Electricidade com IVA de volta aos 6%? A economia e a justiça social agradecem
Esta é a altura certa para reverter o aumento do IVA que ocorreu em 2011. Atrevo-me aliás a dizer que é muito razoável argumentar-se que hoje em dia faz muito mais sentido reverter o IVA sobre a electricidade do que fez recentemente reverter o IVA sobre a restauração.
No final de 2011, o IVA sobre a electricidade aumentou de 6% para 23%. Esta foi uma medida tomada apenas para gerar mais receitas fiscais, e que fez parte do plano de austeridade implementado pela autoridades portuguesas no contexto do resgate internacional, sob os auspícios da troika.
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No final de 2011, o IVA sobre a electricidade aumentou de 6% para 23%. Esta foi uma medida tomada apenas para gerar mais receitas fiscais, e que fez parte do plano de austeridade implementado pela autoridades portuguesas no contexto do resgate internacional, sob os auspícios da troika.
Este aumento da taxa do IVA sobre a electricidade foi uma mudança importante para o país, dado que, pela primeira vez, a electricidade em Portugal tornou-se mais cara, face ao preço médio praticado em toda a União Europeia (UE), e está mesmo entre os mais altos. De facto, quanto ao IVA sobre a electricidade, na UE existem hoje apenas cinco países com taxas de IVA sobre a electricidade mais elevadas. São eles a Croácia, a Dinamarca, a Finlândia, a Hungria e a Suécia.
Naturalmente, esta medida de austeridade foi recebida com preocupação generalizada devido aos seus potenciais efeitos económicos e redistributivos adversos. Na frente económica, as principais preocupações centraram-se nos efeitos potencialmente perniciosos quer sobre o PIB, quer sobre o emprego. No domínio da justiça social, os efeitos potencialmente regressivos foram também um motivo de grande preocupação. No entanto, com o passar do tempo, foi-se dando — erradamente do meu ponto de vista — relativamente mais atenção ao aumento do IVA na restauração, talvez porque, apesar do número de pessoas afectadas por esta medida ser muito menor, se tenham organizado e obtido alguma cobertura mediática.
Entretanto, já se passaram quase seis anos depois do aumento do IVA sobre a electricidade, e agora o país enfrenta uma melhor conjuntura económica e umas finanças públicas em situação bem menos dramática. Depois de oito anos de vigilância estreita das autoridades europeias, Portugal saiu finalmente do Procedimento por Défice Excessivo e reganhou alguma flexibilidade orçamental. Assim sendo, é razoável perguntarmo-nos se já chegou a altura para reverter este aumento do IVA sobre a electricidade, trazendo-o novamente de volta aos 6%.
Num dos meus trabalhos recentes de investigação analiso e quantifico os efeitos de ter introduzido esta medida, calculando os seus impactos orçamentais, económicos, redistributivos e até ambientais. Este é um quadro de análise que permite também determinar os potenciais efeitos da reversão desta medida.
Nesse estudo conclui-se que aumentar o IVA na electricidade de 6% para 23% levou, como foi desejado pelo governo na altura, a maiores receitas fiscais líquidas, com a receita de IVA a aumentar 1,4%. No geral, este aumento nas receitas fiscais deu origem a uma redução progressiva do endividamento público, uma quebra que calculo chegaria a 6,95% em 2050. Usando números recentes, se mais nada acontecesse, isto significaria que a divida pública diminuiria dos actuais 130% do PIB para 121% em 2050, apenas devido a esta medida.
Em termos de seu impacto económico, o aumento da taxa de IVA sobre a electricidade tem um efeito negativo no desempenho económico geral. O PIB e o emprego diminuem no longo prazo em 0,14% e 0,11%, respectivamente. Ou seja, com esta medida, estimo que se percam anualmente cerca de 250 milhões de euros no PIB, e sacrificam-se cerca de 5000 postos de trabalho.
A redução do PIB é liderada por uma queda no consumo privado de 0,21%. De facto, o aumento da taxa de IVA sobre a electricidade representa para as famílias uma perda de poder de compra que leva a uma redução do seu consumo privado. Para todas as classes de rendimento, observamos uma quebra no consumo privado. Esta perda, no entanto, é claramente regressiva, sendo cerca de cinco vezes maior para as classes de rendimento mais baixo do que para as classes de rendimento mais elevado — uma redução de 0,45%, em comparação com uma quebra de apenas 0,09%. Isto é devido ao facto de a despesa com electricidade ser uma parcela da despesa total das famílias que, em termos percentuais, diminui com o rendimento e, portanto, os efeitos do aumento do IVA são amplificados para os segmentos mais desfavorecidos da população.
Finalmente, os efeitos do aumento da taxa de IVA sobre a electricidade sobre as emissões de CO2 são marginalmente favoráveis. Estimamos uma redução a longo prazo das emissões de 0,05%. Esta redução além de ser muito pequena, está nublada pelo facto de que se deve, essencialmente, à redução da actividade económica que é induzida pelo aumento do IVA e, como tal, não é de longe a melhor forma de reduzir as emissões poluentes. Além disso, este aumento do IVA sobre a electricidade traz consigo a preocupação de poder levar a uma mudança no longo prazo nos padrões de consumo de energia no sentido do uso mais intensivo de formas de energia menos amigas do meio ambiente que a electricidade.
Para resumir, os nossos resultados sugerem que um aumento permanente do IVA sobre a electricidade de 6% para 23% tem efeitos orçamentais positivos, como desejado, mas que estes acarretam custos significativos quer em termos económicos quer em termos de justiça social, e os efeitos ambientais, embora positivos, não só são pequenos, como são obtidos da pior forma possível. Em conformidade, reverter o IVA da electricidade para uma taxa de 6% não só melhoraria o desempenho económico, como também teria efeitos redistributivos positivos, e aumentaria apenas marginalmente as emissões poluentes. Nesta perspectiva, tal reversão é oportuna e desejável.
Ainda assim, fica a questão de saber se o orçamento público pode ou não acomodar a perda de receitas fiscais líquidas que tal reversão implicaria. Alternativamente, fica a questão de saber se o orçamento público pode ou não compensar a perda destas receitas de forma a não eliminar os efeitos económicos e distributivos positivos dessa reversão. No estudo que desenvolvi mostramos também que se a situação orçamental em Portugal ainda não for considerada suficientemente sólida para simplesmente reverter o IVA sobre a electricidade novamente para os 6%, então, substituir este aumento por uma sobretaxa de ISP que produza uma receita fiscal equivalente é uma medida com efeitos económicos, redistributivos e ambientais favoráveis, sem sacrificar o acréscimo nas receitas fiscais que entretanto se obteve.
Por todas as boas razões acima mencionadas, parece-me que esta é a altura certa para reverter o aumento do IVA que ocorreu em 2011. Atrevo-me aliás a dizer que é muito razoável argumentar-se que hoje em dia faz muito mais sentido reverter o IVA sobre a electricidade do que fez recentemente reverter o IVA sobre a restauração.
Nota: Este artigo está baseado nos resultados do projecto “A Lower VAT Rate on Electricity in Portugal: Towards a Cleaner Environment, Better Economic Performance, and Less Inequality”, desenvolvido em co-autoria com Rui Marvão Pereira do College of William and Mary, Virginia, EUA.
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