Lavagem de dinheiro: TAP ficou a dever 10 milhões a Angola

A TAP ficou a dever dez milhões de euros a uma subsidiária da Sonangol por causa de um esquema de corrupção montado em benefício das finanças pessoais de dirigentes da petrolífera angolana, com a ajuda de um administrador da transportadora aérea portuguesa.

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Ex-CEO da Sonangol, Francisco José Lemos Maria, terá sido um dos beneficiados com as verbas que circularam através da TAP

A acusação foi deduzida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) contra sete arguidos (três advogados e quatro pessoas ligadas à TAP) pelos crimes corrupção activa com prejuízo no comércio internacional, branqueamento e falsificação de documentos. E descreve como a transportadora aérea angolana Sonair, que pertence à Sonangol, pagou elevadas somas à TAP durante cerca de quatro anos, até 2013, para que esta lhe fizesse a manutenção aos aviões. Acontece, segundo o Ministério Público, que nenhum serviço foi prestado: “A Sonair nunca exigiu a prática de qualquer trabalho de manutenção dos motores das aeronaves, pois, na realidade, não se pretendia a realização dessa prestação contratual”.

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A acusação foi deduzida pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) contra sete arguidos (três advogados e quatro pessoas ligadas à TAP) pelos crimes corrupção activa com prejuízo no comércio internacional, branqueamento e falsificação de documentos. E descreve como a transportadora aérea angolana Sonair, que pertence à Sonangol, pagou elevadas somas à TAP durante cerca de quatro anos, até 2013, para que esta lhe fizesse a manutenção aos aviões. Acontece, segundo o Ministério Público, que nenhum serviço foi prestado: “A Sonair nunca exigiu a prática de qualquer trabalho de manutenção dos motores das aeronaves, pois, na realidade, não se pretendia a realização dessa prestação contratual”.

Para fazer com que os dinheiros públicos angolanos fossem parar às mãos de pessoas ligadas ao universo Sonangol, escreve o procurador Carlos Casimiro - que se tornou titular deste processo depois de o seu colega Rosário Teixeira ficar adstrito em exclusividade à Operação Marquês – foi criada uma empresa de fachada sediada em Inglaterra, a Worldair, que funcionava como intermediária entre as duas transportadoras aéreas, cobrando por isso uma comissão anormalmente elevada: apesar de desconhecida no mercado aeronáutico, os seus serviços de consultoria custavam 74% do valor total dos contratos em causa.

Empresa de fachada

“A Worldair não possui uma estrutura própria para a prestação de quaisquer serviços – limitando-se a proceder à emissão de facturas – e os pagamentos que recebe são depois repartidos por diversas contas de entidades em offshore cujos beneficiários finais são pessoas conexas com a Sonangol”, pode ler-se na acusação, que explica que a empresa não é sequer conhecida no ramo aeronáutico. De resto, a consultora, que é propriedade de um advogado português a residir em Espanha, considerado pelas autoridades o verdadeiro cérebro de todo o esquema, só passou a trabalhar formalmente para a companhia aérea angolana já depois de a TAP a ter contratado como intermediária do negócio com a Sonair.

“Ao possibilitar meios financeiros a essas pessoas [ligadas à Sonangol], os promotores do esquema [os advogados] desenvolveram uma forma de esses fundos serem aplicados na aquisição de imóveis. Em Almancil e no Parque das Nações foram compradas fracções em nome de sociedades nacionais constituídas com base nas sociedades offshore beneficiárias do esquema”, explicita o DCIAP, citando casas de 300 mil euros a 1,3 milhões de euros compradas por sociedades como a Wildsea, Ka Lumba ou Corelli que, através de locais como as Seychelles, reintroduziam assim o dinheiro na economia portuguesa, permitindo depois a sua utilização.

Outra parte do dinheiro ia para contas bancárias de instituições financeiras sedeadas em Portugal, e que, tal como no caso dos imóveis, foram apreendidas pelas autoridades nacionais. Várias das empresas mencionadas na investigação surgem referidas nos Panama Papers.

Entre os últimos beneficiários identificados incluem-se o ex-presidente executivo da Sonangol, Francisco José Lemos Maria, dois antigos administradores da petrolífera, Mirco Martins, enteado do actual vice-presidente de Angola e ex-CEO da Sonangol, Manuel Vicente, e Zandre Finda, dado como ligado aos negócios do General Manuel Vieira Dias (“Kopelipa”), chefe da Casa Militar do presidente angolano, José Eduardo dos Santos.  

TAP recebeu 25 milhões e pagou 10

Ao todo, terão entrado 25 milhões na TAP, vindos da Sonair, dos quais 18 milhões tinham como destino a Worldair, por serviços de consultoria. Desses 25 milhões, 21,6 milhões foram pagos até Março de 2013, tendo mais 3,5 milhões sigo pagos em Junho. No entanto, nesse ano, na sequência da investigação da Polícia Judiciária, que levou a três auditorias internas da TAP ligadas aos contratos com a Sonair e com a Worldair, a transportadora área portuguesa cessou os pagamentos a esta última entidade.

Ao todo, a TAP acabou por entregar o total de 9,9 milhões de euros à Worldair (metade do que ficara inicialmente acordado), que fez circular esse dinheiro a favor das personalidades ligadas à Sonangol. No final de 2013, a TAP reconheceu terem sido pagos pela transportadora aérea angolana serviços não prestados, pelo que, atesta o Ministério Público, com base em informações da própria transportadora portuguesa, “se chegou a um acordo pelo qual a TAP prestará serviços à Sonair no valor do respectivo crédito”, de dez milhões de euros.

Caso não tenha sido renovado, o contrato terá acabado no passado mês de Julho (após uma prorrogação). E, pelo menos até ao início deste ano, “nunca vieram a ser exigidos quaisquer serviços de manutenção ou reparação das aeronaves”. Se for esse o cenário final, isso significa que TAP acabou por não ter de prestar serviços à Sonair, assumindo a empresa da Sonangol o prejuízo da saída ilícita de dinheiro.

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Esquema terá sido feito à revelia do presidente executivo da TAP, Fernando Pinto, que Miguel Manso

Custos passam a “despesas confidenciais”

Para já, o que se sabe é que o conselho de administração liderado por Fernando Pinto, quando a empresa ainda era 100% do Estado português, levou os custos desta operação a “despesas confidenciais”, com “todas as consequências fiscais” inerentes. O PÚBLICO enviou várias questões à TAP, que ficaram sem resposta até ao fecho deste artigo.

De acordo com o Ministério Público, o esquema de lavagem de dinheiro teve a participação de quatro trabalhadores da TAP: Fernando Jorge Sobral (membro do conselho de administração até Agosto de 2013), Vítor Pinto, José dos Santos e Pedro Pedroso. Os quatro ex-responsáveis afirmaram sempre que a sua actuação “era em nome e no interesse da TAP”. E justificam a contratação da intermediária Worldair como tendo-lhes sido imposta pela Sonair como condição para contratarem a companhia aérea portuguesa. Interrogado pela Polícia Judiciária, Fernando Sobral assegurou que a TAP prestou mesmo serviços à congénere angolana – embora não tenham sido serviços físicos.

Miguel Coelho, João Correia e Ana Paula Ferreira foram os advogados constituídos arguidos. Terão sido eles a montar a estratégia de circulação de dinheiro entre a Worldair e os últimos beneficiários ligados à Sonangol, passando pelas offshores. No caso do contrato entre a TAP e a Sonair, este foi assinado por Fernando Sobral, em representação da TAP. A empresa, segundo a acusação, desconhecia o esquema montado, embora tenha chegado a ser constituída arguida. Mas acabou por ser ilibada, até porque Fernando Sobral nunca submeteu os contratos em causa à aprovação do seu conselho de administração executivo, como devia ter feito, uma vez que eram superiores a um milhão de euros. Já o contrato com a Worldair foi assinado por Vítor Pinto (director-geral de manutenção) e José João Santos.

O Ministério Público descobriu ainda que tanto a alemã  Lufthansa como a francesa Heli-Union terão sido igualmente usadas pela Worldair num esquema com contornos do mesmo género, tendo alertado as autoridades daqueles países.