Videovigilância: para Bloco e PCP, a privacidade é uma “linha vermelha incontornável”
Empresários de diversão nocturna e da segurança aplaudem a intenção do Governo de dar às polícias acesso em tempo real à videovigilância de bares e discotecas. Partidos à esquerda colocam tónica na garantia de direito à privacidade.
O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista olham com cautela para a intenção do Governo de dar às polícias acesso em tempo real à videovigilância de espaços privados de uso público, entre os quais bares e discotecas. É necessária “ponderação profunda” e definir critérios, dizem José Manuel Pureza (BE) e Rui Fernandes (PCP).
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O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista olham com cautela para a intenção do Governo de dar às polícias acesso em tempo real à videovigilância de espaços privados de uso público, entre os quais bares e discotecas. É necessária “ponderação profunda” e definir critérios, dizem José Manuel Pureza (BE) e Rui Fernandes (PCP).
O Bloco critica as motivações da secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna, Isabel Oneto, que elabora a proposta: “Invocar que os privados já o fazem parece-me um péssimo princípio”, diz José Manuel Pureza. Para o deputado bloquista, o debate que se seguirá quando a proposta de lei der entrada na Assembleia da República deve “primar pelas liberdades dos cidadãos”. Defende, por isso, uma “fundamentação mais profunda da matéria”.
A criação de “interdições é absolutamente imperativa”, diz o deputado, para esfriar “tentações” que coloquem em causa a privacidade. José Manuel Pureza defende a criação de “uma fronteira extraordinariamente bem definida” para que imagens só sejam vistas “a título muito excepcional”. “A liberdade é o princípio, a vigilância só pode ser excepção”, afirma.
Também para o PCP “há uma linha vermelha incontornável: a da privacidade”. Rui Fernandes, da comissão política dos comunistas, defende que o parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados devia voltar a ser vinculativo: “O seu valor seria diferente. É uma questão interessante saber porque deixou de o ser. Porque incomoda, diria eu”.
E coloca a questão noutros termos: “Devemos questionar se devemos estender o acesso à videovigilância às forças de segurança ou comprimir aquilo a que os privados gravam”. Refere que o “problema” está no “processo que deu aos privados aquilo que as forças de segurança não dispõem”. Acredita que se justifica que PSP e GNR possam aceder a estes meios se houver “uma clarificação clara” do que são situações de perigo e uma força fiscalizadora das próprias forças de segurança.
De ressalvar que nenhum dos deputados teve acesso à proposta que está a ser preparada pelo Governo, obtendo as informações sobre a proposta de lei na entrevista à secretária de Estado que o PÚBLICO publicou esta sexta-feira.
No período de férias parlamentares, o PÚBLICO não conseguiu contactar deputados do PSD e do CDS.
Discotecas e empresas de segurança aplaudem medida
Embora reconheça uma "quebra da privacidade" e compreenda quem se oponha, Rogério Alves, presidente da Associação de Empresas de Segurança (AES), acredita na necessidade da medida para possível "prevenção e dissuasão da prática de crimes". Importa referir que "o acesso à videovigilância não atenta à intimidade das pessoas, mas a alguma privacidade", ressalva. Defende critérios firmes para que "uma boa ideia não se transforme numa má prática".
Também a Associação Portuguesa de Segurança é peremptória: “Somos a favor de tudo quanto seja positivo para a protecção dos cidadãos.” Carlos Dias, membro da direcção da associação que reúne cerca de 500 associados, acredita que a proposta do Governo só encontrará oposição entre as empresas que fornecem e monitorizam a videovigilância. “Se houver é por ignorância ou por interesse em esconder algo”, afirma.
Carlos Dias acredita que o modelo a ser proposto pelo Governo “podia estar em prática há muito tempo”. Ressalva que em jogos da primeira e segunda liga de futebol portuguesa, a PSP já acede às gravações dos estádios. “Estamos à espera que aconteça alguma coisa para o fazer nos outros espaços?”, questiona.
O apoio vem também de Liberto Mealha, que há 36 anos criou a discoteca Kiss, em Albufeira. O empresário diz, em representação da Associação de Discotecas do Sul e Algarve, que a proposta, “ao ser encarada como uma medida de segurança, não pode ter a oposição dos empresários” do sector. Garante que as forças de segurança públicas “sempre foram aliadas” e insta o Governo a voltar a colocar os agentes da PSP na segurança das discotecas, em substituição das empresas privadas.
Também António Fonseca, presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto, aplaude a medida que, acredita, “tranquiliza empresários e clientes e facilita o trabalho da PSP e GNR”. Uma vez que a investigação das autoridades já passa “muitas vezes” por aceder às imagens das discotecas, “porque não dar acesso directo para aumentar a capacidade de resposta?”, questiona. Garante que a “privacidade não é uma questão, porque as pessoas já se habituaram a conviver com câmaras”. A videovigilância é obrigatória em bares, discotecas e restaurantes com mais de 100 lugares, pista de dança, que estão abertos depois da meia-noite.
O empresário – que também é autarca da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto eleito pelo grupo de cidadãos Rui Moreira: Porto, O Nosso Partido – olha para a medida como “o culminar de uma série de passos que deram uma grande sensação de segurança” a estes espaços.