Introdução aos clássicos
Um percurso pessoal, idiossincrático, mas irresistível e irresistivelmente cinéfilo por um cinema francês que anda injustamente esquecido: Bertrand Tavernier e Uma Viagem pelo Cinema Francês
Assistente de realização de Jean-Pierre Melville, assessor de imprensa do produtor de Godard e Chabrol Georges de Beauregard, e finalmente realizador, de filmes como O Juíz e o Assassino, Justiceiro por Conta Própria, Depois da Meia-Noite ou A Filha de d’Artagnan. Mas também enorme admirador de jazz, cinéfilo aberto e eternamente curioso, verdadeira memória viva do cinema francês. Por isso tudo, talvez não houvesse outro nome como Bertrand Tavernier para nos propôr precisamente uma viagem a essa memória, e a um período da produção francesa que teve espaço quase igual às produções americanas nas salas portuguesas. É por aí que Uma Viagem pelo Cinema Francês se ganha: Tavernier não quer fazer uma narrativa “institucional”, cronológica, histórica do cinema francês do século XX. Em vez disso, propõe-nos, ao longo de mais de três horas, um “guia de leitura”, balizado pela sua experiência cinéfila e pelas suas preferências pessoais como “filho da Libertação [de Paris] e da Cinemateca [Francesa]” e cinéfilo militante desde muito jovem.
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Assistente de realização de Jean-Pierre Melville, assessor de imprensa do produtor de Godard e Chabrol Georges de Beauregard, e finalmente realizador, de filmes como O Juíz e o Assassino, Justiceiro por Conta Própria, Depois da Meia-Noite ou A Filha de d’Artagnan. Mas também enorme admirador de jazz, cinéfilo aberto e eternamente curioso, verdadeira memória viva do cinema francês. Por isso tudo, talvez não houvesse outro nome como Bertrand Tavernier para nos propôr precisamente uma viagem a essa memória, e a um período da produção francesa que teve espaço quase igual às produções americanas nas salas portuguesas. É por aí que Uma Viagem pelo Cinema Francês se ganha: Tavernier não quer fazer uma narrativa “institucional”, cronológica, histórica do cinema francês do século XX. Em vez disso, propõe-nos, ao longo de mais de três horas, um “guia de leitura”, balizado pela sua experiência cinéfila e pelas suas preferências pessoais como “filho da Libertação [de Paris] e da Cinemateca [Francesa]” e cinéfilo militante desde muito jovem.
Concentra-se nos 30 anos que vão dos anos pré-Segunda Guerra Mundial ao arranque da Nouvelle Vague (muito latamente 1930-1960, mas “picando” produções anteriores ou posteriores); cruza nomes consagrados como Jacques Becker, Marcel Carné, Jean Gabin, Melville ou Jean Renoir com outros menos (re)conhecidos como John Berry, Edmond Gréville ou Jean Sacha e contemporâneos como Godard e, sobretudo, Claude Sautet. São os anos do “cinéma de papa”, supostamente aburguesado e confortável, contra o qual a Nouvelle Vague se viria a erguer, que Tavernier percorre de modo ao mesmo tempo idiossincrático e acessível, com excertos alargados de filmes mais ou menos conhecidos, que vão das obras-primas de Renoir e Melville às experiências de Gréville e aos polars com Eddie Constantine ou Gabin. É um período insuficientemente recordado que o cineasta mina com conhecimento e sem sobranceria, com uma capacidade de comunicação e um desejo irresistível de dar a conhecer que quase nos obrigam a ir à procura destes filmes que, infelizmente, não se encontram facilmente entre nós.
É esse o problema principal de Uma Viagem pelo Cinema Francês: o lado quixótico, de dever de memória, que o filme transporta e transborda é uma coisa numa França que ainda vai protegendo a memória cultural, e é outra completamente diferente num país como o nosso, onde o cinema francês perdeu o impacto que ainda não há muitos anos tinha, os clássicos são de acesso impossível fora de uma Cinemateca ou das partilhas online com maior ou menor ilegalidade, e a própria obra de Tavernier (que, é verdade, foi sempre cineasta mais sólido do que inspirado) deixou de ser vista com regularidade. Ainda existirá, em Portugal, público para quem O Atalante e A Grande Ilusão, Aquela Loura e O Exército das Sombras, Ofício de Matar e As Coisas da Vida sejam referências reconhecíveis? Gostávamos de acreditar que sim; e gostávamos que, para aqueles que não os reconheçam, houvesse a possibilidade de ir à procura e de encontrar e descobrir estes filmes. Será, talvez, um desejo tão quixótico como o que motivou a feitura desta Viagem, mas não deixa por isso de ser um convite, irrecusável, à descoberta de um cinema esquecido para o qual Bertrand Tavernier prova ser um guia feliz.