Líbia e Itália travam operações de resgate de migrantes das ONG no Mediterrâneo
Várias organizações suspenderam actividades de salvamento. Chegadas de migrantes a Itália têm caído de forma acentuada.
A Marinha líbia, apoiada pela Itália, está a impedir a entrada de embarcações não autorizadas nas suas águas territoriais, dificultando as operações de salvamento de migrantes no Mar Mediterrâneo. Várias organizações não-governamentais já anunciaram a suspensão dos seus esforços.
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A Marinha líbia, apoiada pela Itália, está a impedir a entrada de embarcações não autorizadas nas suas águas territoriais, dificultando as operações de salvamento de migrantes no Mar Mediterrâneo. Várias organizações não-governamentais já anunciaram a suspensão dos seus esforços.
Na quinta-feira, o general Ayub Qassem, porta-voz da Marinha, dirigiu-se “a todos os que violam a soberania da Líbia”. “Devem respeitar a nossa vontade e obter uma autorização do Estado líbio para operações de resgate”, afirmou, citado pelo El País.
A guerra civil que estalou depois do derrube de Muammar Khadafi em 2011 atirou a Líbia para o caos, dividindo o território entre facções rivais. Actualmente há três governos rivais que lutam por influência e reconhecimento e é nesse contexto que as redes de tráfico de seres humanos têm agido com impunidade. O ministro italiano do Interior, Marco Minniti, descrevia recentemente ao Politico o tráfico humano como “a única iniciativa empresarial funcional na Líbia”.
A assertividade da Marinha líbia surge poucas semanas depois de ter sido acordado um cessar-fogo entre os líderes das principais facções sob mediação do Presidente francês, Emmanuel Macron. A estratégia italiana passa também pela sua antiga colónia: a guarda costeira líbia tem recebido treino e apoio para as suas missões por parte das forças de segurança italianas. No início de Agosto, o Parlamento aprovou o envio de barcos de patrulha italianos para participar em missões limitadas de apoio às forças líbias, segundo a Reuters.
A ordem da Marinha líbia tem aplicação na zona económica exclusiva do país, que se estende 12 milhas náuticas para além da costa. Este território abrange parte da zona de busca e resgate, onde as ONG costumam actuar.
O coordenador das operações de resgate dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), Michele Trainiti, disse ao El País que as intenções da Líbia são “alarmantes”. “Acreditamos que são fruto de um clima contrário às ONG criado pelos Estados europeus”, acrescenta. Na semana passada, uma embarcação operada pela Proactiva Open Arms foi interceptada por barcos da Marinha líbia que dispararam tiros de aviso. Os MSF, que têm o maior dispositivo de resgate no Mediterrâneo, anunciaram a suspensão das suas actividades, tal como a alemã Sea Eye e a Save The Children.
Código de conduta
Até 2014, a perigosidade da travessia do Mar Mediterrâneo a partir da Líbia era mitigada pela operação da guarda costeira italiana Mare Nostrum. Mas desde que foi terminada pelo Governo italiano e substituída por uma versão de baixo custo – por falta de acordo ao nível europeu – o número de mortos disparou. Entraram então em cena várias organizações não-governamentais, como os MSF, a Save The Children ou a Proactiva Open Arms, que passaram a alugar ou a adquirir embarcações para tomarem pelas próprias mãos as operações de resgate.
A União Europeia, e especialmente o Governo italiano, criticaram a acção destas ONG, que dizem promover o tráfico de seres humanos e acusando-as mesmo de fecharem acordos com líderes de redes mafiosas que operam na Líbia.
Pressionado internamente e com eleições no horizonte, o executivo liderado por Paolo Gentiloni divulgou no mês passado um “código de conduta” para as operações de salvamento que as ONG estão obrigadas a seguir. Esta medida obriga as organizações a seguirem uma série de exigências, como a inclusão de um polícia na tripulação. As ONG dizem que a iniciativa italiana tem o objectivo de limitar as hipóteses de salvamento no Mediterrâneo.
Entretanto, o número de pessoas que chegam à costa italiana caiu abruptamente durante o mês de Julho, contrariando a tendência dos meses de Verão, quando grande parte dos migrantes aproveita o bom tempo para arriscar a travessia. Segundo dados do Governo, em Julho houve 11.193 chegadas, face a mais de 23 mil no mês anterior.
Com a travessia a tornar-se mais perigosa, a alternativa para os milhares de migrantes provenientes de países como o Niger, Nigéria, ou Eritreia, é permanecer na Líbia onde frequentemente se sujeitam a péssimas condições, como denuncia a directora regional da Human Rights Watch, Judith Sunderland. “Depois de dois anos a salvar vidas no mar, a Itália prepara-se para ajudar as forças líbias que são conhecidas por deter pessoas em condições que as expõem ao risco real de tortura, violência sexual e trabalhos forçados.”