Avaliação médica deixa de ser obrigatória na Educação Especial

Pais, professores e especialistas elogiam novo modelo que está em discussão pública, mas têm dúvidas sobre a forma como será posto em prática. A ambição é grande mas e os recursos?

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PAULO PIMENTA

Os alunos com Necessidades Educativas Especiais vão deixar de ter que passar por uma avaliação médica anual para medir os seus progressos na escola. O novo modelo para a Educação Especial que está neste momento em discussão pública acaba com a preponderância que têm os critérios clínicos, alargando-se, em teoria, a todos os estudantes e não apenas aos que têm necessidades permanentes. A mudança é elogiada por pais, professores e especialistas, que mostram, no entanto, dúvidas quando à sua implementação.

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Os alunos com Necessidades Educativas Especiais vão deixar de ter que passar por uma avaliação médica anual para medir os seus progressos na escola. O novo modelo para a Educação Especial que está neste momento em discussão pública acaba com a preponderância que têm os critérios clínicos, alargando-se, em teoria, a todos os estudantes e não apenas aos que têm necessidades permanentes. A mudança é elogiada por pais, professores e especialistas, que mostram, no entanto, dúvidas quando à sua implementação.

A Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIFIS), uma metodologia da Organização Mundial de Saúde que avalia o grau de incapacidade de uma pessoa, é um dos instrumentos fundamentais da lei actualmente em vigor. Os alunos tinham que passar por essa avaliação, feita em centros de saúde ou em centros de recursos especializados, para terem acesso às medidas educativas especiais.

O instrumento era também preponderante ao longo do percurso educativo. No final de cada ano lectivo, tinha que ser elaborado um relatório individualizado sobre a melhoria dos resultados escolares do aluno e outros indicadores psicológicos e sociais, tendo por base o CIFIS.

A preponderância de critérios clínicos sobre as medidas educativas foi criticada, desde 2008 – quando a actual lei foi publicada, num Governo que era também liderado pelo PS – por vários especialistas. “Esse era o pecado original da lei”, classifica o psicólogo do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), José Morgado, para quem a alteração agora proposta é “um avanço”.

Parecer médico passa a ser facultativo

No modelo que está em cima da mesa, a identificação dos alunos elegíveis para medidas educativas especiais pode ser feita pelos encarregados de educação, docentes ou técnicos, que têm que justificar essa opção junto da direcção da escola. Um parecer médico passa a ser facultativo e destina-se a casos de problemas de saúde física ou mental com impacto nas aprendizagens.

O fim da utilização da CIFIS articula-se com outra mudança proposta pelo Governo na lei da Educação Especial, que terá agora o nome de regime legal para a inclusão escolar: em teoria, as medidas do novo diploma aplicam-se a todos os alunos, prevendo-se para o efeito um conjunto de medidas de que poderão beneficiar os estudantes que demonstrem dificuldades durante o seu percurso escolar, independentemente de terem ou não o que até agora se classificava como necessidades educativas especiais, que pressupunham a existência de um conjunto de limitações significativas. 

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O diploma de 2008 deixava claro que se destinava a alunos com necessidades educativas especiais “de carácter permanente”, uma expressão que surge várias vezes ao longo do documento. No modelo agora em discussão, “afasta-se a concepção de que é necessário categorizar para intervir”, sublinha-se no preâmbulo da projecto. A ideia será, por exemplo, que uma criança que apresente, num dado momento, especiais dificuldades de aprendizagem, possa ser incluída nas medidas previstas no novo regime de inclusão. José Morgado considera essa solução “positiva”.

Na proposta, o presidente da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial Pró-Inclusão, David Rodrigues, nota, de resto, “grandes diferenças na linguagem”. “São conceitos muito actuais e mais em consonância com os documentos internacionais sobre educação inclusiva”, valoriza. David Rodrigues falou ao PÚBLICO a título individual. A associação Pró-Inclusão está ainda a elaborar um parecer para entregar ao Governo sobre a proposta que está em discussão. Todas as instituições contactadas a propósito desta matéria estavam ainda a preparar os seus contributos formais. O Governo alargou o período de discussão pública da nova lei, inicialmente previsto para o final deste mês, até 30 de Setembro.

Dúvidas práticas

A concepção do novo modelo de Educação Especial merece elogios da Federação Nacional de Professores (Fenprof): “Assinamos por baixo o preâmbulo da lei”, diz a dirigente Ana Simões.

O “problema” para o sindicato está “no articulado”, isto é, na forma como a nova visão da tutela para o sector se aplicará na prática. É uma posição semelhante à da dirigente da associação Pais em Rede, Luísa Beltão. “A proposta faz sentido, mas precisamos de ser realistas”, diz.

Para a dirigente da associação de pais de alunos com necessidades educativas a lei ainda em vigor “não foi desenvolvida na maioria das escolas”. “Não há uma única escola em Portugal que consideremos inclusiva”, acusa. Por isso, Luísa Beltrão duvida da eficácia de um novo modelo “muito mais exigente” e que vai ser aplicado num sistema de ensino “que não foi capaz de cumprir coisas básicas e continua a marginalizar estas crianças”.

“Algumas pessoas ficaram perplexas com a dimensão da mudança proposta”, admite David Rodrigues. Por isso defende a necessidade de uma solução de “ponte” entre o modelo existente e a ideia do Governo para o futuro.

Para José Morgado, ainda falta “precisão” à nova lei. E dá como exemplo os novos Centros de Apoio à Aprendizagem, que são apresentados como o principal instrumento do modelo. Neste espaço vão reunir-se transversalmente os recursos humanos e materiais existentes na escola que podem ser aplicados à Educação Especial. Substituirão as unidades especializadas previstas na anterior lei, especificamente destinadas a alunos com multi-deficiência, surdo-cegueira congénita ou autismo.

“Como é que as ideias, princípios, orientações são levadas a cabo?”, questiona o psicólogo do ISPA. “Nada me garante que a cultura dos agrupamentos não tenha uma réplica da estrutura em que os meninos passam muito tempo fora da sala de aula."

Ao PÚBLICO, o Ministério da Educação lembra que a proposta está ainda em discussão pública e que o período para recolha de contributos foi alargado precisamente para “recolher todas as opiniões e sugestões de melhoria”. A tutela assegura também que a mudança entre os dois modelos está a ser preparada: “A sua entrada em vigor será precedida de formação e da implementação do manual de práticas previsto na proposta."

Mais com o mesmo?

A proposta que está em discussão pública faz várias referências aos recursos necessários para a aplicação destas medidas. “As medidas selectivas são operacionalizadas com os recursos materiais e humanos disponíveis na escola”, lê-se numa das passagens do articulado. A ideia repete-se, com diferentes formulações, ao longo do documento, e tem sido interpretada como limitação ao reforço de recursos nas escolas para cumprir o disposto na mesma proposta.

É dessa forma que Ana Simões, dirigente da Fenprof, lê o documento: “Para uma verdadeira inclusão são precisos recursos e isso não pode ser feito quando o texto fala que os recursos são os existentes nas escolas e mais nada."

“Se isso acontecer, poder pôr-se em causa a efectividade da lei”, avisa David Rodrigues da Pró-Inclusão.

Apesar da redacção da proposta de lei em discussão, o Ministério da Educação afasta esse cenário. “Isto não significa que as escolas não poderão contratar mais recursos humanos”, garante o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues. Os recursos das escolas devem continuar a “ser maximizados”, segundo a mesma fonte, mas pode recorrer-se a recursos adicionais “sempre que justificado”.