O La Gondola, restaurante "irrepetível" de Lisboa, fecha esta semana
Há dois anos que este dia está para chegar: o emblemático espaço da Av. Berna despede-se da capital. Montepio, que é o dono do terreno, quer ali construir um edifício de escritórios. Há uma petição para tentar salvar o restaurante.
Lá fora chove – eis uma frase atípica para o último dia de Julho em Lisboa. Mas é mesmo assim: lá fora chove, cá dentro é outro mundo. A grande buganvília do pátio, entrelaçada com uma roseira que se estende até à portinhola, as glicínias verdejantes e a ameixoeira já sem fruto criam uma atmosfera pouco comum, imune aos humores do tempo e à vida da cidade.
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Lá fora chove – eis uma frase atípica para o último dia de Julho em Lisboa. Mas é mesmo assim: lá fora chove, cá dentro é outro mundo. A grande buganvília do pátio, entrelaçada com uma roseira que se estende até à portinhola, as glicínias verdejantes e a ameixoeira já sem fruto criam uma atmosfera pouco comum, imune aos humores do tempo e à vida da cidade.
É a esplanada do La Gondola, restaurante da Avenida de Berna, acarinhado por sucessivas gerações de lisboetas, que teve nas cozinhas italiana e portuguesa a base da sua fama. O La Gondola fecha ao público no próximo domingo, 6 de Agosto. O terreno onde se encontra o restaurante pertence ao Montepio, que vai demolir a moradia branca de janelas amarelas para construir um edifício de escritórios.
A dona do espaço há cerca de vinte anos é Júlia Ribeiro, que lamenta este desfecho. “Isto faz parte do nosso colectivo emocional. É irrepetível”, diz, já no fim da conversa, quando se levanta a hipótese de continuar o projecto noutro local. O La Gondola é um restaurante, sim, mas é mais do que isso. “Não é apenas um refúgio, é um estado de espírito”, como certa vez escreveu um crítico gastronómico mistério na revista Sábado, que afinal é cliente assíduo da casa. “Procurei um espaço com estas características, não apareceu. E o que apareceu foi a preços incomportáveis”, explica Júlia Ribeiro, sentada a uma mesa daquela esplanada, onde quase se esquece o incessante barulho dos carros a passar.
O destino do La Gondola está escrito há vários anos. Em Julho de 2015, a Câmara Municipal de Lisboa e o Montepio chegaram a acordo para finalmente resolver um diferendo que se arrastava desde meados dos anos 80. Por permuta, a câmara recebeu duas parcelas na Praça de Espanha e a associação mutualista ficou dona de um terreno entre a Avenida de Berna e a Avenida Santos Dumont. É aí que fica o restaurante, numa casa arrendada à câmara desde 1951.
No contrato de permuta estabelecia-se que, apesar de os terrenos passarem imediatamente para a posse do Montepio, era à autarquia que cabia negociar o fim do contrato de arrendamento com Júlia Ribeiro. E, além disso, garantir “a efectiva desocupação do edifício de pessoas e bens até 31 de Dezembro de 2016”. Caso tal não acontecesse, dispunha o acordo, o município ficava “obrigado ao ressarcimento” do Montepio com “uma importância pecuniária” a rondar os 700 mil euros.
É Agosto de 2017 e ainda não houve a “efectiva desocupação do edifício de pessoas e bens” que devia ter acontecido até ao fim do ano passado. O PÚBLICO tentou, por isso, obter esclarecimentos junto da câmara e do Montepio. No início de Junho, o gabinete de comunicação da autarquia confirmou que foi o município a “negociar o acordo de revogação” com o La Gondola e que “o fez até 31 de Dezembro de 2016”. Informou igualmente que, apesar disto, ficou acordado “que seria o Montepio a articular os tempos de saída” do restaurante. Por fim, esclareceu que, tal como previa a cláusula do ressarcimento, a câmara já tinha pago um montante ao Montepio.
Na mesma altura, também a associação mutualista confirmou esse pagamento. O PÚBLICO perguntou então a ambas as entidades quanto é que a câmara tinha, de facto, pago. Mas, e apesar de várias insistências, as respostas não chegaram até ao fecho desta edição.
No terreno entre a Avenida de Berna e a Santos Dumont, onde actualmente está o La Gondola, vai ser construído um “edifício para serviços”, respondeu o gabinete de comunicação do Montepio em Junho – não confirmando, embora o PÚBLICO tenha perguntado, se o dito edifício se destinava a albergar a sede do banco e da companhia de seguros Lusitânia, como era intenção inicial.
“Negociei com a câmara e o Montepio a minha saída, para entregar a casa no fim de Agosto, com o reconhecimento verbal e escrito de que seria para construírem aqui a sede do Montepio”, diz Júlia Ribeiro, enquanto o sol já vai despontando por entre as ramagens. “Se isso não se cumprir, penso que a principal premissa do acordo cai por terra”, afirma a empresária, deixando em aberto a possibilidade de tomar outras acções mais tarde, caso se justifique.
Está entretanto a correr na internet uma petição contra a demolição da casa que o restaurante ocupa. Os peticionários – cerca de 1.300 ao fim da tarde desta segunda-feira – dizem que está em causa “a perda de identidade de Lisboa”, dado que este prédio chegou “solitária e praticamente inalterado” aos nossos dias, o que não aconteceu com centenas de outros da mesma época (início do século XX). Além disso, argumenta-se, o La Gondola “constitui uma loja com reconhecidas tradições, memória histórica e longevidade, que configura um candidato concreto e assertivo ao programa Lojas com História”. Os peticionários pedem que o restaurante seja incluído nesse programa, que determina a protecção patrimonial de espaços comerciais emblemáticos da cidade.