Este não é um álbum sobre cidades

Ao quarto álbum, Kevin Morby pesa a vida como artesão antigo, muito jovem.

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Kevin Morby é um clássico americano

Kevin Morby mudou-se do Kansas para Nova Iorque, onde se juntou aos Woods, porque queria viver a cidade que conhecia dos filmes. Isto já foi há muito tempo — ou melhor, foi na década passada. Morby já saiu dos Woods, já conhece muito bem Nova Iorque, já tem carreira a solo que se recomenda (muito) e que o tornou um rosto visível entre os músicos de banda completa que erguem a voz como cantautores.

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Kevin Morby mudou-se do Kansas para Nova Iorque, onde se juntou aos Woods, porque queria viver a cidade que conhecia dos filmes. Isto já foi há muito tempo — ou melhor, foi na década passada. Morby já saiu dos Woods, já conhece muito bem Nova Iorque, já tem carreira a solo que se recomenda (muito) e que o tornou um rosto visível entre os músicos de banda completa que erguem a voz como cantautores.

City Music é o seu quarto álbum e nasceu inspirado nas paragens por várias cidades espalhadas pelo mundo que a vida de músico em digressão lhe proporcionou. Que cidades? Não sabemos e, mesmo que o soubéssemos, seria pouco relevante — o disco foi gravado com a guitarrista Meg Duffy, dos Hand Habits, e com o baterista Justin Sullivan, companheiro de Morby nos Babies (Richard Swift foi o produtor), num estúdio californiano com vista para oceano e é essa paisagem que parece ser a grande influência no som que ouvimos.

Não são cidades reais o que Morby canta, antes as sensações e pensamentos suscitadas por atravessar um centro urbano ou olhá-lo lá do alto, pela janela do quarto de hotel. “Oh that city music , oh that city sound, it’s coming round”, canta no tema título, figura de guitarra preparada para cair em cascata sobre nós: “let’s go downtown”, canta naquela voz pachorrenta, ora Dylanesca, ora Velvetiana, e já lá estamos — atravessamos a rua Rock’n’roll dos Velvet, cruzada com a Marquee moon dos Television, e são seis minutos de canção, mesmo a meio do novo álbum, com a transparência e vivacidade de quem encontra casa onde quer que se encontre um disco clássico e uma garagem para jammar.

Ao longo de onze canções, com um interlúdio spoken word pelo caminho, Kevin Morby estará a passear “hand in hand with myself / all alone on a crowded street” (Crybaby), estará a olhar para “all those people down below” e a questionar-se quem serão e o que farão da vida — “a stranger in a stranger place” é ele mesmo em Tin can. Vamos ouvi-lo a pesar o que foi e o que é, os amigos e as pessoas que se atravessam e desaparecem da vida enquanto a vida acontece, alguns sempre iguais, outros tão diferentes, e por onde andará aquele rapaz da escola secundária? Aboard my train é a canção a que nos referimos. Piano em fundo, palmas a marcar o ritmo e uma gargalhada satírica, cansada, a servir de contraponto à natureza festiva da música — estamos todos juntos nisto, já passámos por muito e havemos de passar por mais, venha o solo e que o ritmo ganhe balaço de dança que tudo acabará bem.

Kevin Morby é um clássico americano, no sentido em que o são os Woods do seu passado, de que o é Kurt Vile, seu parceiro de Americana. A Americana de Morby tem power pop em passo lento (a supracitada Crybaby), tem rock’n’roll na intersecção entre Eddie Cochran e T. Rex na infelizmente curta 1234, tem balada em luz baixa no lamento tocante de Dry your eyes, tem Meg Baird em canto espectral na óptima versão de Caught in my eye, original dos Germs.

Where do you go, babe, when you die”, pergunta Morby no início. “And I was wondering, on my Judgment Day / What would I be wearing, in line for the Pearly Gates?”, canta quase no final, em Pealy gates. “I’ve come to live a thousand lives and to die a thousand deaths” canta por fim em Downtown’s lights, guitarra a ecoar enquanto o baterista marca o passo no arco da tarola e se entrevê Desolation row no horizonte.

City Music não é um álbum sobre cidades. É um álbum sobre a vida que passa, qualquer que seja a cidade que pisemos. É a música inspirada de um artesão antigo, muito jovem.