Temer salvou-se e agora vai ter de pagar a factura
O Presidente do Brasil interpretou a votação da Câmara dos Deputados a favor do arquivamento do processo por corrupção como um mandato para avançar a sua agenda reformista. Deputados não deixarão de exigir concessões para se manter ao lado do Governo.
Michel Temer está optimista, o Governo está optimista, o Congresso está optimista e os mercados estão optimistas – que o arquivamento da denúncia contra o Presidente do Brasil, acusado de corrupção passiva pelo Ministério Público na sequência de uma delação da mega operação Lava Jato, garanta uma nova dinâmica à agenda reformista em que o chefe de Estado e os seus aliados sustentam as suas expectativas de transformar o país e manter-se no poder.
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Michel Temer está optimista, o Governo está optimista, o Congresso está optimista e os mercados estão optimistas – que o arquivamento da denúncia contra o Presidente do Brasil, acusado de corrupção passiva pelo Ministério Público na sequência de uma delação da mega operação Lava Jato, garanta uma nova dinâmica à agenda reformista em que o chefe de Estado e os seus aliados sustentam as suas expectativas de transformar o país e manter-se no poder.
Aparentemente, todos ganharam com a decisão que evitou uma nova dança de cadeiras em Brasília. “Foi uma vitória clara, eloquente e incontestável do Estado de direito”, considerou Michel Temer, depois de mais de metade da Câmara dos Deputados se ter pronunciado contrária à continuidade das investigações e ao julgamento do Presidente, que assim seria afastado do cargo por um período de 180 dias. Para o Presidente e a sua base aliada no Congresso, o resultado da votação – 263 parlamentares foram contra o processo, e 227 a favor – fez prova da força política de Michel Temer, que encarou o placard, “muito acima da maioria absoluta”, como um mandato para avançar com as suas “ousadas reformas estruturantes” para a modernização do Brasil.
“Não parei um minuto desde que assumi o Governo, e não descansarei até encerrar o mandato”, prometeu Temer. Para não desperdiçar o élan, vários ministros e outros porta-vozes do Planalto inundaram os jornais brasileiros com declarações sobre o seu firme propósito de fazer aprovar o quanto antes as chamadas reformas previdenciária e tributária – dois pacotes complexos e que implicam mexidas constitucionais –, cujo objectivo é recuperar da crise económica e promover a paz social. “Venceu a energia positiva que está a tirar o Brasil da unidade de cuidados intensivos”, congratulou-se o vice-líder do Governo na Câmara, Darcísio Perondi.
Preço da lealdade
Essa é a mensagem que agrada aos investidores e empresários, que apostaram todas as fichas na capacidade de o Governo inverter as políticas económicas ortodoxas do tempo do Partido dos Trabalhadores (PT). Também serve os propósitos do Congresso, que ficou em posição fortalecida para pressionar o Governo. Tal como Temer, o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, que está a assumir uma preponderância cada vez maior na arena política brasileira, fez uma comunicação ao país após a votação: “O importante foi que a Câmara tomou uma decisão. Mas temos um longo caminho pela frente”.
Desiluda-se quem acreditava que depois de ultrapassar este obstáculo, o Governo tinha o caminho aberto para impor as suas políticas e o terreno limpo de armadilhas: o percurso do Presidente nos 17 meses que faltam até ao fim do mandato será feito sobre brasas, em território minado. “Vitória de Temer na Câmara custa caro”, resumiu o Valor Económico, lembrando o óbvio: nenhum dos deputados que permaneceu do lado do Governo vai deixar de cobrar as benesses prometidas (dinheiro e cargos) para travar o processo judicial contra o Presidente. “A matemática para manter a lealdade da coligação governista até ao fim de 2018 será complexa”, dizia a Folha de São Paulo.
Apoio frágil
Depois de venderem caro o seu voto para salvar o Presidente, as bancadas vão exigir mais concessões, sobretudo quando chegar a hora de votar leis francamente impopulares, como a da reforma da segurança social. Precisam de ter alguma contrapartida para oferecer aos seus eleitores na campanha que se aproxima, porque o que os inquéritos mostram é que, nas actuais circunstâncias, o apoio a Temer prejudica as suas aspirações eleitorais: 79% dos eleitores dizem que não votarão nos deputados que apoiaram o Presidente.
A maioria parlamentar absoluta que tanto anima Temer esconde, na verdade, a posição precária em que se encontra o Governo, que para aprovar as suas reformas precisa de 308 votos, Ora somando aos apoios de quarta-feira as ausências e abstenções, só se chega aos 284 votos, um número que devia preocupar o Presidente, nitidamente desgastado pelo escândalo de corrupção. O suporte do Governo no Oarlamento, que era de 80% há um ano caiu para 51%, não há margem de manobra e de erro. Mas também não há dinheiro: com os cofres públicos esvaziados, e um programa de austeridade que não pode deixar de cumprir, como vai Michel Temer pagar a factura?