Plataforma continental: mais mar só para furar
Há anos que se repete a fórmula de marketing “economia azul” na promoção da plataforma continental.
Esta semana o Estado português começou a defesa na ONU da extensão da sua plataforma continental. O Governo quer estender a sua área de soberania a mais 2,15 milhões de quilómetros quadrados do fundo dos mares, acrescentados aos já 1,6 milhões da Zona Económica Exclusiva. Esta extensão da plataforma aplica-se apenas ao fundo do mar, assumido como extensão do território que começa nas nossas praias continentais e perfaz todo o caminho até aos Açores, Madeira e mais além. Se a proposta for aceite, em 2020 Portugal passará a ter soberania sobre 3,75 milhões de quilómetros quadrados, 40 vezes o território nacional. Levanta-se uma questão: para quê?
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Esta semana o Estado português começou a defesa na ONU da extensão da sua plataforma continental. O Governo quer estender a sua área de soberania a mais 2,15 milhões de quilómetros quadrados do fundo dos mares, acrescentados aos já 1,6 milhões da Zona Económica Exclusiva. Esta extensão da plataforma aplica-se apenas ao fundo do mar, assumido como extensão do território que começa nas nossas praias continentais e perfaz todo o caminho até aos Açores, Madeira e mais além. Se a proposta for aceite, em 2020 Portugal passará a ter soberania sobre 3,75 milhões de quilómetros quadrados, 40 vezes o território nacional. Levanta-se uma questão: para quê?
Há anos que se repete a fórmula de marketing “Economia Azul” na promoção da plataforma continental. No site da estrutura de missão para a extensão da plataforma diz-se que ganharemos os direitos a explorar e extrair os recursos naturais destes 3,75 milhões de quilómetros quadrados, ou seja, os recursos minerais e os organismos vivos que estão no leito do oceano e no seu subsolo. A “economia azul” aumentaria a relação da economia com o mar, o conhecimento sobre os oceanos, protegeria os mesmos e exploraria os seus recursos, num arremate perfeito que concilia no papel o que é dificilmente conciliável no mar. Em 2016, no Conselho Atlântico, a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, frisava o potencial das relações marítimas Estados Unidos-Portugal no desenvolvimento da exploração offshore de petróleo e gás, energia eólica no mar, energia das ondas e hidratos de metano offshore. Não era exagerado dizer, dizia a ministra, que estes “hidratos de metano são vistos como o recursos de futuro que o gás de xisto era há 15 anos”. Numa apresentação ao IGCP, que gere a dívida pública, o Ministério do Mar garantia que, com a extensão da plataforma continental, Portugal tornar-se-ia o 7.º maior país do mundo, maior do que a Índia. Para atrair investimento, invocava recursos estratégicos no mar profundo: petróleo e gás offshore, hidratos de metano e minas submarinas. O director do Programa de Segurança Energética da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento delineava três eixos centrais para o oceano português: transformar Portugal no porto de entrada na Europa do gás de xisto produzido pelos EUA, explorar os hidratos de metano e começar a mineração submarina nos mares dos Açores, da Madeira e na margem continental.
A Comissão Europeia, no seu atlas marítimo, identifica no fundo do mar de Portugal a presença de depósitos de sulfuretos, crostas de manganês e nódulos polimetálicos e, através da iniciativa Blue Atlantis, anunciou que Portugal será o tubo de ensaio da exploração dos fundos marinhos, contribuindo a Missão para a Extensão da Plataforma Continental para encontrar os sítios mais adequados para furar. A Nautilus Minerals, empresa canadiana, será a responsável por começar a explorar nos Açores ainda em 2017, notícia com destaque e até referenciada em alguma literatura. No entanto, não existe qualquer processo de consulta pública para avaliação de impacto ambiental ou uma declaração de impacto ambiental, o que poderá significar que, a exemplo da prospecção e exploração de petróleo e gás, não está prevista qualquer avaliação de impacte ambiental.
Mas o que é que poderia correr mal? Os impactos já esperados enumeram--se: derrocadas submarinas devido à desestabilização de sedimentos na extracção de minerais ou de hidratos de metano, libertação de elementos tóxicos através da oxidação dos minerais expostos ao oceano depois de desenterrados, libertação rápida de metais pesados nos oceanos, libertação inadvertida de gás que altera a química do oceano e potencialmente do clima, colapso de fundos marinhos, nuvens de lama (plumas) de material expelido e que podem ser levadas pelas correntes submarinas por centenas de quilómetros e cujo impacto em microalgas fotossintéticas mais à superfície colocará em perigo as cadeias alimentares até aos grandes animais. A extracção dos nódulos polimetálicos do fundo oceânico terá grande impacto na estruturas e na biodiversidade das cadeias alimentares e dos processos ecológicos como a produção de biomassa, a reciclagem de matéria orgânica e a regeneração de nutrientes. A exposição crónica dos microrganismos, das plantas e dos animais às plumas tantas vezes tóxicas afectará os seres e o inevitável ruído da maquinaria pesada nos fundos provocará a fuga dos animais. Nas últimas quatro décadas a espécie humana conseguiu fazer desaparecer 50% das espécies marinhas. Os oceanos são o principal absorvente do aumento da temperatura do aquecimento global. Além disso, as espécies submarinas e os corais ultraprofundos crescem muito lentamente no fundo do mar a altas pressões, baixas temperaturas e sem luz, o que significa que a reposição do que for destruído é muito difícil. Isto é o que nós sabemos, e o que não sabemos é muito: espécies ainda não descobertas, sistemas e ciclos ainda desconhecidos.
Invoca-se a necessidade de terras raras para aparelhos de alta tecnologia ou para energias renováveis como imperativo para a exploração, mas o argumento é fraco. A proposta é explorar tudo, incluindo mais combustíveis fósseis — petróleo, gás e hidratos de metano — que são indefensáveis num contexto de alterações climáticas em que é preciso cortar emissões. Provavelmente por isso é que se mantêm as concessões petrolíferas e uma lei arcaica sobre o tema. Talvez seja estupidez. Talvez irresponsabilidade. Provavelmente ambas. O oportunismo dos negócios e da política actual baseia-se num sistema que não reconhece a sua própria insanidade e que só conjura mais oportunidades de negócio perante os cenários mais graves para a espécie humana. Os fundos dos nossos mares são anunciados como o novo Eldorado, mas fica claro, e sabendo nós que os efectivos e embarcações da Marinha e da Autoridade Marítima Nacional não chegam sequer para a nossa longa costa, que esta expansão se destina exclusivamente a garantir a satisfação de interesses privados, da União Europeia e dos Estados Unidos. E sem avaliar o tanto que irá destruir. Infelizmente, parece claro que só querem mais mar para, depois de o concessionar, o poderem furar.