A prevenção nos fogos florestais
Na sequência da trágica ocorrência do fogo de Pedrógão Grande e após a imprensa ter cumprido o seu dever de procurar não deixar esquecer este assunto, tornou-se difícil aos “responsáveis” fazer como de costume: esperar que as primeiras chuvas de Outono atirem o assunto para o esquecimento até à Primavera seguinte. Nessa altura apresentar-se-ia, mediaticamente, o “dispositivo de combate” e o Governo (como todos eles) afirmaria que “o país está preparado”. A partir daí… seria esperar que o S. Pedro ajudasse…
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Na sequência da trágica ocorrência do fogo de Pedrógão Grande e após a imprensa ter cumprido o seu dever de procurar não deixar esquecer este assunto, tornou-se difícil aos “responsáveis” fazer como de costume: esperar que as primeiras chuvas de Outono atirem o assunto para o esquecimento até à Primavera seguinte. Nessa altura apresentar-se-ia, mediaticamente, o “dispositivo de combate” e o Governo (como todos eles) afirmaria que “o país está preparado”. A partir daí… seria esperar que o S. Pedro ajudasse…
Parece que, finalmente, e à custa de mais umas dezenas de vítimas mortais, há condições para exigir mais e diferente.
Mais: i) Colocar verbas (não cativáveis) no Orçamento de Estado de 2018 de forma a iniciar-se uma corajosa caminhada que conduza à profissionalização dos bombeiros/sapadores florestais; ii) Avançar sem hesitações para estímulos fiscais que conduzam (e premeiem) a gestão florestal agrupada, com escala física e tecnicamente enquadrada; iii) Usar prioritariamente os dinheiros comunitários elegíveis para a prevenção dos fogos florestais (e afins) em colaboração íntima com as Associações de Produtores Florestais (APF’s), deixando de dar prioridade às autarquias e aos quartéis dos bombeiros; iv) Introduzir na utilização dessas verbas ratios que coloquem finalmente a prevenção à frente do combate.
Diferente: i) Retirar o poder autárquico da elaboração dos processos de contra-ordenação das coimas por práticas perigosas no período estival (queimadas, foguetes e semelhantes) e dar publicidade local às autuações feitas pelas diferentes autoridades (GNR e outras);ii) Impedir o licenciamento de novas construções em zonas florestadas ou exigir, no acto e por contrato, a garantia da instalação e manutenção de faixas (já hoje previstas) sem arvoredo; iii) Estabelecer uma Rede Nacional de Postos de Vigia, operados pelas autarquias; iv) Activar a vigilância aérea permanente e aleatória dos territórios de risco (e dos outros) a partir de pequenos helicópteros - tripulados por um piloto e um elemento da GNR - capazes de aterrar no local e de passar a respectiva coima; v) Oferecer fortes estímulos mecenáticos às empresas que patrocinem/financiem este novo tipo de vigilância; vi) Criar nos momentos e locais adequados, “períodos temporais de paisagem sem fogo” cuja transgressão seja draconianamente punida em processos sumários; vii) Treinar de forma profissional os Sapadores Florestais, os membros dos GIPS (Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro) da GNR e o que resta da Guarda Florestal para fazerem uso de contrafogos (e para utilizarem o fogo controlado fora da época estival); vi) Dotar os técnicos das APF’s de autoridade policial (como sempre se fez com os guardas de caça auxiliares e hoje já está atribuída aos funcionários da EMEL) capacitando-os para intervir e multar em casos de incúria ou de práticas ilegais relacionadas com o uso e risco de fogo; viii) Criar um ranking anual dos Comandantes Operacionais, de forma a valorizar a sua eficácia e o seu saber; ix) Regressar à recolha e divulgação de estatísticas sobre fogos rurais que distingam clara e inequivocamente as áreas ardidas de povoamentos florestais (por espécies) das áreas ardidas de matos e incultos.
Tendo listado um conjunto de práticas com efeitos de longo prazo e outras de efeito mais imediato, não deixo de defender que em todas elas deveria sobressair o objectivo comum de gerar “vergonha social” a quem provoca, colabora ou não denuncia comportamentos ilegais e socialmente inadmissíveis em matéria do uso do fogo.
A publicitação local do nome dos prevaricadores e um mecanismo dissuasor da reincidência seriam medidas adicionais que sociólogos, partidos políticos e autoridades deveriam poder acordar entre si e de onde a televisão pública não poderia continuar a estar ausente.
Eu sei que muitas das linhas e acções aqui brevemente esboçadas são incómodas e politicamente incorrectas…mas também sei que nisto (e noutras coisas…) estamos a ficar fartos do politicamente correcto e da ideia de que não se pode tocar na malga dos que já hoje comem à mesa do Orçamento do Estado…
Nota: Fui director-geral das Florestas no ano de 1988 (ano em que menos ardeu floresta em Portugal nos últimos 40 anos… porque foi o ano com o Verão mais chuvoso de que há registo nesse período!!!)