Arte pública no Porto: vá pelos seus olhos…
Fazer do Porto uma cidade-museu a céu aberto é o propósito do programa do pelouro da Cultura da autarquia, lançado há algum tempo com a encomenda e a instalação de novas peças no espaço público. É um museu quem vem sendo construído ao longo do último século e meio, e que agora tem um mapa como guia.
A expressão foi ainda cunhada por Paulo Cunha e Silva, o antigo vereador da Cultura, que no início de 2015 inaugurou o painel que Fernando Lanhas ofereceu À cidade assinalando tratar-se de um primeiro passo na transformação do Porto num efectivo museu a céu aberto. Verdadeiramente, a cidade era já um amplo museu de arte pública, aberta a todos os olhares. Faltava era chamar a atenção para essas mais de duas centenas de obras que foram sendo implantadas no último século e meio, mas que muitas vezes escapam à atenção de quem passa, tão habituado se está à sua presença nos lugares de todos os dias: jardins, passeios, rotundas, recantos, muros, edifícios…
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A expressão foi ainda cunhada por Paulo Cunha e Silva, o antigo vereador da Cultura, que no início de 2015 inaugurou o painel que Fernando Lanhas ofereceu À cidade assinalando tratar-se de um primeiro passo na transformação do Porto num efectivo museu a céu aberto. Verdadeiramente, a cidade era já um amplo museu de arte pública, aberta a todos os olhares. Faltava era chamar a atenção para essas mais de duas centenas de obras que foram sendo implantadas no último século e meio, mas que muitas vezes escapam à atenção de quem passa, tão habituado se está à sua presença nos lugares de todos os dias: jardins, passeios, rotundas, recantos, muros, edifícios…
Agora há um Mapa de Arte Pública do Porto, que a câmara municipal lançou no início de Julho, aquando da inauguração da mais recente peça deste roteiro, a “fonte” de Julião Sarmento no jardim das Águas do Porto – que no próximo Outono será aberto ao público, após trabalhos de recuperação do parque.
Com a configuração de um normal mapa turístico, o novo desdobrável identifica a localização de 219 obras: esculturas, bustos, placas, painéis, monumentos, edifícios… Mas vai mais longe na sua proposta editorial e curatorial, fazendo uma selecção de 50 dessas peças arrumadas em cinco rotas temáticas: da História, da Água, das Letras, da Escola das Belas Artes e da Arte Contemporânea – cada uma delas com dez obras, fotografadas e documentadas.
Alguns exemplos. A rota histórica contempla, naturalmente, a peça mais antiga das que estão instaladas no espaço público, a escultura em granito O Porto, representando um guerreiro trajado à romana. De autoria de João Allão, a escultura foi inicialmente colocada, em 1818, no frontão do edifício que acolheu os Paços do Concelho na Praça Nova (depois D. Pedro IV e actual Praça da Liberdade), tendo entretanto passado pelos jardins do Palácio de Cristal e pela Casa dos 24, e regressado à Praça da Liberdade em 2013. Vímara Peres e D. Pedro IV são outros vultos históricos desta rota, que dá também um salto temporal e estético para a escultura com que José Rodrigues homenageou a figura do Empresário, ou a icónica Colher de jardineiro (Plantoir) que, a partir de 2001, se tornou numa espécie de símbolo do Parque de Serralves.
Na Rota da Água, em que os responsáveis pelo mapa decidiram incluir a nova peça de Julião Sarmento, Self-portrait as a fountain (Fat chance Bruce Nauman), surgem algumas obras inesperadas, como as Alminhas da Ponte, com que Teixeira Lopes (pai) evocou a Tragédia da Ponte das Barcas, e a escultura minimal que o arquitecto Eduardo Souto de Moura dedicou também a esse episódio das Invasões Francesas.
Na Rota das Letras, há Camilo, Garrett, Carolina Michaelis, Júlio Dinis, Guerra Junqueiro… e Eugénio de Andrade, numa obra de Paulo Neves de teor abstracto, a desafiar o figurativismo mais ou menos académico das anteriores.
As peças dentro do jardim das Escola de Belas Artes estão naturalmente em maioria nesta rota, que começa com a estátua de Soares dos Reis esculpida pelo seu discípulo Teixeira Lopes, e inclui, não sem alguma surpresa, a Antiga Casa dos 24, com que o arquitecto Fernando Távora reconstituiu os Paços do Concelho do século XIV.
Já a Rota da Arte Contemporânea viaja até à incontornável Ribeira Negra, de Júlio Resende, destaca o riso contagiante da peça de Juan Muñoz, Treze a rir uns dos outros, o diálogo que Rui Chafes estabeleceu com a obra-prima de origem flamenga Fons Vitae, no Museu da Misericórdia; e abre a expectativa para a instalação que o recém-desaparecido Alberto Carneiro (1937-2017) deixou pronta para o Largo de São Domingos, Três metáforas de árvore para uma árvore verdadeira, e que a câmara anuncia para o final do ano.
Problemas e lacunas
O lançamento deste mapa, o primeiro que a autarquia edita com estas características e ambição após algumas publicações de cariz mais educativo, vem “reconhecer o valor da arte pública para a definição urbana do Porto”, nota o historiador de arte José Guilherme Abreu. Independentemente desta mais-valia, e da sua boa estruturação, o mapa denota, contudo, “alguns problemas e lacunas”, acrescenta ao PÚBLICO o professor da Universidade Católica no Porto. Além de redundâncias na distribuição de peças pelas diferentes rotas – por exemplo, a inclusão dos monumentos ao Infante D. Henrique e a D. João VI na Rota da Água, em vez da da História, e de Plantoir nesta última, em vez da da Arte Contemporânea –, Abreu lamenta a ausência de peças de “inequívoco valor artístico e identitário”, em contraste com a presença de outras de “discutível interesse”, diz o autor da investigação A Escultura no Espaço Público do Porto no Século XX. Inventário, História e Perspectivas de Interpretação (já editada em livro).
Entre essas lacunas, Abreu enumera, na Rota das Letras, o busto de António Nobre e a escultura de Rosalía de Castro. E estranha também o esquecimento da Menina Nua, de Henrique Moreira, um ícone da Avenida dos Aliados e da Baixa portuense, ou o baixo-relevo que o mesmo escultor fez para o Entreposto do Peixe em Massarelos, além das esculturas que Barata Feyo criou para os elevadores da Ponte da Arrábida.
Ao PÚBLICO, aquando do lançamento do mapa (que tem design do atelier Colönia), Guilherme Blanc, um dos seus coordenadores editoriais (com Alexandra Cerveira Lima), explicou que o critério partiu de “uma decisão curatorial de sistematização e lógica discursiva”, que naturalmente poderia ter tido outras soluções. O mapa lança “hipóteses, sugestões para o visitante”, acrescenta o assessor do presidente da Câmara do Porto para a área da Cultura, admitindo que o turista possa, a partir dele, “configurar as suas próprias rotas”.
Notícia corrigida com referência ao atelier Colönia, responsável pelo design do mapa.