Mudar de parceiro a meio do tango
Quando não há maioria é assim, como dançar o tango: é preciso escolher o parceiro. E não é fácil trocá-lo a meio da dança.
António Costa aproveitou uma entrevista ao Expresso para pré-anunciar uma mudança na segunda parte da legislatura: depois das autárquicas “vamos abrir uma grande negociação para um grande consenso” sobre o investimento público que o país deve fazer. Não agora, mas a partir de 2020, usando os próximos fundos comunitários.
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António Costa aproveitou uma entrevista ao Expresso para pré-anunciar uma mudança na segunda parte da legislatura: depois das autárquicas “vamos abrir uma grande negociação para um grande consenso” sobre o investimento público que o país deve fazer. Não agora, mas a partir de 2020, usando os próximos fundos comunitários.
Nada do que Costa diz é uma surpresa. A proposta de recriação de uma espécie de conselho de sábios, que preparem campo técnico para uma escolha política, estava no programa eleitoral do PS. A ideia de que essa escolha deve ser feita envolvendo PS e PSD, os partidos que lideram governos em Portugal, também. E o objectivo de preparar as opções com tempo é, na prática, o que os governos sempre deviam fazer. Era interessante, se fosse genuíno. Mas não sabemos se é só política.
Vamos partir do pressuposto que sim. Que António Costa fala sério quando oferece uma segunda fase da legislatura com um renovado diálogo ao centro. Que Costa acha fundamental para o país que se tomem as opções correctas para que Portugal tenha uma década a crescer acima dos parceiros europeus, depois das próximas legislativas. Se realmente for assim, bastará que PS e PSD falem sobre os fundos estruturais? Será só com eles que o país pode crescer?
Se António Costa fala sério, não vai poder dizer mais que “vivamos cada dia como um dia”, como disse também na entrevista ao Expresso, quando fala sobre a solução política que o levou ao poder. “Viver cada dia como um dia” tem permitido governar, mas tem deixado muitas outras penduradas ou condicionadas. É assim quase sempre que falamos de economia — e é por isso que assuntos como a legislação laboral, a fiscalidade das empresas ou a nova economia (Uber e Airbnb) se arrastam sem evoluções na concertação e no Parlamento.
Sim, também nesta entrevista fica claro que há uma diferença entre o discurso e a prática. António Costa pode dizer muitas vezes, para que fique na memória, que ficou provado que começou uma nova era de redistribuição. Mas basta descer umas linhas para perceber que tudo continua como antes: temos que fazer devagarinho, gradualmente, para não deitar tudo a perder. Isso é pouco mais do que Passos já fazia, desde que se viu livre da troika. Só que com um sorriso — e com mais dinheiro.
Podemos, sim, continuar a viver “cada dia como um dia”. Ou começar já a construir o dia de amanhã. As duas opções são possíveis, mas a segunda só será possível se for construída por quem tem ideias semelhantes sobre como funciona a economia livre, num mercado europeu e cada vez mais global e competitivo. Fazer isso exige escolhas, dos dois lados. Quando não há maioria é assim, como dançar o tango: é preciso escolher o parceiro. E não é fácil trocá-lo a meio da dança.