O federalismo norte-americano
Nos EUA, o Congresso é o órgão legislativo por excelência e não existe um Governo no sentido que habitualmente se lhe dá.
O Estado federado surge nos EUA no Congresso de Filadélfia de 1787. Deste emergiu a Constituição dos EUA e o Estado federal como forma de organização política.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O Estado federado surge nos EUA no Congresso de Filadélfia de 1787. Deste emergiu a Constituição dos EUA e o Estado federal como forma de organização política.
O Congresso tinha dois problemas a resolver: um, onde reside a soberania; outro, o da repartição de poderes. O primeiro resolveu-o instituindo o princípio da soberania popular (a soberania reside no povo); o segundo, através de uma repartição de poderes em que a Federação reserva para si competência sobre determinadas matérias previstas no artigo 1.º da Constituição federal. No restante, os Estados podem legislar como entenderem. Daí que, por exemplo, haja Estados onde existe pena de morte e noutros não e os exemplos poderiam multiplicar-se.
Os Estados gozam de uma enorme autonomia, tendo como limite a Constituição federal e o respeito pela forma republicana de governo (artigo 4.° da Constituição federal). Cada um outorga e altera a sua própria Constituição, detém um governador eleito por sufrágio universal, um Executivo, uma assembleia legislativa e uma organização judiciária própria à semelhança da organização política federal. Todavia, têm de respeitar a Constituição e as leis federais.
Nos EUA existe um sistema presidencialista em que o Presidente é simultaneamente chefe de Estado e do Executivo e não responde politicamente perante o Congresso. O Congresso não pode destituir o Presidente nem qualquer dos seus secretários. Todavia, o Senado pode julgar o Presidente pela prática de crimes graves e destitui-lo por dois terços dos membros presentes. É o designado processo de impeachment (destituição). O Presidente também não pode dissolver o Congresso.
Na lógica dos checks and balances em que cada poder deve exercer as suas funções e impedir que cada um dos outros extravase das suas, o Presidente necessita do apoio do Congresso para uma série de actos. Assim, entre outros, para a nomeação dos secretários, dos embaixadores e cônsules, para a ratificação de tratados, para a nomeação de juízes para o Supremo Tribunal que necessita de aprovação da maioria do Senado. Na mesma lógica se insere a possibilidade de impeachment do Presidente. Nixon foi destituído pelo Congresso face a investigação jornalística demonstrativa de condutas eleitorais ilícitas, tal como Trump o pode vir a ser se forem comprovadas conivências eleitorais ilícitas com potência estrangeira na sua designação, cometimento de perjúrio ou outras condutas politicamente condenáveis. Da mesma maneira que, no Brasil, Collor de Mello ou Dilma Rousseff foram destituídos. Por outro lado, o Presidente detém um poder de veto face às leis do Congresso que só pode ser ultrapassado por dois terços dos membros presentes em cada câmara.
O Congresso é o órgão legislativo por excelência. É constituído por duas câmaras: o Senado e a Câmara dos Representantes. O Senado é constituído por 100 senadores, dois por cada Estado numa representação igualitária independente do número de habitantes do respectivo Estado. É eleito por seis anos, renovando-se um terço dos seus membros em cada dois anos. Já na Câmara dos Representantes, o número destes segue a regra da representação proporcional de acordo com a população dos Estados. O seu mandato é de dois anos. No Congresso, o Senado representa os Estados federados e a Câmara dos Representantes, o povo na sua totalidade. É necessário o acordo das duas câmaras para que um projecto seja aprovado e levado ao Presidente para promulgação.
O Congresso detém um poder constituinte podendo alterar a Constituição, alterações que se designam por "aditamentos". Pode fazê-lo a qualquer momento, desde que solicitados por dois terços dos seus membros ou por dois terços das assembleias legislativas dos Estados federados, carecendo, porém, os aditamentos da ratificação de três quartos das assembleias legislativas dos Estados da Federação. Logo em 1791 foram incluídos dez aditamentos, consagrando direitos fundamentais.
O Presidente dos EUA é eleito por sufrágio indirecto por um colégio eleitoral constituído pelos eleitores presidenciais ou "grandes eleitores". O mandato é de quatro anos, renovável por uma vez (aditamento 22.º à Constituição). Cada Estado elege um número de cidadãos eleitores correspondente ao número de congressistas. Cada Estado tem, no Congresso, dois senadores e um número de representantes proporcional à sua população, pelo que será a soma de ambos que determina o número de grandes eleitores por cada Estado. Nestas primárias, quem ganhar as eleições num Estado, por um voto que seja, "arrecada" todos os delegados por esse Estado (who wins takes it all), com excepção do Maine e do Nebraska, que seguem um sistema diferente. Os grandes eleitores em que se vota têm maioritariamente filiação partidária, pelo que ao votar-se nuns ou noutros está-se a votar para um candidato presidencial. Ganha o candidato que dispuser da maioria de cidadãos eleitores no colégio eleitoral de 538.
Não existe um Governo no sentido que habitualmente se lhe dá. Não existem ministros e os secretários, a quem são atribuídas áreas específicas, não têm competências executivas próprias. São auxiliares do Presidente. Daí que se refira não um Governo mas uma Administração submetida ao Presidente, que até pode atribuir tarefas, que em geral fazem parte de áreas de secretários, a outras pessoas que escolha.
O poder judicial é confiado aos tribunais. Os juízes federais são nomeados pelo Presidente com aprovação por uma maioria do Senado. A nomeação reveste fortes componentes políticas em que o Presidente normalmente propõe pessoas do seu próprio partido. A nomeação para o Supremo Tribunal — que conhece em última instância das questões constitucionais e uniformiza jurisprudência — é bastante complexa. O candidato carece de ser aprovado pelo FBI, pela ABA (American Bar Association), pelo Departamento de Justiça. Sendo aprovado tem, também, de o ser pelo Senate Judiciary Comitee, constituído por 18 senadores. Sendo aprovado por um mínimo de dez votos passa para o pleno do Senado. Obtido o consent do Senado, o Presidente procede à nomeação. Se em qualquer dessas fases o candidato não obtiver aprovação não pode ser nomeado. A nomeação é vitalícia e só podem ser destituídos por "má conduta".
Por último, existe um sistema de controlo difuso da constitucionalidade. Todos os tribunais estaduais e federais têm competência para fiscalização da constitucionalidade dos actos normativos, incluindo os aditamentos à Constituição, fiscalização que ocorre por via incidental.
Este texto integra uma série de artigos sobre federalismo que o PÚBLICO publica mensalmente. O próximo sairá em Setembro
Os autores escrevem segundo as normas do novo Acordo Ortográfico