Há 200 mil "desencorajados" à margem da queda do desemprego

Num momento de melhoria generalizada nas condições do mercado de trabalho português, há indicadores que vão mostrando maior resistência à mudança.

Foto
ADRIANO MIRANDA / PUBLICO

Com o número de desempregados a cair há já quatro anos a um ritmo bastante elevado, o mesmo parece não acontecer à parcela da população portuguesa que se encontra na antecâmara do desemprego oficial. São aqueles que, mesmo desejando um emprego, desistiram de o procurar ou os que, mesmo querendo um trabalho a tempo inteiro, não conseguem mais do que um trabalho a tempo parcial. A descida no número de pessoas nestas situações está a acontecer desde 2013, mas a um ritmo mais lento.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Com o número de desempregados a cair há já quatro anos a um ritmo bastante elevado, o mesmo parece não acontecer à parcela da população portuguesa que se encontra na antecâmara do desemprego oficial. São aqueles que, mesmo desejando um emprego, desistiram de o procurar ou os que, mesmo querendo um trabalho a tempo inteiro, não conseguem mais do que um trabalho a tempo parcial. A descida no número de pessoas nestas situações está a acontecer desde 2013, mas a um ritmo mais lento.

Na passada quarta-feira, o Instituto Nacional de Estatística (INE) iniciou a publicação de um novo indicador: a taxa de subutilização do trabalho, cifrada em 16,6% da população activa. Aí estão incluídos, por um lado, as pessoas que são classificadas oficialmente como estando desempregadas (no segundo trimestre eram 461 mil, para uma taxa de desemprego de 8,8%), e por outro lado, as pessoas que não cumprindo os requisitos para serem consideradas desempregadas, não vêem ainda assim a sua total capacidade para trabalhar ser aproveitada (442 mil no segundo trimestre, ou 7,8%).

Nestes 442 mil, incluem-se por exemplo cerca de 200 mil “desencorajados”, que são aqueles que, nos inquéritos realizados pelo INE, afirmam que, apesar de estarem disponíveis para trabalhar, não tiveram durante o último mês qualquer iniciativa de procura de emprego, uma condição imprescindível para serem incluídos na população activa e serem considerados desempregados. Há também os que, estando activos e declarando ter um emprego, apenas trabalham a tempo parcial, quando aquilo que desejavam era trabalharem a tempo inteiro.

Mas, se neste momento é bastante próximo o número de desempregados oficiais e o número de pessoas que estão na margem entre ter um emprego e não ter, há quatro anos atrás, quando o mercado de trabalho em Portugal se encontrava no auge da crise, isso não acontecia. Havia 927 mil desempregados e 542 mil na margem.

Desde esse momento - quando no primeiro trimestre de 2013, a taxa de desemprego atingiu os 17,5% e a taxa de subutilização do trabalho os 26,4% - o número de desempregados era bastante maior. O que aconteceu nos quatro anos seguintes foi que, de acordo com o INE, o número de desempregados caiu 50,2%, enquanto a população considerada como subutilizada, mas não desempregada caiu apenas 14,9%. Em particular, o número de desencorajados registou uma descida de 21,2%.

O que poderá, neste cenário de melhoria acentuada do desempenho do mercado de trabalho, explicar esta maior resistência à descida neste grupo da população que também se encontra numa situação de défice laboral e de rendimento? O professor da Universidade do Minho, João Cerejeira, destaca o facto de este ser um grupo “que está situado entre a inactividade e a actividade”, sendo importante perceber que existem fluxos que vão num sentido e no outro.

“Pode acontecer, à medida que o emprego vai crescendo, que haja pessoas que estavam na situação de inactividade completa e que, antes de encontrarem um emprego completo, fiquem nesta situação de subutilização”, afirma. Para além disso, adianta, ocorrem também situações em que pessoas que emigram por alguns meses regressam e se colocam também temporariamente dentro destes grupos. “Estes grupos são bastante dinâmicos”, afirma.

O que é certo é que é cada vez mais claro para todos – e a publicação da taxa de subutilização do trabalho pelo INE confirma-o – que para analisar correctamente aquilo que está a acontecer no mercado de trabalho não basta olhar para a evolução da taxa de desemprego tal como ela está definida. É preciso também olhar para uma definição mais alargada.

Nos Estados Unidos e na zona euro, os bancos centrais têm vindo a enfrentar alguns dilemas relacionados com esta questão. Usando os modelo tradicionais, a forma como a taxa de desemprego tem vindo a descer (principalmente nos EUA mas também da zona euro), levaria a crer que rapidamente se instalariam pressões para a subida dos salários e a taxa de inflação começaria a subir. Isso não tem acontecido e uma das explicações que tem vindo a ser dada por Janet Yellen e Mario Draghi para esse fenómeno é precisamente o facto de a taxa de desemprego não dar uma imagem completa da mão-de-obra disponível para trabalhar numa economia.

No caso de Portugal, o facto de o número de pessoas subutilizadas estar a cair de forma mais lenta do que o número de pessoas oficialmente desempregadas pode também ser motivo para refrear um pouco o entusiasmo com aquilo que já se conseguiu ao nível das condições do mercado de trabalho.