Há moscas como nunca na Comporta e a culpa é do estrume

O uso de estrume proveniente de aviários na adubagem de quase 600 hectares de hortícolas na zona da Comporta está a transformar o dia-a-dia das daqueles que moram em Alcácer e Grândola num “flagelo”.

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O recurso a estrume de aves para fertilizar os quase 600 hectares de solo arenoso na herdade de Monte Novo do Sul, na Comporta, propriedade da empresa Cropinvest — Agrícola, foi o elemento catalisador de uma praga de moscas que está a transformar “num inferno” o dia-a-dia da população residente e visitantes dos concelhos de Alcácer do Sal e de Grândola. As queixas não são de hoje mas este ano parece estar particularmente profícuo em mosquedo.

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O recurso a estrume de aves para fertilizar os quase 600 hectares de solo arenoso na herdade de Monte Novo do Sul, na Comporta, propriedade da empresa Cropinvest — Agrícola, foi o elemento catalisador de uma praga de moscas que está a transformar “num inferno” o dia-a-dia da população residente e visitantes dos concelhos de Alcácer do Sal e de Grândola. As queixas não são de hoje mas este ano parece estar particularmente profícuo em mosquedo.

É, sobretudo, no sector da restauração que mais se sente o impacto da proliferação de moscas, como é o caso do Restaurante “A Folha”, na Comporta. “Durante o dia é insuportável. Temos sempre a sala das refeições cheia de moscas”, contam. E por mais esforços e medidas que se tomem, “não se consegue evitar que os clientes sejam incomodados”, refere uma funcionária do estabelecimento.

Também no aldeamento turístico da Herdade de Montalvo, as consequências desta praga têm um impacto acrescido dada a sua proximidade ao local onde está a ser depositado o estrume. “Estamos a ter mais moscas que em anos anteriores e o cheiro é pestilento”, garante Vera Piriquito, uma das responsáveis do empreendimento, referindo que esta situação já começou a sentir-se no Verão passado mas está agora a repetir-se “com uma intensidade muito maior”.

Na freguesia vizinha do Carvalhal, o cenário não é diferente. “As nuvens de moscas são uma coisa louca”, comenta Luísa Donatilia, acrescentando que a praga incomoda as pessoas “dia e noite”. Mas apesar de o problema persistir há mais de um mês, “poucos conhecem a sua causa”, refere, por sua vez, Emília Gonçalves, residente na Comporta, adiantando ao PÚBLICO que as moscas “são tantas que nem permitem usufruir da tranquilidade de uma esplanada”.

A Câmara de Alcácer do Sal, questionada pelo PÚBLICO sobre a dimensão do fenómeno, confirmou a ocorrência e diz “acompanhar as preocupações das populações”, facto que já deu a conhecer ao vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDRA), Jorge Pulido Valente.

Vulgar mosca doméstica

Através de comunicado, a Câmara de Alcácer do Sal dá conta de que houve uma averiguação no terreno que reuniu técnicos da Unidade de Saúde Local, do Ministério do Ambiente e dos serviços de Sanidade Animal e profissionais da autarquia. Apurou-se que a situação deverá estar relacionada com práticas agrícolas intensivas na zona e na utilização de “lamas ou estrumes para fertilizar os solos”. Os insectos recolhidos foram enviados para o Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge e os resultados da análise revelam “tratar-se da vulgar mosca doméstica”.

Por sua vez, a CCDRA confirmou ao PÚBLICO que foi referenciado “um anormal e enorme aumento do número de moscas, na Herdade de Montalvo”, mas o relatório da delegada de Saúde de Alcácer do Sal “não apontou para a existência de perigo imediato e directo para a saúde pública”.

A origem do fenómeno estará Herdade do Monte Novo do Sul, presume a CCDRA, mas adianta que vai ser necessário “uma acção mais alargada e aprofundada” até que esta hipótese possa confirmada.

Por se tratar de um “fenómeno agudo”, a CCDRA defende a criação, “desde já, de um grupo de trabalho que integrasse todas as entidades envolvidas na investigação e a Universidade de Évora para que se possa apurar se na sua origem estão apenas causas naturais ou alguma intervenção humana potenciadora”. Por precaução, foi notificado o proprietário da Herdade do Monte Novo do Sul para proceder à “remoção de restos de batata destinados à compostagem e à limpeza do terreno”.

Para a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), os problemas ultrapassam a anormal “produção” de moscas, apontando à Cropinvest situações de “incumprimento da Declaração de Impacte Ambiental e de títulos de utilização de recursos hídricos.”

No documento a que o PÚBLICO teve acesso, a APA faz referência ao resultado de uma investigação que efectuou recentemente na Herdade Monte Novo do Sul e que veio confirmar que na área do projecto agrícola se “verificam extracções de volumes de água superiores aos estimados”. A fiscalização verificou ainda que estão a ser utilizadas ilicitamente captações de água subterrânea para rega pois todas estas só tinham licenças de pesquisa, emitidas pela APA/ARH do Alentejo, cujas datas de validade se encontram já expiraram.

Além desta utilização potencialmente gravosa dos recursos hídricos subterrâneos, consta da referida denúncia a utilização de “volumes elevados de estrume de origem avícola que não é incorporado no solo, potenciando o desenvolvimento de insectos”, conclui a informação da APA.

No Despacho n.º 5375, publicado em 13 de Abril de 2016, a secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, Célia Ramos, e o secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural, Amândio José de Oliveira Torres, enalteceram o projecto agrícola que a Cropinvest — Agrícola, Lda, se propunha desenvolver. Este, acentuava o despacho, “assenta na agricultura biológica, assim contribuindo para a sustentabilidade ambiental, uma vez que as técnicas a utilizar se encontram na vanguarda de uma agricultura verde, amiga do ambiente”.

O PÚBLICO solicitou esclarecimentos sobre a praga das moscas ao Ministério da Agricultura, mas não foi prestado qualquer esclarecimento. Não foi possível contactar a empresa.