A morte do silêncio
Numa sociedade de movimento, espectáculo e ruído, é difícil termos instantes de silêncio. Raras vezes convivemos com ele — por obrigação ou por vontade. É assim que ele se torna num corpo estranho para nós. E ignoramo-lo. Sem razão. A sociedade é ruído. É por isso que o silêncio é tão necessário.
“Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso”. A Clarice Lispector fala e nós devemos falar com ela. Mas sem falar, que, falando, acabamos com ele.
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“Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso”. A Clarice Lispector fala e nós devemos falar com ela. Mas sem falar, que, falando, acabamos com ele.
Ele é o silêncio e ele está a morrer. Pelo menos em parte das homenagens realizadas em Portugal. Em cada “minuto de silêncio” de louvor às vítimas dos incêndios, dos ataques terroristas ou de qualquer outra tragédia, o minuto é de aplausos, e os aplausos são de tudo menos de silêncio.
Aplaudir é outra forma de homenagem, é certo, uma espécie de levantar a cabeça, de mostrar que nada nos abate, um olhar e andar em frente. Nada contra. Mas tudo errado. Aplaudimos quando deveríamos silenciar. E porquê? Por gosto pelas palmas ou por medo do silêncio?
O silêncio traz a reflexão obrigatória, o mergulho no vazio que nos obriga a estarmos sozinhos connosco, com os nossos pensamentos, com a nossa profundidade. O momento já é delicado — homenagear alguém. Acrescentar, a esse momento, a sensibilidade de estarmos connosco talvez nos deixe desconfortáveis.
Associamos o silêncio à solidão e essa solidão adensa-se no contraste de estarmos rodeados de gente — como sempre estamos nestas homenagens públicas. As palmas, por sua vez, talvez sejam as palavras que não dizemos, as conversas que não temos com essa gente, que preenchem este vazio interior que há em todos os que lá estão.
Silêncio e solidão, dois conceitos e estados dos quais parecemos fugir a sete pés. Não por serem intrinsecamente maus, mas por nos obrigarem à companhia que talvez mais nos atormente hoje em dia, nós próprios. Fugimos de nós. E esta fuga merece um minuto de silêncio, não de aplausos.