As carreiras profissionais e a defesa do Serviço Nacional de Saúde
Retomar o sistema de carreiras profissionais é a forma mais correta de defender por dentro o SNS. Manter o atual sistema de ausência de carreiras profissionais é continuar a permitir a destruição insidiosa do SNS.
Desde há mais de década e meia, tenho vindo a defender junto dos meus alunos da disciplina de Economia e Gestão de Serviços de Saúde, que desde a Reforma Hospitalar de 1968 e a Reforma Sanitária de 1971 até à data há um conjunto de aspetos que evoluiram para melhor e um — pelo menos, mas muito significativo — em que houve um retrocesso enorme. Enquanto os primeiros (v.g., criação de serviços de saúde de pessoal, gestão de listas de espera, sistema de sugestões e reclamações, serviços de voluntariado, a noção e defesa da gestão empresarial dos hospitais) ajudaram a criar (em 1979) e a consolidar o SNS, o último (o fim do sistema de carreiras profissionais) tem vindo a ajudar a destruir insidiosamente o SNS (dolosa ou negligentemente?).
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Desde há mais de década e meia, tenho vindo a defender junto dos meus alunos da disciplina de Economia e Gestão de Serviços de Saúde, que desde a Reforma Hospitalar de 1968 e a Reforma Sanitária de 1971 até à data há um conjunto de aspetos que evoluiram para melhor e um — pelo menos, mas muito significativo — em que houve um retrocesso enorme. Enquanto os primeiros (v.g., criação de serviços de saúde de pessoal, gestão de listas de espera, sistema de sugestões e reclamações, serviços de voluntariado, a noção e defesa da gestão empresarial dos hospitais) ajudaram a criar (em 1979) e a consolidar o SNS, o último (o fim do sistema de carreiras profissionais) tem vindo a ajudar a destruir insidiosamente o SNS (dolosa ou negligentemente?).
O sistema de carreiras profissionais de saúde foi justificado pelo legislador de 1971, no número dois do Preâmbulo do Decreto n.º 414/71, de 23 de setembro, nos seguintes termos: aceitou-se o princípio da organização de carreiras profissionais por corresponder ao método que se afigura mais apto para proporcionar, simultaneamente, estímulo e compensação dos esforços exigidos aos funcionários, a desejável justiça nos respectivos acessos e o criterioso rigor no recrutamento.
Frente ao desenvolvimento da ciência e ao progresso das técnicas, as actividades a promover no campo da saúde e da assistência social não se compadecem já com improvisações nem, por isso mesmo, com o preenchimento incondicionado dos cargos. Reclamam-se habilitações apropriadas à diferenciação de tarefas e uma actualização permanente, aliás segundo ritmos cada vez mais acelerados. Entretanto, as oportunidades oferecidas pela multiplicidade de opções patentes numa sociedade em crescimento conduzem, quase como regra, a privar o serviço público dos seus elementos mais qualificados ou, quando menos, a afectarem-no por um factor de inércia que importa, a todo o custo, evitar.
Daí pensar-se que a instituição de carreiras profissionais devidamente estruturadas e hierarquizadas, mercê do factor de segurança que o próprio método confere, permitindo a satisfação das legítimas expectativas até pela certeza antecipada da meticulosidade das escolhas a que dá lugar, designadamente pela imposição da observância de normas certas e conhecidas no recrutamento e promoção de funcionários, constitua meio importante para o aliciamento dos necessários valores e dinamização dos existentes, bem como para a reordenação e funcionalização das actuais estruturas e correcção dos seus vícios mais importantes.
Tenho defendido que tal fundamentação nunca deixou de ser válida, parecendo-me hoje não só mais válida do que nunca, como me parece o sistema de carreiras profissionais ser no presente o instrumento mais adequado para defender (os que defendem o sistema de carreiras) ou destruir (os que pretendem manter o atual sistema de ausência de carreiras) o SNS.
De facto, ver profissionais há 15 anos (o sistema de carreiras começou a ser posto em causa sobretudo a partir de 2002 com a criação dos hospitais-empresa e com a introdução dos contratos individuais de trabalho na Função Pública) com a mesma “categoria”, a mesma remuneração, uma total ausência de perspetivas, um enquadramento inadequado, a diluição de responsabilidades, o desincentivo à formação profissional e ao melhoramento técnico, entre outros inconvenientes, não só não é bom para os profissionais, como não é bom para os serviços, parecendo mesmo perigoso para o Serviço Nacional de Saúde. Pelo que acarreta, neste caso, nomeadamente, de perda de qualidade dos serviços, de desmotivação profissional, de enfraquecimento da autoridade formal, em última instância, pela manifestação de sinais de uma certa anarquia organizacional e funcional.
Em defesa do SNS, reponha-se com urgência o sistema de carreiras profissionais de saúde: de administração hospitalar, médica, técnica superior de saúde, de enfermagem, de serviço social, técnico-profissionais, serviços gerais e outras.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico