Estranhos de passagem
Em António & Catarina, o encontro casual entre um homem e uma mulher torna-se num documentário sobre a criação de uma relação
Já não é surpresa a dimensão cada vez mais globalizada do cinema contemporâneo, com realizadores de todo o mundo a filmarem fora dos seus países natais. A única entrada portuguesa a concurso na secção de curtas de Locarno, Pardo di Domani, é prova disso. Produção portuguesa da Terratreme Filmes, António & Catarina foi filmado em Lisboa por uma realizadora romena, Cristina Hanes, no âmbito do DocNomads, um mestrado pan-europeu de cinema documental que leva os seus alunos também à Bélgica e à Hungria. “É um filme que vai para além de nacionalidades,” explica Cristina Hanes, por Skype da sua Roménia natal. “Não penso nesses termos, porque no DocNomads somos todos estrangeiros. O Augusto foi um dos primeiros portugueses que conheci, e isso acabou por lhe permitir abrir-se mais comigo. Ele via-me como uma pessoa misteriosa vinda de outro país que não conhecia. Eu sentia a mesma coisa para com ele.”
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Já não é surpresa a dimensão cada vez mais globalizada do cinema contemporâneo, com realizadores de todo o mundo a filmarem fora dos seus países natais. A única entrada portuguesa a concurso na secção de curtas de Locarno, Pardo di Domani, é prova disso. Produção portuguesa da Terratreme Filmes, António & Catarina foi filmado em Lisboa por uma realizadora romena, Cristina Hanes, no âmbito do DocNomads, um mestrado pan-europeu de cinema documental que leva os seus alunos também à Bélgica e à Hungria. “É um filme que vai para além de nacionalidades,” explica Cristina Hanes, por Skype da sua Roménia natal. “Não penso nesses termos, porque no DocNomads somos todos estrangeiros. O Augusto foi um dos primeiros portugueses que conheci, e isso acabou por lhe permitir abrir-se mais comigo. Ele via-me como uma pessoa misteriosa vinda de outro país que não conhecia. Eu sentia a mesma coisa para com ele.”
É essa relação entre dois estranhos que aprendem a conhecer-se, construída durante três anos, que António & Catarina documenta ao longo de 40 minutos, pacientemente montados durante um ano partir de longas horas de rushes: “Filmámos todos os nossos encontros. Foi esse o 'contrato' que fizemos, sem saber onde nos levaria.” Saímos do filme sem saber quem é realmente o homem que está em praticamente todos os seus planos: Augusto Martinho, 70 anos, sotaque nortenho, conhecedor de Balzac, falecido há poucas semanas. De onde vem, porque mostra remorsos por ter deixado para trás uma vida e um passado, porque vive neste pequeno quarto numa parte velha de Lisboa? O filme não o diz. “Falámos muitas vezes da sua vida, mas eu sabia que era algo que não devia entrar no filme,” diz a realizadora. “Para mim ele era um mistério por resolver. O que quis trazer para a frente foi o jogo que estávamos a jogar, em que mostrávamos as nossas fragilidades um ao outro, assumindo outras identidades.” Augusto passa a António – o nome que assume quando sai à rua; Cristina torna-se Catarina, a “sua única amiga” do sexo feminino.
Na corda bamba da exposição pessoal, António & Catarina foi influenciado pelas novas experiências dos cinemas do real que Cristina encontrou durante o seu mestrado - “colocar-me a mim própria dentro do filme, partilhar as minhas vulnerabilidades, sempre me atraíu” - mas também pela própria inspiração de Augusto. “Tivemos uma conversa de cinco horas em que ele não me falou muito de si, mas sentimos que tínhamos de nos voltar a encontrar. Voltámos a encontrar-nos e ele disse-me, 'vamos dar as mãos e fingir que estamos em Paris'. Essa ideia deu-me liberdade para filmar de outro modo.” António & Catarina torna-se, então, num documentário sobre a construção de uma relação - “como conseguimos ressoar um com o outro, descobrir-nos a nós próprios, face à câmara. Como se estivéssemos a assistir a uma relação que se constrói entre dois estranhos.”