhorar os seus resultados financeiros.
Sendo a única fábrica que irá produzir o T-Roc, a par de uma unidade na China (a fábrica da VW em Foshan irá fabricar um veículo mais longo, para ser vendido neste mercado asiático), o grupo alemão afirma que é preciso alterar o modelo de trabalho, passando a ter, a partir do início do próximo ano, três turnos diários em seis dias da semana, de modo a cumprir as metas previstas. Ao mesmo tempo, o T-Roc implica a contratação de novos trabalhadores.
A laboração ao sábado implica “uma folga fixa ao domingo e outra rotativa ao longo da semana”, segundo ficou então estabelecido. Em troca, a VW efectuaria “um pagamento mensal de 175 euros adicional ao que está previsto na lei, 25% de subsídio de turno e a atribuição de um dia adicional de férias”.
Antes da votação, a VW enviou uma carta, assinada pelo responsável de recursos humanos, Jurgen Haase, onde vai directa ao assunto no terceiro parágrafo: “Para ser claro: a Volkswagen AG investiu aqui muito dinheiro. A fábrica foi transformada para que possam cumprir o programa de produção exigido. Isso só será possível com um modelo de turnos contínuos. Para tal a produção aos sábados é inevitável”. Se era para funcionar, falhou. E não só não houve acordo como a comissão de trabalhadores, coordenada por Fernando Sequeira, se demitiu de funções.
As greves da CGTP e da UGT
Ao mesmo tempo, a perspectiva de uma greve, que parecia afastada, ganhou novo fôlego e está marcada para a próxima quarta-feira, dia 30, afectando a produção do T-Roc logo na sua fase embrionária (bem como dos outros modelos). E nem a intervenção do Governo, através do Ministério do Trabalho, liderado por Vieira da Silva, que se reuniu no último dia de Julho com a Fiequimetal (federação intersindical das indústrias metalúrgicas, químicas, eléctricas, farmacêutica, celulose, papel, gráfica, imprensa, energia e minas), afecta à CGTP, parece ter tido grande resultado.
De acordo com o pré-aviso de greve, entregue pelo Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Ambiente do Sul (SiteSul), que faz parte da Fiequimetal, o combate é “contra a alteração e agravamento das condições de trabalho” e “contra a obrigatoriedade de trabalhar ao sábado”.
Até aqui, o trabalho ao sábado, quando necessário, era voluntário e pago como horas extraordinárias. Ao pré-aviso da CGTP, datado de 9 de Agosto, veio juntar-se mais recentemente, a 24 de Agosto, um outro entregue pelo sindicato das indústrias metalúrgicas e afins (SIMA), este afecto à UGT. Embora tenha marcado a greve para o mesmo dia do que a CGTP, a SIMA diz que as suas razões “são diferentes” e que em causa estão questões como a aplicação do contrato colectivo do sector, “algo que a empresa tem, nos últimos tempos, negligenciado”.
Esta segunda-feira, dois dias antes da greve prevista, haverá dois plenários (por causa dos diferentes turnos), cujos temas centrais são o novo modelo laboral e a realização do dia de paragem. Isto numa altura em que não foi ainda formada uma nova comissão de trabalhadores – nem há data marcada para as eleições --, que funciona como o principal interlocutor junto da direcção da empresa.
Ligada às novas questões laborais parece haver também um movimento de demonstração de força sindical na fábrica de Setúbal. Até há pouco tempo, o rosto dos trabalhadores era António Chora, que coordenou durante muitos anos a comissão de trabalhadores da empresa, numa fase de pouca visibilidade da CGTP e da UGT. Ligado ao Bloco de Esquerda (pelo qual chegou a ser deputado), Chora acabou por se reformar no início deste ano, tendo deixado uma mensagem de despedida onde alertava que o futuro da Autoeuropa, “em tempos de crise”, estava, “mais do que nunca, ligado a umas relações laborais estáveis, à unidade e pluralidade de opiniões”. Sete meses depois, a comissão de trabalhadores, que deixara em funções, demitia-se.
Na entrevista que deu ao Jornal de Negócios, o director-geral da Autoeuropa, Miguel Sanches, fez questão de sublinhar que esta era uma greve “marcada pelo sindicato afecto à CGTP” e que não tem “os mesmos objectivos da greve inicialmente marcada em plenário pela comissão de trabalhadores” – antes de ter chegado a um pré-acordo com a empresa. A pressão do calendário é a entrada em laboração contínua, e “cumprir com os volumes de produção previstos para 2018”, afirmou o gestor ao Jornal de Negócios. Ao mesmo tempo, deixou um alerta: deslocalizar parte da produção “é um cenário que pode estar em cima da mesa”.
A resposta veio através de Eduardo Florindo, dirigente do Sitesul, que, através da Lusa, afirmou não acreditar nesse cenário. E adiantou que, se nada mudar entretanto por parte da empresa, pode mesmo vir a ser marcada um novo encontro de trabalhadores para “discutir outras formas de luta, se necessário”.
Pelo meio, e através de um comunicado citado pela Lusa, a comissão coordenadora das comissões de trabalhadores do parque industrial de Palmela (empresas fornecedoras da Autoeuropa) criticou o novo protagonismo sindical.
Para já, e depois da greve marcada para esta quarta-feira, o próximo passo que irá determinar o curso das negociações na fábrica de Palmela é o resultado da votação para a nova comissão de trabalhadores. Até lá, a produção continua, mas ainda sem a velocidade desejada pelo grupo, com os primeiros veículos a serem vendidos na Alemanha em Novembro.
Veículos produzidos até hoje na fábrica de Palmela:
- VW T-Roc
- VW Scirocco
- VW Sharan
- Seat Alhambra
- VW Eos (até Junho de 2015)
- Ford Galaxy (até 2006)