Uma conspiração de espertos
As conspirações de espertos em Oeiras podem ser ainda mais perversas do que as conspirações de estúpidos em Nova Orleães.
Nos anos 60 do século passado, um jovem escritor chamado John Kennedy Toole escreveu um romance picaresco sobre a sua Nova Orleães natal, a perversão moral e a corrupção humana, e chamou-lhe Uma Conspiração de Estúpidos. Depois de muitas décadas perdido, após o suicídio do seu autor em 1969, o livro foi finalmente publicado em 1981 e ganhou um prémio Pulitzer. O protagonista é um jovem preguiçoso e paranóico, de quem a certa altura se diz algo como: “para quem acredita ser um génio, o mundo parece uma conspiração de estúpidos”.
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Nos anos 60 do século passado, um jovem escritor chamado John Kennedy Toole escreveu um romance picaresco sobre a sua Nova Orleães natal, a perversão moral e a corrupção humana, e chamou-lhe Uma Conspiração de Estúpidos. Depois de muitas décadas perdido, após o suicídio do seu autor em 1969, o livro foi finalmente publicado em 1981 e ganhou um prémio Pulitzer. O protagonista é um jovem preguiçoso e paranóico, de quem a certa altura se diz algo como: “para quem acredita ser um génio, o mundo parece uma conspiração de estúpidos”.
Lembrei-me disto ao saber das muitas peripécias das eleições autárquicas em Oeiras. Se trocássemos o autor de Uma Conspiração de Estúpidos da Nova Orleães dos anos 60 para a Oeiras atual e lhe déssemos por protagonistas os mais preponderantes elementos da elite política local, rapidamente a premissa de base se inverteria, e passaria a ser: “para quem acredita que os outros são parvos, muito rapidamente o mundo se transforma numa conspiração de espertos”.
Nos últimos dias, fomos primeiro surpreendidos com a notícia de que as candidaturas de Isaltino Morais e (mais interessante mas menos notada) de Sónia Amado Gonçalves, tinham sido rejeitadas pelo tribunal local. Depois veio a acusação, levantada por Isaltino e comprovada pela imprensa, de que o juiz que recusara as candidaturas fora padrinho de casamento do atual autarca e também candidato, Paulo Vistas. Descobriu-se depois que o juiz não fora escolhido por sorteio para tomar aquela decisão, e agora que ele se ofereceu para acompanhar o processo eleitoral em Oeiras. A suspeição levantada, mas que só será (ou não) confirmada pelo Conselho Superior de Magistratura, é que um juiz próximo do atual autarca teria assim tomado uma decisão interessada a favor do seu amigo. A ser verdade, seria gravíssimo.
Toda esta gente se conhece bem. O juiz terá sido também próximo de Isaltino, com quem Vistas trabalhou e de cuja lista Sónia Amado Gonçalves é deputada municipal. Sim, leu bem. Uma das adversárias de Isaltino Morais nas eleições em Oeiras é deputada do grupo municipal do próprio Isaltino. Esta pode ser uma legítima cisão política ou, hipoteticamente, uma tentativa de coordenação entre candidaturas para retirar votos aos adversários comuns. O que salta à vista quando se passa pelo concelho de Oeiras, contudo, é que a candidatura de Sónia Amado Gonçalves, até agora discreta no plano mediático nacional, não é de todo discreta na paisagem urbana: por todo o lado há enormes outdoors, em geral caríssimos, promovendo esta candidatura que rivaliza com as dos grandes partidos subvencionados pelo Estado.
Ambas as candidaturas oriundas do mesmo grupo parlamentar municipal foram, portanto, invalidadas pelo tal juiz próximo do presidente da câmara. Mas para lá das suspeitas agora lançadas pelo juiz, também seria interessante saber mais sobre o mérito da decisão, que repousa sobre o facto de as assinaturas recolhidas para validar as candidaturas não estarem nas mesmas páginas onde estaria a lista de candidatos. Isto pode parecer um detalhe, mas é nos detalhes que o diabo vive. Sónia Amado Gonçalves entregou 11 mil assinaturas; Isaltino Morais 31 mil. Mais do que é necessário para registar um partido político e quatro vezes mais do que é necessário para apresentar uma candidatura à Presidência da República, respectivamente. Ora, não parece descabido tentar perceber se as pessoas sabiam o que estavam a assinar, ou se as suas assinaturas foram recolhidas pelas duas candidaturas (espera-se que separadamente) como se fossem para qualquer outro propósito. E seria bom que a discussão sobre a possível parcialidade do juiz, que se deveria ter recusado a julgar, não nos impedisse de julgar sobre a fidedignidade das candidaturas.
No fim de contas, as conspirações de espertos em Oeiras podem ser ainda mais perversas do que as conspirações de estúpidos em Nova Orleães. Dá um certo enjoo ler sobre elas. E vontade de pedir que nos deixem sair para ir vomitar.