Sete desafios de Angola vistos através do FMI

Mudanças passam por questões como a diversificação da economia, introdução do IVA e resolver os problemas dos bancos.

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FMI chama a atenção para a necessidade de "programas sociais bem orientados para os mais vulneráveis” Reuters/Ed Cropley

Angola acabou por não pedir a assistência financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2016, mas o relacionamento com esta entidade mantém-se estreito ao nível técnico. E, de acordo com o FMI, são vários os desafios que Angola tem de enfrentar, indo desde a banca à diversificação da economia, passando pela introdução do IVA e pelo combate à corrupção.

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Angola acabou por não pedir a assistência financeira ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2016, mas o relacionamento com esta entidade mantém-se estreito ao nível técnico. E, de acordo com o FMI, são vários os desafios que Angola tem de enfrentar, indo desde a banca à diversificação da economia, passando pela introdução do IVA e pelo combate à corrupção.

No último grande relatório sobre este país (ao abrigo do artigo IV), divulgado em Fevereiro, a previsão era a de que a inflação tivesse chegado aos 45% no final de 2016 (a maior taxa em um década). Para o FMI, é preciso continuar a ajustar a economia angolana ao “novo normal” dos preços do petróleo.

1 - Diversificar a economia

O problema da excessiva dependência do petróleo está identificado há muito, mas pouco se fez para o contrariar. Assim, não é de estranhar que o FMI destaque a necessidade de Angola promover “a diversificação económica, melhorando o ambiente de negócios”, e reforçar “o papel do sector privado na reconstrução de infra-estruturas”. Aliás, diz o FMI, este é “o principal desafio económico” deste país e para o atingir é preciso que haja uma redução dos custos no sector não petrolífero e “a resolução dos constrangimentos em termos de capital físico e humano”.  Aqui, a instituição liderada por Christine Lagarde dá como exemplo a necessidade de “simplificar e agilizar os procedimentos para a emissão de vistos de trabalho”, de modo a desenvolver o sector privado e atrair investimento directo estrangeiro. Depois, “é importante tentar reduzir a grande presença do Estado na economia”.

A maior empresa estatal angolana, a Sonangol, agora liderada por Isabel dos Santos (filha de José Eduardo dos Santos), está presente em sectores tão distintos como a hotelaria e a banca. E se já se avançou que participações como a que a Sonangol detém no BCP (é o segundo maior accionista, com 15%) devem passar para a alçada do Ministério das Finanças, no último relatório  e contas da petrolífera, apresentado no início de Julho por Isabel dos Santos (accionista de bancos como o BIC/Eurobic e BFA) é dito claramente que a participação é “estratégica”, até porque “acentua a natureza e vocação internacional” da petrolífera. Para o FMI, a Sonangol deve “alienar alguns do seus negócios não principais”, focando-se no petróleo e gás.  

De acordo com o FMI, existe um programa de reestruturação de empresas públicas que “inclui o encerramento de 48” e a privatização de outras 53. Neste momento, está em vigor um programa “destinado a sectores considerados como tendo um elevado potencial de substituição das importações e/ou das exportações”, com linhas de financiamento e acesso privilegiado a divisas para a compra de bens intermédios, mas, diz o FMI, “será importante definir claramente a forma como a selecção de projectos é realizada”. Ao mesmo tempo, quer-se uma melhoria da “qualidade do investimento público”, favorável ao crescimento.

2 - Intervir nos bancos mais frágeis

Para o FMI, as autoridades angolanas têm de realizar “avaliações rigorosas da qualidade dos activos” dos bancos, e recapitalizar ou encerrar as instituições financeiras mais fracas (o banco público BPC já foi intervencionado).

Segundo o FMI, há cinco bancos subcapitalizados, e tem sido utilizada uma estratégia de reestruturação de créditos que abrange “algumas empresas não viáveis”. Por outro lado, é necessário “reforçar o regime de preparação para situações de crise”, como as facilidades de liquidez de emergência. Angola é também vista como “uma jurisdição de risco mais elevado”, incluindo aqui questões ligadas à corrupção.

Por causa disso, e num contexto de “retracção dos bancos globais desde a crise financeira mundial”, neste momento não há relações entre as instituições financeiras locais com bancos correspondentes em dólares, o que traz dificuldades acrescidas ao país. Assim, não só há menos recursos para ir buscar divisas como o dólar, como o acesso dos bancos a esta moeda também já foi mais fácil. Tem havido um maior recurso ao euro, e relações indirectas de acesso aos dólares através de Portugal e da África do Sul. No entanto, esta é uma solução de “curto prazo”, sem garantias de futuro.

“Está em curso um trabalho para reforçar os quadros de supervisão, regulamentar e prudencial e a sua aplicação em linha com os pares regionais e mundiais”, diz o FMI. Um passo em frente, diz, seria haver “medidas preventivas relativas a pessoas politicamente expostas”, com fiscalização activa.

3 - Introduzir o IVA

Para o FMI, a baixa das receitas petrolíferas tem de ser compensada por uma “racionalização da despesa” (por exemplo, não deve haver aumentos salariais),  e por mais receitas não petrolíferas. Nesta estratégia engloba-se o alargamento da base tributária, uma agência de administração fiscal única, o “reforço das inspecções fiscais e uma melhor aplicação da tributação dos bens imóveis”.

Quando pensam no alargamento da base tributária, tanto o FMI como o Governo pensam no IVA, acreditando o FMI que este poderia ser implementado a 1 de Janeiro de 2019. O que existe agora é um imposto sobre o consumo, que incide “sobre uma base muito estreita”. A aplicação do IVA, com uma taxa de 10%, “poderia produzir cerca de 2,5% do PIB em receitas para Angola”, diz esta organização.

4 - Atenção à dívida pública

Com uma maior necessidade de se endividar para fazer face às despesas, Angola deve “reforçar a credibilidade da lei da dívida pública” com a introdução de uma cláusula de salvaguarda que permita ir além dos 60% do PIB “quando a economia for sujeita a um grande choque exógeno”, tal como acontece agora. Ao mesmo tempo, de acordo com o FMI, deve ser aplicado um “mecanismo transparente para assegurar a convergência ao longo do tempo” até voltar a chegar ao tecto dos 60%. Em 2016, a dívida pública bruta terá chegado a 71% do PIB (incluindo aqui a Sonangol e a TAAG, empresa de aviação pública).

Embora o FMI considere que a dívida pública está em níveis sustentáveis, a tendência de crescimento tem de começar a ser invertida.

5 - Mudanças na taxa de câmbio 

Com o mercado negro completamente desfasado do oficial na taxa de câmbio  Kwanza/Dólar, o FMI alerta que é necessário “passar para um regime de taxa de câmbio flexível mas administrada”. Isto para “abordar de forma urgente os desequilíbrios do mercado cambial, desenvolver um calendário claro para a eliminação das restrições cambiais e práticas de taxas de câmbio múltiplas”.

Embora tenha um regime cambial flutuante, diz o FMI que o Kwanza foi fixado ao dólar em Abril de 2016. Entre Setembro de 2014 e o fim de 2016/início de 2017 o Kwanza recuou 40% face ao dólar e, de acordo com o FMI, foram usados seis mil milhões de dólares em reservas para suavizar a depreciação.

Por parte do Banco Nacional de Angola, que recebe, por exemplo, as divisas dos impostos pagos pelas petrolíferas internacionais, este “monitoriza atentamente as oscilações da taxa de câmbio tendo em vista o objectivo de manter a estabilidade de preços na economia”, e “intervém constantemente” no mercado com leilões de divisas e vendas directas.

Uma maior flexibilidade da taxa de câmbio, diz o FMI, é “fundamental para salvaguardar a estabilidade macroeconómica”. No entanto, destaca, tem de haver uma abordagem “gradual”, de modo “a impedir o aumento das pressões inflacionárias”.  No final de 2016 a taxa de inflação terá chegado aos 45%, a maior em mais de uma década.

6 - Menos subsídios, mais apoios

Para o FMI, deve acabar-se com os subsídios à gasolina e ao gasóleo. Da mesma forma, defende a eliminação dos subsídios “à tarifa da electricidade e da água à medida que os investimentos em curso aumentam a oferta”. No entanto, diz, devem ser criadas taxas sociais para “proteger os pobres”. Neste último aspecto, chama-se também a atenção para o uso de verbas orçamentais para “expandir programas sociais bem orientados para os mais vulneráveis”.

7 - Fundo de protecção

Seria importante que Angola adoptasse um “quadro orçamental de médio prazo melhorado, centrando-se em regras de despesa e num fundo de estabilização fiscal bem concebido” de modo, refere o FMI, a reduzir “a pró-ciclicidade da despesa” no futuro e que atenue as oscilações do preço do petróleo.

Este fundo teria “regras claras” de depósitos e levantamentos. Ao mesmo tempo, o fundo devia avaliar “as necessidades de despesa associadas à manutenção e execução de projectos de investimento logo que estejam concluídos” e aprovar apenas os projectos para os quais haja “espaço orçamental para as suas necessidades de despesas correntes no futuro”.