Espanha montou cerco ao jihadismo, mas o inevitável chegou 13 anos depois de Atocha
Catalunha é um dos principais focos de radicalização no país e aquele onde foram efectuadas mais detenções nos últimos anos. Antes do ataque havia em todo o país mil pessoas sob o radar da polícia.
As polícias e os serviços de informação espanhóis sabiam que, mais cedo ou mais tarde, haveria um plano terrorista que eles não conseguiriam travar, um suspeito que não seriam capazes de deter a tempo. E a ninguém surpreendeu que o alvo agora escolhido tivesse sido Barcelona – a cidade e as localidades em redor são um dos epicentros da radicalização de jovens muçulmanos e de concentração de células jihadistas em Espanha, tendo sido ali feitos um quarto de todas as detenções realizadas nos últimos quatro anos no país.
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As polícias e os serviços de informação espanhóis sabiam que, mais cedo ou mais tarde, haveria um plano terrorista que eles não conseguiriam travar, um suspeito que não seriam capazes de deter a tempo. E a ninguém surpreendeu que o alvo agora escolhido tivesse sido Barcelona – a cidade e as localidades em redor são um dos epicentros da radicalização de jovens muçulmanos e de concentração de células jihadistas em Espanha, tendo sido ali feitos um quarto de todas as detenções realizadas nos últimos quatro anos no país.
Desde que 191 pessoas morreram nos atentados de Atocha, em Março de 2004, naquele que foi o pior ataque terrorista na Europa Ocidental desde o derrube de um avião sobre Lockerbie (1988), que o país permanecia incólume à acção de grupos jihadistas. Uma excepção que continuou mesmo depois do advento do Daesh, em 2014, e dos ataques que, um a um, foram atingindo França, Alemanha, Bélgica, Reino Unido.
Mas a ameaça esteve sempre lá, como está em quase todos os países europeus: segundo fontes da segurança citadas pelo jornal El País, antes do ataque em Barcelona havia mil pessoas debaixo de algum tipo de vigilância, 259 das quais sob investigação judicial, e mais de 500 números de telefone sob escuta. Só desde Junho de 2015, quando o nível de alerta terrorista subiu para o actual nível 4 (em 5) foram detidos mais de 180 suspeitos, incluindo alegados recrutadores de combatentes, jihadistas com ligações ao Daesh, ou pessoas suspeitas de incitação ao ódio. Os serviços de informação calculam também que cerca de 200 espanhóis ou residentes no país tenham viajado para a Síria e o Iraque nos últimos três anos, 30 dos quais já terão regressado.
“O massacre [como o que aconteceu] agora era um segredo bem conhecido”, escreveu o jornalista de investigação José María Irujo naquele diário, sublinhando que Barcelona e dois dos seus locais mais icónicos – as Ramblas e a catedral da Sagrada Família – constavam da lista de alvos potenciais conhecidos. Ainda assim, “em privado todos os responsáveis privados reconhecem que esta ameaça é impossível de controlar, sobretudo quando os salafistas usam meios tão eficazes como precários como são os atropelamentos em massa.”
Outro motivo de alarme: nos fóruns na Internet e nos sites do Daesh multiplicavam-se as referências ou apelos a ataques em Espanha: 43 menções só em 2016, o dobro do ano anterior, segundo dados avalizados pelo Ministério do Interior. O país, que na retórica jihadista será reconquistado para fazer renascer o mítico al-Andaluz, integra também a coligação internacional contra o Daesh no Iraque, onde desde 2014 ajudou a treinar mais de 20 mil militares na luta contra os radicais, segundo o Ministério do Interior.
Um problema da Catalunha
E se a ameaça sobre o país era grande, era ainda maior na região de Barcelona que, na descrição de Fernando Reinares, director do programa de Terrorismo Global do Real Instituto Elcano de Madrid, é “desde há muito o principal cenário jihadista” do país. Num artigo para o El País, o analista recorda que foi em Barcelona que Mohammed Atta, o líder do grupo que protagonizou os atentados de 11 de Setembro, se encontrou com o seu principal contacto dentro da liderança da Al-Qaeda, meses antes dos ataques. O jornal La Vanguardia recorda também que em Janeiro de 2008 as autoridades desmantelaram uma célula da Al-Qaeda que planeava atacar o metro de Barcelona, naquilo que a rede terrorista esperava viesse a ser uma segunda Atocha.
“Barcelona é uma área onde a imigração é tradicionalmente muito forte, em especial do Norte de África e aí [ao contrário do resto do país] há uma segunda geração”, onde a mensagem dos jihadistas encontra maior eco, explicou ao Financial Times Carola García-Calvo, analista sénior do Elcano. Uma concentração rapidamente notada pelas redes terroristas e os grupos mais radicais – Reinares sublinha que a Catalunha alberga metade dos cerca de 50 locais de culto salafistas existentes em todo o país.
As estatísticas das operações policiais confirmam o nível da ameaça na região: a província de Barcelona encabeça o número de operações antiterroristas efectuadas desde 2012 – 30 acções de que resultaram 62 detidos, 11 dos quais só desde o início deste ano. Números superiores aos dos enclaves de Ceuta e Melilla, vistos como o grande foco de recrutamento dos grupos jihadistas, e também da comunidade de Madrid.
Base recuada?
Perante estas estatísticas, muitos questionam-se porque não foi então Espanha atacada mais cedo. “É possível que tenha funcionado como um elo essencial, talvez como base recuada, para atentados cometidos noutros países da Europa”, disse ao Le Monde Jean-Pierra Filiu, especialista francês em movimentos jihadistas, sublinhando que vários dos que atacaram em França tinham estado recentemente em Espanha, que é também “um canal prático entre Marrocos e a Europa”.
García-Calvo sublinha, por seu lado, as duras leis antiterroristas espanholas, modificadas pela última vez em 2015 e que dão grande enfoque às acções preventivas, detendo suspeitos ainda antes de estes passarem à acção – segundo dados da Europol, citados pelo FT, só o Reino Unido e a França detiveram no ano passado mais suspeitos de terrorismo do que Espanha, responsável por um décimo de todas as capturas. “Eles querem evitar a todo o custo que algo dê origem a um ataque, o seu foco é agir num momento muito inicial” da actuação, explica a analista.
Outros analistas sublinham a longa experiência espanhola no combate à ETA e a grande evolução quer das forças policiais quer dos serviços de informação desde Atocha, numa aposta de consenso entre os dois partidos da governação, PP e PSOE – há hoje 3000 agentes envolvidos na luta antiterrorista, por comparação aos 150 de 2004, adianta o El País. Poucos ainda para evitar a violência previsível que quinta-feira deixou atrás de si um rasto de sangue nas Ramblas.