Para lá da cortina de fumo
É surpreendente a escassez de literatura e comunicação relativa aos efeitos diretos dos incêndios na saúde.
Portugal encara, atualmente, uma situação de emergência para dar resposta à crescente problemática dos incêndios florestais. Os incêndios são eventos adversos com custos tangíveis ambientais (área ardida em 2017 mais de dez vezes superior ao mesmo período de 2016), socioeconómicos (como a desertificação, a erosão do solo, a falta de abastecimento de água, e outros prejuízos económicos estimados em cerca de 250 milhões de euros por ano com incêndios) e para a vida humana. A quantificação dos custos imediatos e diretos dos incêndios permite estabelecer a métrica do impacto socioeconómico; porém, os incêndios têm outras consequências adversas menos imediatas e evidentes sobre o ambiente e, por consequência, sobre as populações. É por isso surpreendente a escassez de literatura e comunicação relativa aos seus efeitos diretos na saúde.
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Portugal encara, atualmente, uma situação de emergência para dar resposta à crescente problemática dos incêndios florestais. Os incêndios são eventos adversos com custos tangíveis ambientais (área ardida em 2017 mais de dez vezes superior ao mesmo período de 2016), socioeconómicos (como a desertificação, a erosão do solo, a falta de abastecimento de água, e outros prejuízos económicos estimados em cerca de 250 milhões de euros por ano com incêndios) e para a vida humana. A quantificação dos custos imediatos e diretos dos incêndios permite estabelecer a métrica do impacto socioeconómico; porém, os incêndios têm outras consequências adversas menos imediatas e evidentes sobre o ambiente e, por consequência, sobre as populações. É por isso surpreendente a escassez de literatura e comunicação relativa aos seus efeitos diretos na saúde.
Efetivamente, a relação do ambiente com o binómio saúde-doença é reconhecida desde Hipócrates, no seu mais famoso tratado Dos ares, Águas e Lugares. Numa interessante e rica descrição dos efeitos ambientais na saúde de indivíduos e populações, correlaciona o ambiente aos diferentes quadros nosológicos e características populacionais. O modelo ainda hoje é válido, mas a multifatorialidade de muitas doenças dificulta a avaliação da contribuição relativa dos diferentes fatores ambientais, tornando-se assim premente o aumento do conhecimento integrativo em domínios como a água, o ar, os solos, a nutrição, procurando clarificar um olhar da toxicologia para a saúde.
O impacto dos incêndios nas populações depende de vários fatores, nomeadamente a duração e o tipo de exposição, os meios de transmissão para o meio ambiente e a suscetibilidade do indivíduo. Uma distinção importante na definição dos impactos é a diferenciação entre curto e longo prazo. Os efeitos para a saúde decorrentes de uma exposição aguda são os mais explorados, nomeadamente relacionados com o fumo produzido pelos incêndios (problemas respiratórios, cardiovasculares e oculares), com o excesso de calor (queimaduras, desidratação e golpes de calor) e com falhas do abastecimento de água (ver em Riscos para a saúde resultante da ocorrência de incêndios, DGS).
Em matéria de alimentação e com o objetivo de mitigar estes efeitos, principalmente nas populações vulneráveis e em risco (como os bombeiros), o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), da Direção-Geral da Saúde, tem vindo a definir algumas linhas orientadoras sobre alimentação em tempo de incêndios (ver em Recomendações gerais para a alimentação de bombeiros, Nutrimento).
Mas, atrás da cortina de fumo dos incêndios florestais, não podemos menosprezar os efeitos a longo prazo da contaminação do ambiente (solo, água e subsequentemente da cadeia alimentar) e da exposição crónica das populações a outros poluentes provenientes do fumo, como metais pesados, PAH, PCB e dioxinas. Talvez por este impacto não ser imediatamente observado e reconhecido, e muitas vezes decorrente da exposição a baixas concentrações (disruptores endócrinos), escasseia o conhecimento dos seus verdadeiros efeitos (cardiovasculares, respiratórios e carcinogénicos) nas populações afetadas.
Posto isto, urge o melhor conhecimento dos locais contaminados. A criação de estratégias integradas de monitorização dos contaminantes, quer de solo e águas, mas também dos alimentos de produção local e das próprias populações, permitirá uma resposta mais adequada e efetiva (desenho de estratégias de saúde pública de controlo de risco). Não se pretende com isto desincentivar o consumo de produtos locais, mas sim promover um consumo seguro e informado.
Com o risco crescente de incêndio em Portugal, principalmente devido ao aquecimento global, é importante os profissionais de saúde, nomeadamente os nutricionistas, terem um melhor conhecimento sobre os riscos para a saúde dos incêndios florestais. O compromisso e envolvência de todos em conselhos simples de saúde pública poderão ajudar a mitigar o risco para a saúde. Por outro lado, é premente e necessária a avaliação dos efeitos a longo prazo dos incêndios florestais, pois mesmo depois de a cortina de fumo dissipar, os riscos para a saúde subsistem.
Os autores escrevem segundo as normas do novo Acordo Ortográfico