Cães danados
Paul Schrader chafurda sem problemas no grotesco do sub-mundo do crime, num filme intrigantemente falhado que desconstrói os lugares-comuns Tarantinescos.
Há qualquer coisa de errado quando os melhores filmes que Paul Schrader, o argumentista de Taxi Driver, o realizador de American Gigolo, realizou nos últimos 20 anos foram directos para video em Portugal — como Auto Focus (2002) ou Confrontação (1997) — enquanto obras menores ou falhadas chegam ao circuito de salas. Aconteceu isso com o anterior Vingança ao Anoitecer (2014), que foi retirado a Schrader na montagem para se transformar num lamentável policial cheio de buracos, acontece agora com Como Cães Selvagens, que é, ainda assim, filme significativamente mais interessante. Baseia-se num romance do ex-condenado Eddie Bunker, o “sr. Azul” dos Cães Danados de Tarantino — e não é por acaso, porque o filme se instala desde o início numa versão exacerbada do universo Tarantiniano onde ninguém é inocente, a meio caminho entre a estilização puxada ao limite, o naturalismo conversacional e a violência gráfica.
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Há qualquer coisa de errado quando os melhores filmes que Paul Schrader, o argumentista de Taxi Driver, o realizador de American Gigolo, realizou nos últimos 20 anos foram directos para video em Portugal — como Auto Focus (2002) ou Confrontação (1997) — enquanto obras menores ou falhadas chegam ao circuito de salas. Aconteceu isso com o anterior Vingança ao Anoitecer (2014), que foi retirado a Schrader na montagem para se transformar num lamentável policial cheio de buracos, acontece agora com Como Cães Selvagens, que é, ainda assim, filme significativamente mais interessante. Baseia-se num romance do ex-condenado Eddie Bunker, o “sr. Azul” dos Cães Danados de Tarantino — e não é por acaso, porque o filme se instala desde o início numa versão exacerbada do universo Tarantiniano onde ninguém é inocente, a meio caminho entre a estilização puxada ao limite, o naturalismo conversacional e a violência gráfica.
A diferença é que Schrader começa logo no “prólogo” a forçar a tonalidade grotesca, lançando-se em seguida numa espécie de “última corrida” para três criminosos de pouca monta e pouca inteligência que se deixam levar pelas suas ambições ilusórias.
É, outra vez, a procura da graça e da redenção que Schrader explora, é outra vez no modo como dirige e solta os actores que o filme se ganha — Willem Dafoe, cúmplice de sempre, é extraordinário a modular a impulsividade e a vulnerabilidade do seu cocainómano de gatilho leve, Nicolas Cage joga a seu favor com o seu corpo envelhecido e a pose de quem já não se rala nada, Christopher Matthew Cook aguenta-se muito bem à bronca com os dois monstros. Pelo meio, é difícil não ver Como Cães Selvagens como comentário ácido, desvairado, ao mundo moderno, grito de nojo e decepção por aquilo em que a América se tornou ao longo das últimas décadas. Mas é também inevitável ver aqui um filme incompleto, inacabado, indeciso, combate artístico entre o onirismo estilizado e o pragmatismo de género, entre a nostalgia cinéfila e a modernidade (a personagem de Cage tem Humphrey Bogart como modelo), que acaba empatado e sem vencedores.
Estranhíssimo, surreal, mas sempre interessante, Como Cães Selvagens apresenta-se como um daqueles objectos “fora de gaveta”, destinados à incompreensão. Merece uma vista de olhos, mas transpira por tudo quanto é sítio a marca de “filme falhado”.