Os surpreendentes BadBadNotGood e Young Fathers ganharam a noite do Jazz Paredes de Coura

Sexta-feira, os cabeças de cartaz Beach House chegaram tarde e não encantaram. O melhor esteve guardado em sítios inesperados, no jazz multiforme de um quarteto canadiano e no hip hop mutante vindo da Escócia.

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À 25.ª edição, este é um festival que já nos habituou a surpresas. Sabemos que não tem receio de correr riscos e de propor aquilo que a veia melómana dos seus programadores lhes diz ser boa aposta. Tal é possível porque os programadores conhecem bem o terreno que pisam e sabem que o público que acorre ano após ano a Paredes de Coura é generoso, curioso e justo, que não tem receio da novidade e que se entrega a ela sem preconceitos: depois, dirá de sua justiça, aplaudindo quando é tocado pelo que vê, ou afastando-se de cena, pé ante pé, caso a acção musical em palco não se revele do seu agrado.

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À 25.ª edição, este é um festival que já nos habituou a surpresas. Sabemos que não tem receio de correr riscos e de propor aquilo que a veia melómana dos seus programadores lhes diz ser boa aposta. Tal é possível porque os programadores conhecem bem o terreno que pisam e sabem que o público que acorre ano após ano a Paredes de Coura é generoso, curioso e justo, que não tem receio da novidade e que se entrega a ela sem preconceitos: depois, dirá de sua justiça, aplaudindo quando é tocado pelo que vê, ou afastando-se de cena, pé ante pé, caso a acção musical em palco não se revele do seu agrado.

Para além do resto, como o sempre deslumbrante cenário, elogiado com espanto sincero e sem excepções por todas bandas que sobem ao palco principal, é isto que faz do Jazz Paredes de Coura o festival especial que reencontramos nesta histórica 25.ª edição. É nisto que pensamos quando vemos ao início da noite, cerca das 21h30, os canadianos BadBadNotGood tocarem o seu jazz multiforme perante uma multidão que seguiu com eles, dança bem doseada, pé a bater no balanço certo, braços a ondular da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, às ordens do baterista Alexander Sowinski.

Caso o leitor se sinta vagamente confuso com o que leu até aqui, rectificamos: não, o Vodafone Paredes de Coura não é um festival de jazz – essa é, porém, a única correcção a fazer, tudo o resto é factualmente correcto. E é por isso que o festival que, ao longo de 24 anos, fez a sua história com Motörhead, Pulp, Arcade Fire, LCD Soundsystem, Mão Morta, Ornatos Violeta, Tame Impala, Charles Bradley ou Thee Oh Sees, ou seja, o festival que tem por centro espiritual o rock, mas que tem vindo consistentemente a alargar as fronteiras estéticas, programa um quarteto com centro espiritual no jazz, mas que lhe vê fronteiras vastas, e vê o concerto transformar-se num dos grandes momentos desta edição.

O terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura foi aquele em que os cabeças de cartaz Beach House chegaram ao palco com 45 minutos de atraso, devido a problemas técnicos, explicaram, e fizeram com que vários entre os milhares que os viram fossem, pé ante pé, iniciando o caminho de regresso a casa, guardando energias para o dia de despedida, Sábado, já com lotação esgotada para ver Benjamin Clementine, o mais aguardado, mas também Ty Segall, Foals ou Lightning Bolt. Compreende-se a reacção.

Beach House distantes

A banda de Victoria Legrand, mãos nos teclados, rosto na sombra, pose esfíngica, e Alex Scully, sentado na obscuridade, guitarra ao colo, pose distante, surgiu acompanhada de baterista, colocou-se na boca do palco mal iluminado, luzes em fundo evocando céu estrelado, mas não nos levou até ela. As suas canções de filigrana, quais “lullabies” de uns Mazzy Star sem a vertigem opiácea, quais ternas baladas dos rock’n’rollers dos anos 1950 cobertas de neblina shoegaze, precisam de convicção, precisam que aquele som em movimentos lentos e encantatórios se torne, durante o tempo em que decorre o concerto, o único universo que habitamos. Mas, na sua estreia em Paredes de Coura, a banda de Wild, Sparks ou Space song ficou lá longe, irremediavelmente distante de quem a ouvia. A música passou por nós sem deixar marca.

O mesmo sucedera antes, por razões diferentes, com os Japandroids. O duo canadiano formado por Brian King (guitarrista) e David Prowse (baterista), vestidos de preto integral e actuando perante uma coluna de amplificadores à antiga, provocou rebuliço e mosh nas primeiras filas, sempre predispostas a fazer a festa, mas North East South West, do mais recente Near to the Wild Heart of Life, ou a slow jam Continuous thunder, dedicada com sorriso irónico a Slash, mostraram que os Japandroids são banda de tanta entrega e de tanto suor quanto frustrantemente genérica – são duo punk-rock, muito 90s, que tenta tocar como banda completa mas que falha no objectivo: “E quando chega o resto da banda?”, damos por nós a questionar-nos ao fim de um par de canções. Do penúltimo dia de Paredes de Coura, não se guardará na memória a presença das duas grandes apostas no palco principal.

No dia que arrancara com os Cave Story e com um Bruno Pernadas a chamar ao palco principal uma quantidade assinalável de público, ficará a zumbir nos ouvidos o psicadelismo minimal dos óptimos Moon Duo – hipnose Spacemen 3, corrosão Stooges, galáxia Hendrix e batida motorik unidas pelas vozes esvoaçantes do guitarrista/vocalista Ripley Johnson e da teclista/vocalista Sanae Yamada – e iremos lembrar-nos da ginga pan-africana dos Octa Push, com homenagem a José Afonso como bónus, ambos no palco Vodafone FM. Sexta-feira, o crepúsculo trouxe a primeira grande surpresa.  

Se no primeiro dia Kate Tempest se destacou por uma abordagem ao hip-hop sustentada por um registo spoken word e no segundo uns mais agressivos Ho99o9 espalharam o terror no palco 2, ao terceiro dia, responsáveis por representarem o género, estavam os Young Fathers.

Em horário de lusco-fusco, no Palco Vodafone, os escoceses foram chamando para si todas as atenções. São hip-hop, mas também são rock, em certos momentos mais tribais e algumas vezes mais melódicos. São as vozes do trio composto por Alloysious Massaquoi, Kayus Bankole e Graham "G" Hastings, que volta e meia ecoam refrões com a convicção de que vão fazê-los chegar até onde o recinto acaba, que lhes conferem esse lado mais harmonioso.

São isso tudo e mais qualquer coisa. São também políticos. Confirma-o o segundo álbum White Men Are Black Men Too, sucessor de Dead, que lhes garantiu o Mercury Prize em 2014. Durante a actuação criam uma atmosfera de envolvência e de comunhão com o público. A energia que sai de cima do palco contagia-o. Quase que por reflexo, quem vê segue os movimentos ora sensuais, ora frenéticos do trio. Only God knows, que é parte da banda sonora de T2 Trainspotting, de Danny Boyle, foi ecoado por uma plateia rendida ao som parente próximo do hip-hop dos Youg Fathers.

Verdadeiros virtuosos

Depois deles, e com aquele zumbido bom dos Moon Duo a ressoar nos ouvidos, chegámos a Montreux, perdão, ao Jazz Paredes de Coura, desculpem, era mesmo o Vodafone Paredes de Coura – e foi uma maravilha. Agraciados pela imagem de Woodstock, o dos Peanuts de Charles M. Schulz, navegando uma colcheia e incomparavelmente cool nos seus óculos escuros, os BadBadNotGood puseram dezenas de milhares a seguir jazz “funkado” como no Headhunters de Herbie Hancock, a dançar os sons do órgão Rhodes sobre batida neo-soul ou ritmo house orgânico. Ouviram-se solos de piano e de sax ou uma flauta soprada enquanto o baixo eléctrico assegurava que o groove nunca desapareceria de cena.

Os BadBadNotGood são banda jazz que andou em digressão e gravou com Ghostface Killah, são combo que toca com energia rock’n’roll  - os crescendo febris não enganam -, são quarteto que age em palco como em festa animada com MC, cortesia de um baterista que não se cansa de comunicar com o público, e que, entre um ritmo quebrado para pista de dança moderna e batida hip hop alimentada a arpejos de piano, viaja até ao Oriente procurado pelo John Coltrane tardio.

São virtuosos sem um pingo de exibicionismo, são banda exigente mas festiva e generosa que quer todos junto a si. Sam Herring, dos Future Islands, não ficou em Paredes de Coura para cantar com eles a belíssima Time moves slow, do último IV, mas tivemos Chompy’s paradise ou CS60. Tivemos o público, sob indicação da banda, a acocorar enquanto o som baixava de ritmo e volume, e a saltar e a dançar furiosamente quando chegou a ordem para o fazer. Um grande concerto, um sucesso inesperado. Foi precisamente deles, dos inesperados, que se fez a história do penúltimo dia do festival. com André Vieira