Eclipse solar: em Portugal vamos ver a Lua a mordiscar o Sol
A Lua vai passar à frente do Sol e tapá-lo. No território português apenas se vai conseguir ver este fenómeno parcialmente. O espectáculo a sério vai ser nos Estados Unidos. Nessa altura, Bonnie Tyler vai cantar Total Eclipse of the Heart, o seu êxito dos anos 80, num cruzeiro nas Caraíbas.
Esta segunda-feira o Sol vai estar no centro das atenções. Afinal, há um eclipse solar total que vai atravessar (mesmo na totalidade) a parte central dos Estados Unidos, desde a costa do Pacífico à costa do Atlântico. Em Portugal, lá para o final da tarde, também teremos direito a ver o eclipse solar, mas será só parcial. Os cientistas vão aproveitar este fenómeno para obter dados e conhecer melhor o Sol.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Esta segunda-feira o Sol vai estar no centro das atenções. Afinal, há um eclipse solar total que vai atravessar (mesmo na totalidade) a parte central dos Estados Unidos, desde a costa do Pacífico à costa do Atlântico. Em Portugal, lá para o final da tarde, também teremos direito a ver o eclipse solar, mas será só parcial. Os cientistas vão aproveitar este fenómeno para obter dados e conhecer melhor o Sol.
“A Lua passa em frente do Sol e tapa-o na totalidade” – é desta forma que Rui Agostinho, astrofísico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, explica o que é um eclipse total da nossa estrela. Em média, por ano ocorrem dois eclipses solares. “Não é garantido que sejam totais”, avisa o astrofísico. “Muitas dessas vezes [os eclipses] não se vêem em grande parte da Terra, o que nos dá sempre curiosidade”, considera ainda Máximo Ferreira, astrónomo e director do Centro Ciência Viva de Constância – Parque de Astronomia.
Há quatro tipos de eclipses solares: o total, em que a Lua tapa o Sol; o anular, quando a Lua cobre o centro do Sol, mas fica visível um anel da estrela; o parcial, em que a Lua tapa parcialmente o Sol; e o híbrido, em que nalguns locais o eclipse é total e noutros é anular.
Este eclipse vai ser muito particular: percorre os Estados Unidos de um lado ao outro durante a manhã e o início da tarde (em Portugal é já ao final da tarde e início da noite). A sombra da Lua projecta-se sobre a Terra, ou seja, a região onde o eclipse é total vai fazer a trajectória desde o oceano Pacífico até ao oceano Atlântico, atravessando os Estados Unidos de noroeste para sudeste, indo assim desde a costa do Oregão e até à da Carolina do Sul. A faixa da totalidade do eclipse mede cerca de 160 quilómetros de largura. “O grande show vai ser mesmo nos Estados Unidos. O eclipse corre o país de lés-a-lés”, diz Rui Agostinho.
Há algum tempo que os Estados Unidos não tinham um eclipse total que atravessasse assim o país. O site da NASA adianta mesmo que desde 1918 que um eclipse do Sol não se estendia por todo o território norte-americano. E Rui Agostinho diz que não termina aqui: “Neste século, os Estados Unidos vão ter uma série de eclipses.” Em 2024 e 2045 (embora com algumas características e trajectórias diferentes) haverá mais dois eclipses solares totais que atravessam o país.
O eclipse desta segunda-feira será ainda visível parcialmente na América do Norte, no Norte da América do Sul, na Europa ocidental, no extremo ocidental do Norte de África, no extremo oriental da Ásia, no Norte do oceano Pacífico e no Atlântico Norte, refere a página do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL) na Internet.
Como tal, em Portugal continental e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira este eclipse será visível parcialmente. “Na maioria do território nacional, o eclipse parcial será pouco perceptível, pois começa quando o Sol já se encontra próximo do ocaso, altura em que as imagens dos astros apresentam más condições de observação”, indica a página do OAL. “A Lua tapa um bocadinho o Sol. O Sol leva uma dentada”, brinca Máximo Ferreira.
“No continente, quanto mais para sul e para litoral, maior será a percentagem do Sol oculta”, refere ainda um comunicado do Planetário do Porto – Centro Ciência Viva. E as horas serão semelhantes em todo o continente.
No Porto, o início do eclipse é por volta das 19h44, o seu máximo acontece às 20h22 e a percentagem do Sol oculta é de cerca de 16%. Em Lisboa começa pelas 19h45, às 20h23 atinge o máximo e a área solar coberta vai até aos 19%. Mais a sul, em Faro, o eclipse começa às 19h47 e às 20h27 o máximo da parte tapada chega quase aos 22%.
Nos arquipélagos da Madeira e dos Açores é onde a área coberta será maior. No Funchal, o eclipse começa às 19h48 e no auge, às 20h35, terá coberto 33% do Sol. É o local, em Portugal, em que se verá a Lua a tapar mais o disco solar, segundo o comunicado do Planetário do Porto. Já em Ponta Delgada, o eclipse inicia-se às 18h40 locais, às 19h28 estará no máximo e termina por volta das 20h12, tendo uma cobertura de 28%. Os Açores serão o sítio em Portugal onde o eclipse parcial será visível desde o início até ao fim, ainda que o Sol já esteja baixo no horizonte, refere o OAL.
Nos próximo tempos, em Portugal, não teremos a mesma sorte dos Estados Unidos. Apenas haverá em 2026 um eclipse em que o Sol terá uma cobertura de cerca de 90% (e que apanha sobretudo o Norte do país) e em 2028 haverá um eclipse anular que será visível sobretudo no Sul do país, destaca Rui Agostinho. Máximo Ferreira acrescenta que em 2027 e 2081 apenas iremos ver eclipses parciais do Sol (embora em Espanha sejam totais).
O último eclipse solar total em Portugal remonta a 1912, informa Máximo Ferreira. “Para acontecer no mesmo sítio, são necessários muitos anos”, frisa. Quando haverá então um eclipse solar total visível? “Só depois de 2100”, indica-nos Máximo Ferreira. Ao longo deste século, ocorrem 68 eclipses solares totais visíveis, mas em Portugal alguns deles serão apenas parciais.
Para se observar o Sol, o Planetário do Porto tem uma sessão esta segunda-feira a partir das 19h30 junto à piscina das marés, em Leça da Palmeira. Haverá telescópios com filtros apropriados para se ver o eclipse. Já no Centro Ciência Viva de Constância vai realizar-se uma palestra sobre os eclipses. Depois, lá para as 19h30, começam as observações com telescópios com filtros, filtros solares oculares e a imagem será mesmo projectada num ecrã. Quem quiser participar, basta aparecer a partir das 18h.
Caso queira acompanhar o eclipse solar total nos Estados Unidos, pode fazê-lo via streaming através do site da NASA, que estará a segui-lo por mais de 60 telescópios, aviões e balões de alta altitude. A transmissão começa às 17h (horário de Portugal continental) a partir de Charleston, na Carolina do Sul.
Este eclipse nem a Hollywood vai escapar. Produtores de filmes e de anúncios de televisão, equipas de filmagens, realizadores e actores têm-se vindo a preparar para o momento. Os realizadores esperaram, sobretudo, o momento em que a Lua cobre o Sol e o brilho da corona fica exposto ao longo do perímetro da nossa estrela. E se há música sobre um eclipse total é Total eclipse of the heart, de Bonnie Tyler. Como tal, a própria vai cantar o seu êxito dos anos 80 a bordo de um cruzeiro da empresa Royal Caribbean International, no momento em que a Lua tapa o Sol. “Bonnie Tyler foi uma escolha óbvia para este momento único”, disse Michael Bayley, presidente da empresa à revista Time.
Os mistérios da corona
Este eclipse também será útil para a ciência. Aliás, os eclipses, sobretudo os eclipses totais do Sol, têm permitido aos cientistas estudar a corona (parte exterior da atmosfera do Sol que é mais quente do que a sua superfície). Os cientistas usam aparelhos chamados “coronógrafos”, que instalam em satélites e telescópios, para desvendarem os segredos da corona. Neste eclipse, também o avião Gulfstream V, da Fundação para a Ciência dos Estados Unidos, vai sondar os fluxos magnéticos da corona do Sol fazendo observações da sua radiação infravermelha (que não é fácil de observar no solo).
Já a NASA irá usar dois jactos para estudar a corona. Têm câmaras de vídeo de alta velocidade para capturar o movimento dos finos filamentos da corona. “Idealmente, queremos descobrir algum mecanismo que tenha energia suficiente na corona para a aquecer”, diz Amir Caspi, um dos astrónomos responsáveis por este trabalho, à revista Nature. Além deste trabalho, os dois jactos vão também aproveitar a viagem para, observando a radiação infravermelha, criar o primeiro mapa térmico do planeta Mercúrio e detectar pequenos asteróides que estejam entre Mercúrio e o Sol, refere a mesma revista.
Mesmo em terra, haverá estudos que contribuirão para a investigação da corona solar. Um deles é coordenado pela física norte-americana Shadia Habbal e vai tentar fazer um mapa de temperaturas da corona. Ou ainda o trabalho de uma equipa francesa, liderada pelo astrónomo Serge Koutchmy, do Instituto de Astrofísica em Paris, que estará num vale no Idaho (nos Estados Unidos) a fazer as observações. O objectivo é analisar as linhas espectrais da corona, para ver que elementos químicos estão presentes.
Cientistas da NASA também querem aproveitar este eclipse para perceber melhor a energia da própria Terra, ou seja, a forma como a energia se propaga no nosso planeta. Vão fazê-lo através de dados recolhidos no solo, no espaço e usar um modelo computacional. “Esta é a primeira vez que vamos usar métodos a partir do solo e do espaço para simular a sombra da Lua ao longo da superfície da Terra nos Estados Unidos e calcular assim a energia que chega à Terra”, disse Guoyong Wen, da NASA, em comunicado desta agência espacial. Por exemplo, o espectrómetro Pandora desenvolvido pela NASA, e que está em terra, irá recolher dados. No espaço, a NASA conta, por exemplo, com uma câmara que está no satélite Deep Space Climate Observatory (DSCOVR).
Os sons de quem o vê
Nos Estados Unidos, também os observadores amadores estão convidados a ajudar na recolha de dados. O Projecto Eclipse Megamovie pede a quem tiver uma câmara, um telescópio ou um smarthphone que recolha imagens (com os devidos cuidados) e as submeta na aplicação do projecto. Estas imagens serão para um vídeo sobre o eclipse e irão contribuir para que se estude o efeito do “anel de diamante” (acontece no início e no final de um eclipse total e parece que estamos a ver um anel de diamante). Poderão ainda ajudar os cientistas a medir o tamanho do Sol com mais precisão.
Já o projecto Life Responds, da Academia de Ciências da Califórnia, pede às pessoas que registem o comportamento dos animais durante o eclipse e o submetam na aplicação iNaturalist. Para já, estes dados não são para uma investigação científica específica, mas os cientistas esperam que as informações recolhidas a suscitem. Afinal, há relatos de comportamentos estranhos de animais durante os eclipses solares totais, como lamas que perseguem um grupo de pessoas ou golfinhos que andam à roda de navios.
E também de sons se faz um eclipse. O projecto Eclipse Soundscapes quer que os observadores recolham sons à volta de quem está a observar o fenómeno. A informação servirá para possíveis estudos de antropologia e de biologia e para criar experiências sonoras para pessoas cegas. O projecto é coordenado por Henry Winter, astrofísico no Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, em Cambridge (EUA).
“Isto dá às pessoas a noção de que podem contribuir para a ciência”, diz Andrew Fraknoi, antigo professor de astronomia na Foothill College em Los Altos Hills e conselheiro do projecto Life Responds. Rui Agostinho destaca ainda outro aspecto do eclipse: “As imagens dos satélites vão ser espectaculares.” Aguardemos.