“Bicho, Teatrinho, Fogo”: eis a nova praça do bairro das Campinas
Esta sexta-feira, o projecto de requalificação no bairro das Campinas, no Porto, fica concluído. Durante duas semanas, 20 estudantes de arquitectura de todo o mundo ergueram "Bicho, Teatrinho, Fogo". Vai haver festa, "portuguesa", para celebrar
Duas semanas, 20 jovens, 40 mãos, orgulhosamente na "massa". Foi o que bastou para mudar o bairro das Campinas, no Porto. A partir desta sexta-feira, por detrás do bloco 30, há um parque para crianças, um coreto e um espaço para a fogueira de São João. Tudo fruto do labor de um grupo de estudantes de arquitectura de todo o mundo que, ao abrigo do Lugar de Partilha, requalificou a pequena praça.
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Duas semanas, 20 jovens, 40 mãos, orgulhosamente na "massa". Foi o que bastou para mudar o bairro das Campinas, no Porto. A partir desta sexta-feira, por detrás do bloco 30, há um parque para crianças, um coreto e um espaço para a fogueira de São João. Tudo fruto do labor de um grupo de estudantes de arquitectura de todo o mundo que, ao abrigo do Lugar de Partilha, requalificou a pequena praça.
A iniciativa, organizada pela Casa da Arquitectura em parceria com a Domus Social, a Porto Academy e a Freguesia de Ramalde, chega agora ao fim. Três estruturas estavam previstas — um coreto, um parque para crianças e um pequeno jardim. Entretanto, o plano mudou e entraram em cena Bicho, Teatrinho, Fogo, o curioso nome de baptismo das novas construções. O parque, o Bicho, ali está, pintado de amarelo, uma estrutura que tanto serve de mesa como de banco; a azul, o coreto, o Teatrinho; e, a vermelho, o Fogo, obra que assinala o local onde os moradores fazem a fogueira de São João. Três estruturas, três cores primárias.
O jardim não se concretizou, mas, avisa Ana Francisco, uma das obreiras de serviço, aluna da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), a praça não sai desvalorizada. "O resultado consegue ter na mesma aquilo que nós pretendíamos. Não ficou prejudicado, só se adaptou."
É esta, sublinha, uma das vantagens desta ideia, a passagem da teoria para a prática, o "pôr a mão na massa" — e lidar com o que tal implica. "Estamos habituados, durante a universidade, a fazer muitos projectos, mas são só a pensar no abstracto", explica a barcelense de 22 anos. No entanto, ver tudo no papel torna difícil perceber o que se pode concretizar ou não. É preciso compreender a limitação dos materiais e é necessário moldar o que se imagina à realidade. Foi o que aconteceu neste caso.
Ao lado de Ana, a operar no coreto, está também Adam Hill, de 22 anos. Chegou da Universidade de Liverpool e, tal como a colega, frequentou outro estúdio da escola de Verão Porto Academy (foi apenas no do arquitecto Pedro Bandeira que foram elaborados vários projectos para o bairro, mas tal não impediu o acesso de estudantes de outros estúdios). "Construir tem sido desafiante. É juntar pessoas e trabalhar em equipa. Combinamos conhecimentos", elogia. Em Inglaterra, diz, existem pequenos workshops, mas são maioritariamente teóricos e conceptuais, por isso também para ele é "bom" erguer "algo físico": "Cresci imenso só por poder construir e ver como as coisas encaixam. Não é assim tão simples perceber como ligar um elemento ao chão ou conectar um pedaço. Ser capaz de gerir a logística e o tempo não é fácil.” A estrutura, que agora se ergue do chão, foi totalmente "pensada para o local", ressalva. "Não podia estar em Roma. Só nas Campinas”.
Com 20 anos, Diogo Ferreira, estudante da FAUP, é o participante mais novo e um dos que não frequentou a Porto Academy. A experiência, diz, está a ser diferente do que esperava, "mas para positivo". “Eu não sabia trabalhar em madeira. Aprendi como estruturar, como fazer, como calcular, desde as fundações, a aparafusar, e que pregos usar para cada tipo de situação”, exemplifica. Também não esperava ter tanta liberdade na execução da obra e um acompanhamento tão próximo e valioso dos arquitectos responsáveis: “Podemos experimentar, podemos falhar, dão-nos essa margem de erro. Estão cá para nos ajudar.”
Conhecer pessoas novas, todos os dias
Desde o primeiro dia que os arquitectos responsáveis falam da importância desta iniciativa na formação dos estudantes. De várias culturas, nacionalidades e continentes, os alunos de arquitectura foram chegando e partindo. “Todos os dias, conheço pessoas novas", conta Lilian Matsuda, que chegou cinco dias depois de a iniciativa começar. Vinda da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Curitiba, a aluna veio a Portugal para participar na Porto Academy. Quando a concluiu, ficou a saber desta iniciativa e quis participar. Já tinha o bilhete de avião na mão; saiu do país por cinco dias e regressou directamente para o bairro das Campinas. “É a primeira vez que estou a construir um projecto meu”, confessa, entusiasmada, a brasileira de 24 anos.
Disseram-lhe que iria trabalhar num bairro problemático. Estava à espera de outro cenário, menos risonho. "A minha cidade, Curitiba, é uma cidade grande, tem dois milhões de habitantes, a qualidade de vida lá é boa", conta a estudante durante a pausa para o lanche. "Mas se eu comparar com Portugal, a realidade é bem diferente. Quando nos explicaram que o workshop seria feito aqui no bairro das Campinas, eu e os mexicanos imaginámos outra coisa, outra realidade. Quando chegámos, pensámos 'até que não têm tantos problemas.'"
Lilian não esperava que os moradores do bairro estivessem tão interessados no projecto, “principalmente as crianças”: “Estão sempre a perguntar o que estamos a fazer. Eu explico que é uma estrutura que se pode usar como mesa ou banco, que as crianças podem subir e brincar lá.”. Ana também notou o interesse das mais pequenos: “Os miúdos vêm ter comigo e perguntam se podem pintar. Às vezes até nem temos assim nada urgente para pintar e vamos arranjar qualquer coisa.”
João Alberto Quintela é um dos moradores mais assíduos. Vive no bloco 28 e, desde que pegou pela primeira vez no pincel, ganhou-lhe o gosto. A pensar nos netos, que frequentam aquela zona, disponibilizou-se a ajudar os jovens estudantes. “Empresto ferramentas e tudo se for preciso”, garante.
Mas nem todos os que colaboram são do bairro. De cócoras, a pintar o banco de amarelo, está Círio, o nome que deu ao P3. “Eu não sou do bairro, mas quero ajudar. Já tinha vindo antes e não estava cá ninguém. Então voltei hoje.” O professor do ensino secundário não quis revelar a identidade. Estava ali para apoiar e, salienta, mais pessoas poderiam fazê-lo, se tivessem tido conhecimento desta obra. “Ajudar é a nossa base. Se eu precisar, já posso bater à porta deles com outra cara”, confessa, enquanto preenche os espaços por pintar.
Esta sexta-feira, 11 de Agosto, é dia de festa: o "laboratório" chega ao fim. “Estamos todos ansiosos”, garante Diogo Ferreira. O sentimento é comum. Ana e Lilian querem ver o resultado final e perceber a reacção das pessoas perante o que eles construíram. Já Adam quer ver uma festa “tipicamente portuguesa”. Quem sabe se não lhe farão a vontade.