Estará pronta a Europa de Macron (e Costa) para futuros incêndios – financeiros?

Oxalá esteja enganado sobre a performance do primeiro-ministro de um país que, com 130% do PIB de dívida pública em euros, deveria ser o primeiro interessado em tornar a floresta do Euro mais sustentável.

O comunicado à saída do “almoço de trabalho” entre o Presidente Macron e o primeiro-ministro António Costa conseguiu, quanto à reforma da zona euro, ser extraordinariamente vago. Mais do que isso, as referências ao tema pareceram apenas um afterthought entre os elogios de Macron ao “virar de página”, à sua “emoção e solidariedade” quanto aos incêndios florestais, em relação aos quais defendeu uma “ação europeia mais coordenada”, e à grande preocupação com as “interconexões energéticas” (onde já vai a União Energética).

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O comunicado à saída do “almoço de trabalho” entre o Presidente Macron e o primeiro-ministro António Costa conseguiu, quanto à reforma da zona euro, ser extraordinariamente vago. Mais do que isso, as referências ao tema pareceram apenas um afterthought entre os elogios de Macron ao “virar de página”, à sua “emoção e solidariedade” quanto aos incêndios florestais, em relação aos quais defendeu uma “ação europeia mais coordenada”, e à grande preocupação com as “interconexões energéticas” (onde já vai a União Energética).

Decidiu-se, neste encontro, que Lisboa acolherá uma cimeira sobre este último tema em 2018. A grande preocupação com os incêndios ficou também patente, pois ficámos a saber que os dois países “vão trabalhar nas próximas semanas juntos” sobre a matéria.

Óptimo, mas a preocupação mais fundamental que Portugal tem de transmitir à França, a quem deve apoiar com o seu, mesmo que marginal, peso político e propostas concretas, é mesmo a reforma da zona euro. Nesta fase de recuperação, parece que está tudo bem, mas esta continua a não estar preparada para o próximo grande incêndio financeiro que, como dizia Henrik Enderlein há semanas – uma das principais vozes na discussão económica europeia de hoje, e certamente dos principais actores na política económica de amanhã – pode vir daqui a “três dias, três meses ou três anos, não sabemos”.

O que sabemos é que, quando chegar, Portugal será dos primeiros eucaliptos a arder.

Por isso, em vez de querer dar ares de progressista ambiental (apesar da importância do tema) ou de usar Macron para dar a imagem de que está “em cima” do assunto das florestas, o esforço do Governo num momento destes deveria ser integralmente dedicado a fazer força por esse debate que está adormecido – de momento, com o pretexto de “aguardar” pelas eleições na Alemanha e em Itália – apoiando um Presidente que se afirma como um de três players essenciais para o futuro do Euro.

Três players fundamentais para o futuro do Euro – não, Costa não é um deles

Apesar de tudo isto, a eleição de Macron continua a representar uma importante fonte de esperança para quantos acreditam que o atual bloqueio na evolução institucional da zona euro poderá custar caro numa próxima crise. É certo que os receios fundados de uma grande parte da população “credora” continuam a alimentar democraticamente esse bloqueio a Norte – e a Sul, populismos soberanistas de várias cores também não ajudam. Mas seria tolo pretender que – tal como a qualidade dos ‘bombeiros’ releva no caso dos ‘fogos’ – não é também fundamental a presença de alguns players essenciais. Macron, nesse sentido, é um deles.

Recentemente, tem havido algum contentamento na imprensa com a “simpatia” de Angela Merkel para com as propostas euro-reformistas de Macron, mas pela minha parte nunca tive dúvidas de que Merkel não será obstáculo. Acredito que Merkel terá na mente um objetivo difícilimo, mas simples e compreensível: fazer o máximo possível que o povo ‘credor’ consiga tolerar, o mínimo necessário para o povo ‘devedor’ não cair. Não, o outro player decisivo, cuja ausência seria fundamental, é Wolfgang Schaeuble – e sendo forte a possibilidade da sua reforma política, não está descartada a sua continuidade no próximo governo de Merkel.

Não está em causa a sua qualidade, tenacidade e capacidade de leitura enquanto político: trata-se do político há mais tempo no activo na Alemanha. É deputado desde 1972(!). Depois do atentado que quase lhe ceifou a vida em 1990, e o deixou paraplégico, voltou ao trabalho em pouco mais de três meses. Não é necessário muito mais para dar conta de um currículo político ímpar. Mas, para o assunto em apreço, esse currículo significa também que este já não é o momento de Schaeuble, que está do lado “errado” da História – salvo, é claro, para quem acredita que o rumo “certo” da História é o fim do euro e, possivelmente, da União. Schaeuble é o representante político máximo não só dos receios mais ou menos fundados de muitos contribuintes e pensionistas alemães, mas sobretudo de uma certa ortodoxia económica -- que na verdade tem também alguma coisa de política. Para esta linha de pensamento o “risco moral” é o principal problema da Europa.

Basta acompanhar a ‘newsletter’ do chief economist de Schaeuble para perceber o que este último pensa: só para pegar em dois exemplos recentes, “(...) é errada a ideia de que a criação de Eurobonds e outros instrumentos de dívida poderiam permitir menores dívida e défice. Muito pelo contrário: seria a receita para maior irresponsabilidade colectiva, graças ao maior risco moral.” (19 de julho). Ou “a política monetária permanece ultra-acomodatícia (...) como as reformas, a inovação e o investimento parecem menos urgentes, isto cria complacência.” (24 de fevereiro). Não se pretende, claro, passar qualquer atestado de incompetência a Ludger Schuknecht, reputado e experiente economista, mas este excesso de argumentos “morais” é claramente infundado e politicamente, se não motivado, correspondido.

Mario Draghi, é sabido, tem sido fundamental. Como temos já escrito, Draghi tem-se efetivamente comportado como o primeiro dirigente verdadeiramente político do espaço do euro, mediando os interesses conflituantes de credores e devedores em nome e em favor do interesse comum a ambos, da integridade e estabilidade da União Económica e Monetária. Um potencial – e fundamental – retrocesso pode estar no horizonte, caso seja bem-sucedida a campanha para levar Jens Weidmann, atual presidente do Bundesbank, a liderar o BCE.

“Jens é um bom rapaz, mas nunca defendeu o papel do BCE perante o público alemão. (...) Não tem provado que pode falar por todos (..:)” – e não só pelo interesse da Alemanha, dizia um quadro do BCE ao Financial Times há semanas (2 de julho). Isto explica bem qual é o problema de ter um alemão ao leme do BCE. Alguém acredita que, com Weidmann, o BCE poderia assumir o papel de credor de último recurso, por exemplo?

O eventual concorrente será Benoît Coeuré, membro do Conselho do BCE que ajudou Macron a desenhar um conjunto de propostas para a zona euro, em linha com as atuais, que apresentou ainda enquanto Ministro da Economia. Ou seja, alguém muito mais consciente do ultimato que a realidade impõe à zona euro: “reformar ou morrer”, como lapidarmente colocou Kenneth Rogoff.

Por estes três players fundamentais – Macron, o (esperemos) sucessor de Schauble, e o sucessor de Draghi – passará o futuro do Euro. Claro, é necessário ter não só as pessoas certas, mas que estas assumam a responsabilidade. Isto, que pelos vistos tem faltado na floresta em Portugal, também aqui não pode mesmo faltar: se, na próxima crise financeira, o Euro sucumbir às chamas, é o projeto europeu que pode ficar reduzido a cinzas.

Voltando ao almoço de Costa em Paris, se calhar o problema é meu, e das minhas expectativas sobre um certame anunciado como tendo o objetivo de “debater a reforma da União Económica e Monetária”. Oxalá esteja enganado sobre a performance do primeiro-ministro de um país que, com 130% do PIB de dívida pública em euros, deveria ser o primeiro interessado em tornar a floresta do Euro mais sustentável.

 

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição

 

Notícia corrigida dia 31/07/17 às 15:54: onde se lia"130% da dívida pública em euros" deve ler-se "130% do PIB de dívida pública em euros"