"A realização dos direitos sociais é uma batalha que nunca está ganha"
Os filhos pequenos chamavam-lhe a chefe da água no mundo, os líderes mundiais viam-na como embaixadora. Em 2010 Catarina de Albuquerque conseguiu que a água e o saneamento fossem reconhecidos como direitos universais pelas Nações Unidas.
Um sumo de laranja numa esplanada de Lisboa dá direito a que a empregada distribua uma palhinha a quem o pede. Catarina de Albuquerque interrompe a conversa. “Desculpe, não se deve dar palhinhas às pessoas. Isto é péssimo para ambiente”, diz com a palhinha ainda dentro do invólucro. “Não dê a não ser que lhe peçam, não por sua iniciativa. É que isto é muito difícil de reciclar.” Retoma a conversa onde a deixou e a velocidade do discurso confirma o entusiasmo, ou como ela diz, a “estamina” que fazer o que gosta lhe provoca: defender os direitos humanos, criar políticas de diminuição de desigualdades, zelar pelo ambiente. Aos 47 anos, Catarina de Albuquerque conseguiu que a água e o saneamento fossem reconhecidos como direitos humanos pelas Nações Unidas e criou um mecanismo de denúncia de violação dos direitos sociais junto da ONU. Advogada, especializada em direito internacional, é directora executiva de uma plataforma em parceria das Nações Unidas; Água e Saneamento para Todos e em 2016 ganhou o prémio internacional Água Global. No início deste ano, o jornal britânico Financial Times perguntou-lhe qual era a sua maior extravagância, e ela respondeu: abrir a torneira e ter água a qualquer hora.
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Um sumo de laranja numa esplanada de Lisboa dá direito a que a empregada distribua uma palhinha a quem o pede. Catarina de Albuquerque interrompe a conversa. “Desculpe, não se deve dar palhinhas às pessoas. Isto é péssimo para ambiente”, diz com a palhinha ainda dentro do invólucro. “Não dê a não ser que lhe peçam, não por sua iniciativa. É que isto é muito difícil de reciclar.” Retoma a conversa onde a deixou e a velocidade do discurso confirma o entusiasmo, ou como ela diz, a “estamina” que fazer o que gosta lhe provoca: defender os direitos humanos, criar políticas de diminuição de desigualdades, zelar pelo ambiente. Aos 47 anos, Catarina de Albuquerque conseguiu que a água e o saneamento fossem reconhecidos como direitos humanos pelas Nações Unidas e criou um mecanismo de denúncia de violação dos direitos sociais junto da ONU. Advogada, especializada em direito internacional, é directora executiva de uma plataforma em parceria das Nações Unidas; Água e Saneamento para Todos e em 2016 ganhou o prémio internacional Água Global. No início deste ano, o jornal britânico Financial Times perguntou-lhe qual era a sua maior extravagância, e ela respondeu: abrir a torneira e ter água a qualquer hora.
Se lhe falar em água no que é que pensa imediatamente?
Penso no quase um milhão de pessoas que não têm acesso a água em Portugal. Há dez anos não era nisto que pensaria. Se alguém me falasse de água, pensava num copo com água, mas mudei pelo facto de nos últimos anos ter estado tão envolvida em temas de falta de água e de desigualdades. Claro que também penso em mais coisas.
Esse lado obsessivo beneficia nas negociações?
É verdade que sou obcecada, mas também depende dos dias. Já saí de restaurantes em Lisboa por não me servirem um copo de água da torneira; de me dizerem que a água da torneira em Lisboa não é de boa qualidade. Passo-me. A água da torneira em Portugal é de excelente qualidade. Cumprimos com a directiva-quadro da União o Europeia sobre qualidade da água. Se me disserem que ganham no restaurante mais dinheiro por vender água engarrafada, aceito o argumento e acho legítimo que me cobrem qualquer coisa, o copo tem de ser lavado. Mas não me venham fazer de parva.
Na parte das negociações, acho que é bom a pessoa mostrar-se convencida de uma determinada coisa porque isso inspira confiança. Eu estava convencida de que a água devia ser reconhecida como direito, ou que as pessoas devem poder queixar-se à ONU quando os seus direitos são violados...
Presidiu às negociações do tratado das Nações Unidas que criou um mecanismo de denúncia de violação de direitos sociais a que todos os cidadãos do mundo podem recorrer, e no ano passado ganhou um prémio como reconhecimento pelo trabalho nessa área dos direitos sociais. O que é isso dos direitos sociais?
Direito social é tudo aquilo que está agora a ser posto em causa por muitas pessoas que chegaram ao poder nalguns países deste mundo. Como Donald Trump, Theresa May... Tenho uma amiga que diz que os direitos sociais são os direitos da vidinha. São os direitos indispensáveis ao nosso bem-estar, à nossa sobrevivência e ao nosso desenvolvimento como pessoa. Desde o direito à educação, a cuidados de saúde, habitação, direitos ligados à nossa dignidade, direitos indispensáveis para viver a viva. São os de todos os dias. Como o direito à água e ao saneamento.
Como é que explica essa ausência?
Porque damos certas coisas por adquiridas e só as valorizamos quando elas se tornam ameaçadas. Não era tema. É preciso pensar que durante muitos anos os negociadores na ONU eram uma elite que chegava à carreira diplomática, e o mundo não era o que é hoje. Era um mundo em pré-descolonização. Os países que estavam sentados à volta da mesa não eram os que tinham problemas de acesso à água, e nos países em geral havia menos problemas com a qualidade da água, com a disponibilidade da água, com o consumo; a população do planeta era menor, a poluição era menor e a tensão também era menor à volta das questões da água.
Liderou essa discussão. Foi relatora especial da água na ONU. Isso queria dizer exactamente o quê?
Que fui eleita em 2008 como porta-voz das Nações Unidas e investigadora das violações do direito à água e ao saneamento. Uma das minhas principais missões era conseguir que estes direitos fossem reconhecidos. Grande parte dos problemas de água tem que ver com o saneamento. Tratamos ou não as águas residuais? E se não as tratamos, vão ou não poluir cursos de água naturais, os aquíferos subterrâneos. As pessoas têm de poder exercer o direito ao saneamento em condições de dignidade sem terem de estar à procura de uma árvore ou de um arbusto onde se esconder, sem correrem riscos até de segurança e perdendo a privacidade.
Viajou muito ao longo desse mandato. Pode-se falar em problemas de água em todo o mundo?
Sim, em todo o mundo.
E confirmar isso levou a que mudasse o discurso?
Muito. Achei que estar a ler livros, revistas e relatórios não dava a verdadeira percepção das coisas. Já não falo sobre a teoria. Claro que tenho de dar um enquadramento teórico, mas a malta abre os olhos quando lhes conto histórias concretas de pessoas concretas. Eu tenho uma coisa que, enfim... gosto que as pessoas gostem de mim e, quando falo, gosto que prestem atenção ao que digo. Estas histórias prendem a audiência, por um lado, e espero que façam com que as pessoas levem alguma ideiazinha para casa. Foi sempre minha iniciativa ir aos sítios, e muitas vezes empurrando os limites.
Porquê?
Porque não havia muita vontade de muitos Estados-membros das Nações Unidas de receber queixas de alegadas vítimas, que fosse a certos países verificar o que se estava lá a passar. Houve um país que me disse que até aceitava que eu o fosse visitar, mas só se ficasse na capital, para não ver as misérias fora.
Aceitou as condições?
Não. Recusei. Só se pode ir com a anuência do país e as condições são negociadas à partida. Fiz isso por mim, mas não só. Se a Catarina aceitou ficar no ar condicionado, porque é que outros iriam sujeitar-se? Não podia estar a criar esse tipo de precedentes.
Qual foi o país?
Um país grande, um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Havia uma coisa que me irritava: dizer que só havia problemas nos países pobres, e nos países ricos não. Basta ver aqui em Portugal, de uma forma mais exacerbada na altura das medidas de austeridade.
Que tipo de problemas?
Não visitei Portugal enquanto relatora, mas recebi queixas por causa de cortes de água, pessoas que não tinham dinheiro para pagar a factura e tinham de ir buscar água a bombas de gasolina ou ao chafariz. Houve muito isso, pessoas a quem a água tinha sido cortada. Mas decidi que queria receber queixas, fazer missões a países ricos e pobres e mostrar que a realização dos direitos económicos sociais e culturais é uma batalha que nunca está ganha em nenhum do mundo.
Tive uma reacção muito negativa nos Estados Unidos. Quando fui lá em missão e disse que ia a Cape Cod (na Costa Leste dos EUA) gozaram comigo, diziam: “Enjoy the Cape!” Se calhar acharam que ia para lá de férias, mas ao pé de Cape Cod, onde há pessoas com dinheiro e casas grandes, há uma série de vilarejos onde vivem os funcionários da família Kennedy e das outras famílias e pessoas que trabalham nos supermercados e em todos os serviços de apoio, e há problemas. Há fossas sépticas nos jardins — se a coisa funcionar bem não tem de ser necessariamente um problema —, mas o mayor decidiu ligar tudo a um sistema de saneamento básico integrado e cada família tinha de contribuir com 50 mil dólares. Uma senhora de 90 anos disse-me que tinha de vender a casa por não ter esse dinheiro. Para não falar dos sem-abrigo na Califórnia — onde há gente a quem a água foi cortada, em Detroit — ou na zona de Boston. [Nos EUA] há muitos problemas tão graves como no Bangladesh. São é em menor quantidade.
Quantos países visitou em missão?
Em missão oficial visitei 15. E mais alguns em missões não oficiais.
Muitas situações limite?
Tuvalu e Kiribati, por exemplo. É extraordinário como estes países são países e são vulneráveis. Muito por causa das alterações climáticas. Foi isso que me chocou. Um terço do país é a pista do aeroporto. Todos os anos há uma onda chamada king wave que passa por cima do país. Não têm agricultura, a única água que existe é a da chuva. Deviam armazenar, não armazenam em quantidade suficiente e há alturas em que não têm mesmo água. É preciso mandá-la engarrafada a partir das ilhas Fiji. Já tiveram máquinas para dessalinização de água do mar, mas depois é a pobreza e todos os vícios e erros do desenvolvimento global. São os países que menos contribuíram para as alterações climáticas e serão os primeiros a ficar submersos com a subida do nível médio da água do mar. É a ironia e a injustiça levadas ao expoente máximo. Falo nisso porque me senti vulnerável. Se tive medo? Tive.
De quê?
De que passasse uma king wave por cima e... adeus.
Conseguiu que a água e o saneamento fossem reconhecidos como direitos, conseguiu criar a plataforma onde as pessoas podem apresentar queixas quando os direitos sociais universais não são respeitados. As queixas são feitas realmente? E o que é que as pessoas podem esperar das Nações Unidas quando há violação?
Estes mecanismos de queixas só podem ser utilizados depois de serem esgotadas as vias de recurso internas. Normalmente é o que acontece com todos os mecanismos deste tipo. Pense nos Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. É preciso passar a via sacra da justiça nacional para ir para lá.
E não são só as elites a ter acesso às Nações Unidas?
E também não são só as elites a ter verdadeiro acesso à Justiça? Pois... É um grande problema. Estive agora numa conferência que celebrava os 30 anos da entrada em vigor em Portugal da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura. Estavam várias autoridades que falavam de zero queixas. E eu digo: zero queixas?! Não é bom sinal. Zero queixas não é que não haja violações. Zero queixas é que as pessoas nem sabem que podem apresentar queixa, ou têm medo de as apresentar, ou os sistemas de queixas não são acessíveis. Há uma inibição qualquer. Porque não há países onde não haja tortura. Vamos voltar ao sistema das Nações Unidas. Não há queixas contra Portugal. Péssimo sinal.
De onde veio a sua consciência cívica num país onde ela não é cultivada?
Não sei. Se calhar quando nasci já era assim. Acho que tem que ver com o que vemos à nossa volta. A minha mãe e a minha avó materna sempre me incutiram esta ideia: “És responsável por ti, mas também tens responsabilidade pelas pessoas que estão à tua volta.” Ser reivindicativa? Não sei, talvez o meu avô materno. Era advogado e na altura do Salazar era contra o regime [do Estado Novo]. Não era rico mas ajudava a oposição fora de Portugal. Também é feitio, sou um bocado refilona. Fiz Direito na clássica e meti-me no grupo de acção social da [Universidade] Católica. Era o que havia. E ia para um bairro-de-lata. Lembro-me de ir para um campo de férias que organizavam em Julho. Íamos com os miúdos do bairro para Sesimbra. Emprestaram-nos uma escola primária que tinha duas salas de aula e numa metíamos colchões do Exército para os rapazes, na outra para as raparigas. Estávamos o dia inteiro com eles e quando os chamávamos eles esperavam que fosse para lhes bater. Um dia, ao voltar de autocarro para Lisboa lembro-me de chorar o caminho todo a pensar que era aquilo que me fazia feliz. Sei lá...
Quando era criança, havia um programa na televisão, Era Uma Vez o Homem, e a minha grande obsessão aos sete anos era já não poder inventar nada, já estava tudo inventado. Tinha a angústia de achar que, se calhar, já não poderia fazer nada. Eu queria fazer alguma coisa nova. E, mais tarde, “então, Catarina, queres melhor do que estar a inventar coisas novas de direitos humanos?” Isto digo eu agora a olhar para trás.
Como gere as emoções?
Mal. Comovo-me muito facilmente, mesmo nas missões, chorava com a malta toda. Sou assim, acabou-se! Tenho essa coisa que é a empatia ou simpatia, do grego “sofrer com...”, compaixão. Se vejo uma pessoa à minha frente especialmente vulnerável, vítima de uma grande injustiça, penso que podia ser eu.
Não se sente a ser intrusiva no papel enquanto observadora?
Há várias sensações de intrusão. Claro que uma é quando se entra pela casa das pessoas. Vou entrar pela casa das pessoas adentro, pelas misérias deles adentro, ser espectadora das dificuldades que eles têm? Mas deparei sempre com uma grande generosidade. A missão era desenhada em Genebra e iam sempre muitos funcionários comigo, mas quando ia para os bairros de lata eu dizia-lhes que comigo eles não entravam. Ficavam à porta do bairro. Tinha de fazer sempre um bocadinho de birra com eles, que se a presença deles fosse impedir o meu trabalho. Quem é que me ia abrir a porta com não sei quantos capangas da ONU atrás? Ninguém.
Alguma vez teve medo?
Tive medo no Egipto quando tinha à minha volta toda a parafernália de segurança. Lembro-me de entrar no hotel onde estava a dormir e um segurança perguntar quem eu era e dizer que a guarda republicana queria saber o número do meu quarto. Aí fiquei com medo. Outra intrusão é quando, no fim das missões, é preciso fazer relatórios. Quem sou eu, que acabei de chegar, passei lá uma ou duas semanas, falei com umas dezenas de pessoas para fazer o diagnóstico do país e dizer qual é a solução? É um bocadinho pretensioso, não é? Lembro-me de uma jornalista numa conferência de imprensa me dizer que eu não estava a dizer nada e novo...
O que perguntam nessas conferências de imprensa?
O que viu, o que a impressionou mais; se o Governo está a violar o direito humano à água e ao saneamento. No Egipto perguntaram-me se enquanto lá estive tinha bebido água da torneira ou da garrafa?
O que respondeu?
Não menti. Disse que bebi da garrafa porque mal cheguei o Governo deu-me instruções para só beber água da garrafa porque da torneira não era de qualidade. Na missão anterior tinha estado na Costa Rica e o Governo disse que podia beber água da torneira; a partir desse momento só bebi água da torneira; se tivesse diarreia, depois diria na conferência de imprensa. Era essa a minha política. Tive diarreia uma vez.
Neste trabalho imagino que a linguagem também fosse tabu.
Isto foi uma aprendizagem. Há tabus na sociedade.
Aprender a desmontar tabus linguísticos?
Exacto. Foi isso que comecei a aprender. Quando iniciei o mandato, percebi que é preciso chamar “os bois pelos nomes” sem isto estamos a esconder problemas. Sempre me educaram a não falar de chichi e cocó à mesa. Eu tinha muitas reuniões e havia sempre uma refeição oferecida pelo ministro para discutir a missão. Se fosse uma relatora especial sobre a educação, não havia problema. Ora, eu tinha o saneamento. Pensei: até ao momento do café falo de água; a partir do café falo de saneamento. Ao princípio era esta a minha atitude, mas era injusto. O saneamento normalmente é o maior problema e fica só para o café? Não há tempo suficiente. E quebrei. Eu própria me eduquei. A história da menstruação: lembro-me de falar com ministros homens e eles ficarem sem saber onde se haviam de enfiar, corados. Uma das coisas que passei a fazer sempre ao aterrar num sítio foi entrar numa loja e ver o preço dos pensos higiénicos, sempre. Ainda agora me dá para aí. Porque o conceito de saneamento engloba o de higiene e higiene engloba a higiene menstrual. Em Kiribati, uma mãe disse-me que a filha não ia à escola durante o período porque ou havia dinheiro para os pensos ou para o bilhete do autocarro da escola. Normalmente ficava uma semana em casa. Isto acontece em muitos sítios. No Quénia, no Senegal, no Bangladesh... as miúdas ficam uma semana por mês em casa porque têm o período. É preciso falar destes assuntos. Fala-se da acessibilidade financeira do direito à água e ao saneamento e normalmente em que é que os governos pensam? Nas contas da água. Têm de pôr um preço no esvaziamento das fossas sépticas e nos pensos higiénicos. É só mais de metade da população que usa pensos higiénicos!
Como é que estas funções mudaram o seu quotidiano?
Antes comprava água engarrafada. Onde isso já vai! Os meus filhos eram pequeninos, não percebiam o que é que eu fazia e diziam: “A mãe é chefe da água e quando estamos a escovar os dentes temos de fechar a torneira.”
Temos estado a falar de política internacional. A política nacional interessa-lhe?
Sim. Acho graça a desafios.
E se a desafiassem para ministra?
Aceitava para áreas que conheço, direitos humanos, ambiente, igualdade.
Por qualquer partido?
Humm... não. Pensava seriamente no assunto e achava interessante. Depois teria de ver as circunstâncias, as minhas linhas vermelhas, as coisas que para mim são inaceitáveis e as muito importantes.
Quais são as questões fundamentais?
Um governo que não tenha como prioridade a promoção de direitos humanos, que não tenha como alicerce importante a realização progressiva dos direitos sociais seria um problema — não ter posições progressistas nestas áreas. Por exemplo, o que já cá tivemos, a falta de respeito pela Carta das Nações Unidas.
Quando foi a Cimeira das Lajes, eu era assessora de um secretário de Estado e toda a gente no ministério me chamava “a comunista” por ser a única pessoa que dizia que aquilo era contra o direito internacional. Isso para mim são linhas vermelhas claras. Acho que temos tido no plano internacional uma postura de promoção de direitos humanos, e devíamos continuar com isso. A questão da igualdade de sexos, a promoção dos direitos das mulheres. Na parte ambiental, a mesma coisa. Estamos a ter políticas progressistas em termos ambientais ou estamos a desinvestir? Desinvestimento em direitos sociais adquiridos é coisa que me complicaria o sistema. Sei que quando há restrições orçamentais é preciso fazer escolhas complicadas, é preciso que as medidas sejam sempre examinadas à lupa da questão das desigualdades. Esta política vai exacerbar ou diminuir? Qualquer política que seja adoptada tem de ter por objectivo diminuir as desigualdades. Mas ninguém me convidou para nada.