Mergulhar as mãos na terra, para fugir ao ritmo da cidade
Trabalham no centro das cidades, mas construíram hortas próprias. Nas varandas. Nos quintais. Querem aliviar o stress, gostam de plantar o que comem. Pelas suas hortas chegam até a desleixar o ginásio.
Uma manchinha verde impõe-se no terraço de um último andar no Amial, em Paranhos, Porto. Há mais de seis anos que Cláudia Rebelo mantém a sua horta na varanda. Apesar de pequena, não deixa de cumprir a missão da proprietária: “Eu não sei viver sem plantas, preciso de verde. Vejo os melros a passearem no terraço, ouço os pássaros a cantar e deixo de me sentir na cidade.”
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Uma manchinha verde impõe-se no terraço de um último andar no Amial, em Paranhos, Porto. Há mais de seis anos que Cláudia Rebelo mantém a sua horta na varanda. Apesar de pequena, não deixa de cumprir a missão da proprietária: “Eu não sei viver sem plantas, preciso de verde. Vejo os melros a passearem no terraço, ouço os pássaros a cantar e deixo de me sentir na cidade.”
A gerente do restaurante Oreggin e formadora em cursos de hotelaria vê no trabalho que tem na pequena horta uma escapadela ao ritmo da cidade: “Para mim, fazer jardinagem e trabalhar na horta é uma terapia fabulosa. À noite, regar as plantas e, ao acordar, apanhar a hortelã é terapêutico. É quase como se fosse meditação. Às vezes, até fico incontactável porque deixo o telemóvel dentro de casa. E viajo.”
O amor à terra não nasceu espontaneamente. Cláudia Rebelo sempre teve uma ligação especial com a agricultura, por ter sido habituada a comer o que nascia do campo dos avós.
Aos 49 anos, continua a achar um “disparate” comprar coisas no supermercado que podem facilmente crescer num cantinho livre da sua varanda. E até já convenceu familiares e amigos a fazer o mesmo.
Nos múltiplos vasos de barro, encontram-se diversas ervas aromáticas, como hortelã, alecrim, cebolinho, coentros, tomilho e salsa, mas também pequenas quantidades de vegetais.
Há espinafres, alface, rúcula e pimentos padrón. Os tomates-cereja crescem em diversos vasos com cravo-túnico em volta, um “repelente natural”. As framboesas, agora já sem fruto, e os morangos bem vermelhos trazem mais cor à horta improvisada.
Enquanto mostra, orgulhosa, o seu cantinho verde conta que ainda há uma peça em falta: os maracujás. Já tem o pé plantado no terraço. Não sabe se “vai vingar”.
Mas se agora a horta é uma escapadela à rotina, já foi um modo de a preencher. Numa altura em que Cláudia se viu desempregada, foi a paixão pela agricultura biológica que lhe ocupou as horas. Foi à Lipor — Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto fazer os cursos de agricultura biológica na Horta da Formiga e, na casa dos seus avós, mergulhou as mãos na terra.
Agora, como gerente de restaurante, quer juntar o útil ao agradável. No próximo Inverno espera já estar oficialmente inscrita como produtora, para poder usar os alimentos biológicos vindos da sua varanda e do campo dos seus avós nas suas receitas.
Sabor “a infância”
Para Fernanda Carvalho também não há nada como plantar o que se come, sem usar quaisquer produtos químicos: “Quando eu tinha alfaces e tomates na horta, quando os comi, apercebi-me que não tinham nada a ver com o que se compra na mercearia. O sabor, o cheiro. Sabem ao tomate e à alface da minha infância.”
Arranjou maneira de, no meio da cidade de Ermesinde, ter uma horta fora de vasos.
O espaço fica nas traseiras da clínica dentária do marido, que o casal comprou há cerca de quatro anos. O quintal, agora recheado de árvores de fruto, flores e horta, “estava abandonado, com ervas com mais de um metro de altura”.
Para a educadora de infância de 50 anos, aquele espaço verde depressa se tornou uma prioridade: “Se calhar desleixei o ginásio e outras coisas para ir lá, porque gosto mesmo. Vou lá todos os dias, ao fim do dia.” E, tal como o que acontece com Cláudia Rebelo, consegue fugir à cidade por momentos: “É terapêutico, gosto de mexer na terra. E não é só mexer, é semear e ver as coisas crescer, ver a transformação.”
A agricultura também já é um gosto antigo: “Passei a minha infância na aldeia, no meio rural e sempre tive contacto com hortas e árvores de fruto. Ainda sou da geração de subir às árvores. Entretanto, aqui na cidade, como vivo num apartamento, nunca tive essa possibilidade de explorar a terra.”
Pepinos e meloas
Assim que comprou o terreno e quis fazer dele algo mais, foi à Lipor fazer formações de compostagem caseira e de agricultura biológica. Desde aí, a horta tem sido uma experiência contínua: “Este ano experimentei a rúcula. No ano passado, plantei framboesas e este ano já comi muitas. Também já experimentei a beringela, os pepinos, as meloas. Gosto de experimentar coisas novas e todos os anos mudo.”
No início, entusiasmou-se e alargou bastante a horta. Agora, é mais comedida com o que planta, porque, afinal, o objectivo principal é o descanso. Ainda assim, são vários os vegetais e plantas que preenchem o pedacinho de terra. Há pimentos padrón, espinafres, coentros, rúcula, beldroega, fisális, hortelã, manjericão e framboesa. Do mesmo quintal, também nascem limas, ameixas, figos e abacates. Todos eles nascidos e criados pela mão de Fernanda. Em breve, girassóis vão dar mais cor ao espaço: “Quando isto der flor vai ficar muito bonito.”
Estufa e churrasco
Do outro lado do Douro, num quintal afastado da zona habitacional, em Grijó, há uma quinta mantida por dois homens: Tiago Pinto, de 31 anos, e Henrique Carneiro, de 43. Quando tomaram a iniciativa de alugar um espaço para cultivar, há quatro anos, eram três. Entretanto, um deles abandonou o barco.
“Tudo o que se vê fomos nós que construímos”, diz, enquanto apresenta o espaço verde.
Naqueles cinco mil metros quadrados, em que somente dois estão cultivados, sobressaem duas estufas, dois pequenos armazéns e um espaço para churrasco.
Quando Tiago Pinto se juntou ao projecto, foi com a promessa de fazer do quintal um escape à vida profissional, em que “lidava com miúdos órfãos, miúdos retirados à família”: “Quando comecei, estava a trabalhar como assistente social e aquilo era muito desgastante emocionalmente. E eu vinha aqui para espairecer. Tu estás aqui e desligas a ficha do mundo, porque há sempre algo a fazer.”
Agora, é empregado de armazém e, como o trabalho é mais físico, o cansaço tem-no afastado do projecto. E isso vê-se na terra. Algumas ervas daninhas já ganham altura. “Isto é muito grande para duas pessoas”, solta Tiago Pinto, enquanto caminha no quintal: “Mas eu quero continuar. Eu gosto mesmo disto.”
Primeiro, o trabalho na horta e, depois, a recompensa no churrasco, em que comem o que colhem — são assim a maioria dos sábados dos amigos, que ficaram mais sensibilizados para a alimentação biológica desde que mergulharam as mãos em terra. “Comecei a ficar muito mais atento quando ia fazer as compras. Estava sempre com o pé atrás em comprar alguns produtos porque sabia que eles não eram biológicos. E para quê comprar quando os podia produzir?”
Na Primavera e no Verão, a dupla consegue ser quase auto-suficiente, a nível de vegetais. E variedade não lhes falta. No quintal, nascem pencas, alface, espinafres, beringela, courgette, tomate, pimentos, entre outros.
A fruta também não é esquecida com um amplo espaço dedicado aos morangos, um carreiro de framboesas, alguns talhões de meloa e várias fisális.
Agora, estão a tentar recrutar companheiros de horta. Desistir do “escape à cidade” não é opção para Tiago Pinto: “Há quem vá jogar futebol ao sábado de manhã. Eu venho para a horta.”
Texto editado por Andreia Sanches