Antagonista, o nosso herói
Mais do que de heróis, precisamos de vilões. E o mundo tem-nos dado alguns. De Herodes a Gengis Khan, de Calígula a Hitler, das segundas-feiras a qualquer árbitro de futebol, são muitos os antagonistas que se nos opõem. E isso não deixa de ser estranho
O antagonista é aquele que se opõe a algo. Não tem de ser uma pessoa, não tem, sequer, de ser um ser. Pode ser uma ideia, uma emoção, o que for, desde que represente a força opositora contra a qual o protagonista tem de lutar. E esta luta protagonista versus antagonista é uma luta de sempre, nascida da luta dicotómica que nos vai existindo ao longo da existência entre o bem e o mal.
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O antagonista é aquele que se opõe a algo. Não tem de ser uma pessoa, não tem, sequer, de ser um ser. Pode ser uma ideia, uma emoção, o que for, desde que represente a força opositora contra a qual o protagonista tem de lutar. E esta luta protagonista versus antagonista é uma luta de sempre, nascida da luta dicotómica que nos vai existindo ao longo da existência entre o bem e o mal.
Mas isto do bem e do mal existe verdadeiramente? E seremos nós protagonistas ou antagonistas? Estaremos confinados a tais definições? Existindo, sendo ou estando, há sempre um antagonista.
Na ficção, é ele a alavanca que faz o herói ser herói. O que seria do Batman sem o Joker? Qual seria a importância do homem-morcego se o palhaço não fosse tão complexo no poder que exerce? O Batman não seria tão herói se o Joker não fosse tão vilão. E quem fala do Joker fala do Darth Vader, do Hannibal Lecter, do Lex Luthor e de tantos outros.
“Quem luta contra nós reforça os nossos nervos e aguça as nossas habilidades. O nosso antagonista é quem mais nos ajuda”. A frase é de Edmund Burke, filósofo e político emblemático do século XVIII, e reforça esta ideia: a de que o antagonista é essencial para o desenrolar da história que, no caso da realidade, se chama vida.
A vida está carregadinha deles. Os Estados Unidos, por exemplo, são exímios na arte da criação de vilões. Rússia, Iraque, Al Qaeda ou Estado Islâmico são apenas alguns do vasto leque que lhes permite manter-se como a maior potência mundial e líder do “mundo livre” — um estatuto que alcançou após um dos momentos mais sangrentos e de maior desenvolvimento tecnológico da história mundial, a Segunda Grande Guerra. Aliás, os EUA não só investem na luta como também — e talvez essencialmente — na manutenção de um alvo a abater.
Ser herói per se não existe, ser herói sem vilão é ser não-herói. É o antagonista que faz o protagonista. Está escrito em todos os (bons) manuais de guionismo. "Numa história, deve ser o antagonista a comandar as operações. O protagonista apenas reage à acção do antagonista”, Robert McKee, um dos gurus da escrita de guião.
Talvez por isso o mundo gire tanto em torno do opositor, do mau, do vilão. Basta ligar a televisão e, mais do que explicações, procuramos culpados. Ter um antagonista declarado ajuda-nos a apontar armas a um alvo específico, tendo um objectivo. A ausência de objectivo deixa-nos ao deus dará. Precisamos do ódio para nos equilibrar o amor. Precisamos do não para nos equilibrar o sim. Precisamos desta certeza de equilíbrio universal.
E o universo português é paradigmático desta importância vital do antagonista. O nosso sangue melancólico talvez ajude, na medida em que nos coloca constantemente em situação de vítima perante o outro, seja ele o Governo, o patrão, o árbitro ou a saudade. Não nos faltam antagonistas para combater. Só nos falta sermos heróis. É o nosso fado.