Eleições marcam o fim de uma era, mas pode não ser o início de uma era nova
As sondagens confirmam a tendência de queda do único partido que esteve no poder em Angola. Além do relançamento da economia, o grande desafio do próximo chefe de Estado é a coexistência com o Presidente emérito e a sua família.
Pela primeira vez em 40 anos, os angolanos que forem hoje às urnas não estarão a escolher o líder histórico do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), José Eduardo dos Santos, para a presidência do país. As eleições gerais desta quarta-feira serão o fim de uma era, mas não necessariamente o início de uma nova. “Vai mudar um ciclo político dentro da mesma família política”, resumiu João Lourenço, o antigo general e actual ministro da Defesa, que se tornará chefe do Governo se, como é previsível, o seu partido for o mais votado.
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Pela primeira vez em 40 anos, os angolanos que forem hoje às urnas não estarão a escolher o líder histórico do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), José Eduardo dos Santos, para a presidência do país. As eleições gerais desta quarta-feira serão o fim de uma era, mas não necessariamente o início de uma nova. “Vai mudar um ciclo político dentro da mesma família política”, resumiu João Lourenço, o antigo general e actual ministro da Defesa, que se tornará chefe do Governo se, como é previsível, o seu partido for o mais votado.
Embora a esperada vitória do MPLA esvazie de sentido as manchetes sobre a “transição do poder” em Angola, a saída de José Eduardo dos Santos da presidência não deixa de ser, sublinha a BBC, “um dos acontecimentos políticos mais significativos em Angola desde o fim da guerra civil” que se prolongou por 27 anos após a independência do país, em 1975. A forma como decorre, pacificamente, em eleições pluripartidárias e depois de intenso debate político, tem sido apontada como “positiva” pela imprensa internacional – que ao mesmo tempo não esquece os alertas de organizações, como a Human Rights Watch, sobre a censura e a repressão governamental.
Igualmente digno de nota é o contexto em que José Eduardo dos Santos cede o palco a João Lourenço: num período de profunda crise económica, resultante da baixa dos preços do petróleo nos mercados internacionais que comprometeu seriamente as receitas do Estado e fez cair a pique o valor do kwanza. Em 2016, o país (o segundo maior produtor petrolífero do continente africano) entrou em recessão com a economia a contrair 3,6%, a inflação a disparar para os 42% e a taxa de desemprego a ultrapassar os 20%. A mudança ocorre também num momento em que escândalos de subornos e lavagem de dinheiro põem em causa a capacidade do país para endireitar a sua economia e ultrapassar a corrupção endémica que projecta uma sombra sobre o desenvolvimento de Angola.
Durante a campanha, Lourenço repetiu que quer “ficar na História como o homem do milagre económico”, da mesma maneira que Agostinho Neto ficou na História como o homem da independência e José Eduardo dos Santos como o homem da reconciliação entre os angolanos e da reconstrução do país no fim da sangrenta guerra civil. Mas além da “transformação de Angola do ponto de vista económico”, com a diversificação da economia e a atracção de investimento, o candidato do MPLA andou a bater na tecla da transparência e do combate à corrupção. “A lei é para todos”, insistiu, garantindo que “a Justiça será livre de actuar quando existirem indícios muito fortes de crime”.
Lourenço, um veterano do MPLA pouco dado a controvérsias, foi escolhido por consenso partidário mas não pelo próprio José Eduardo dos Santos para prolongar o seu regime – como escrevia a Stratfor, consultora especializada em informação geo-estratégica, “a liderança política em Angola privilegia a estabilidade e o consenso acima de tudo”, e o relacionamento do futuro chefe do Governo com o Presidente que esteve no poder durante 38 anos “vai determinar o rumo do Governo e o futuro do país”.
Santos não se vai afastar da política activa nem ceder totalmente o poder. Apesar de ter resistido à tentação da “transição dinástica”, o Presidente não evitou o nepotismo, assegurando que a sua família mantém a influência política e económica, com a filha mais velha, Isabel dos Santos, à frente da Sonangol e o filho, José Filomeno dos Santos, a gerir o fundo soberano de cinco mil milhões de dólares e a sentar-se no comité central do MPLA – que o pai continuará a liderar pelo menos até 2018.
Antes de sair de cena, o Presidente preparou as condições da sua reforma, fazendo aprovar pelo Parlamento uma lei que determina que, depois de deixar o cargo, continua a receber 90% do salário e a contar com a protecção de guarda-costas. Mais importante ainda, continua a beneficiar de imunidade judicial. Outra lei, aprovada há um mês, impede o futuro Presidente de mudar os chefes da polícia, dos serviços secretos e das Forças Armadas, nomeados por José Eduardo dos Santos, durante os próximos oito anos.
Desafio
Os “arranjos” de José Eduardo dos Santos para garantir a sua posição e os interesses da sua família depois de deixar a presidência estiveram na mira do candidato da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Isaías Samakuva, que prometeu demitir Isabel dos Santos da administração da Sonangol se vencer as eleições. É um cenário improvável, embora os analistas e comentadores concordem que o impacto dos casos de corrupção (que levaram ao afastamento de Manuel Vicente, o herdeiro preferido de José Eduardo dos Santos) e da crise económica esteja a pressionar o MPLA e a dar nova credibilidade às figuras da oposição.
As poucas sondagens realizadas confirmam a tendência de queda do MPLA, que caiu dos 82% em 2008 para os 72% em 2012 e poderá dar um novo trambolhão até aos 60% (se o resultado ficar abaixo dos 55% será considerado uma derrota). Na oposição, a UNITA e a Coligação Ampla de Salvação de Angola (CASA-CE) consolidam-se como forças em expansão: o partido de Samakuva, que obteve cerca de 20% nas últimas eleições, pode crescer dez pontos, enquanto o salto do movimento fundado por Abel Chivukuvuku em 2012 pode chegar a mais de 20 pontos.
A fiabilidade das sondagens eleitorais não é grande, e os dois maiores movimentos de oposição ainda acreditam na possibilidade de suplantar as projecções e conquistar uma parcela de votos para formar maioria no parlamento. Nesse cenário, avançariam uma reforma constitucional, por exemplo para reintroduzir o cargo de primeiro-ministro extinto em 2010, ou para fixar novos termos para a destituição do Presidente (que é sempre o líder do partido com mais votos, independentemente da maioria no parlamento).
Seja pelo fortalecimento da oposição, ou por causa do poder da família dos Santos, o próximo Presidente de Angola vai iniciar o mandato numa posição periclitante. “Mudar de Presidente era algo de impensável há alguns anos. Mas a maior dificuldade depois da votação não tem a ver com a mudança política, tem a ver com as reformas necessárias para consertar uma economia dependente do petróleo”, considerou o economista da Universidade católica de Angola, Manuel Alves da Rocha, à Bloomberg.