A qualidade dos governos municipais
A democracia local, tal como a democracia ao nível do governo central, é um processo em contínua melhoria.
As eleições — para qualquer nível de governo — têm dois objectivos principais. O primeiro é escolher a alternativa que a maioria prefere, entre as diferentes visões do mundo das cidadãs e cidadãos. Ou seja, as eleições estão ao serviço do saudável confronto entre diferentes ideologias do eleitorado. O segundo objectivo é promover na gestão pública características que todos os eleitores concordam que são desejáveis: evitar a corrupção e o desperdício, ou gerir atempadamente as catástrofes, por exemplo. Existe uma palavra em inglês que define esta ideia — “accountability”.
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As eleições — para qualquer nível de governo — têm dois objectivos principais. O primeiro é escolher a alternativa que a maioria prefere, entre as diferentes visões do mundo das cidadãs e cidadãos. Ou seja, as eleições estão ao serviço do saudável confronto entre diferentes ideologias do eleitorado. O segundo objectivo é promover na gestão pública características que todos os eleitores concordam que são desejáveis: evitar a corrupção e o desperdício, ou gerir atempadamente as catástrofes, por exemplo. Existe uma palavra em inglês que define esta ideia — “accountability”.
A dois meses das eleições autárquicas, antes de entrarmos na espuma dos dias de campanha, vale a pena refletir sobre estes dois aspectos e perceber que factores são críticos para a realização dos mesmos.
O fenómeno que pode comprometer o primeiro objectivo é a abstenção, que aumentou de 26,2% nas eleições autárquicas de 1979 para 47,4% nas últimas, em 2013. Este aumento da abstenção limita a capacidade das eleições para refletir a preferência da maioria da população. Isto acontece porque as pessoas que se abstêm são diferentes daquelas que votam: menos educadas, com menor rendimento, mais jovens, menos informadas sobre a atualidade. Existe, portanto, uma parte da população que não tem as suas escolhas refletidas nos resultados eleitorais. O politólogo holandês Arendt Lipjhart diz que esta situação tem semelhanças preocupantes com o voto censitário que regulava o acesso ao sufrágio pelo património das pessoas. Por essa razão, Lipjhart defende a introdução do voto obrigatório — à semelhança da Bélgica e Austrália, por exemplo — como forma de as democracias modernas garantirem que as eleições refletem as posições de todo o eleitorado.
No que respeita ao segundo objectivo, existem vários trabalhos de investigação atuais que apontam para a importância da transparência e da participação dos eleitores na promoção da accountability dos eleitos. Uma análise de municípios alemães dos economistas Benny Geys, Friedrich Heinemann e Alexander Kalb mostra que os municípios onde existem movimentos de cidadãos independentes conseguem fornecer serviços públicos semelhantes a um custo inferior.
A existência de movimentos de cidadãos tem maior impacto nos municípios que conseguem gerar mais receita com impostos locais. Ou seja, esta investigação mostra que a autonomia local, em conjunto com a participação das cidadãs e dos cidadãos, melhora a eficiência da gestão pública.
Um outro exemplo é o Brasil, país em que o Orçamento Participativo foi criado na cidade de Porto Alegre no final dos anos 80, sendo hoje utilizado em mais de uma centena de cidades. Segundo o Banco Mundial, a introdução do Orçamento Participativo em Porto Alegre coincidiu com um crescimento substancial na oferta de alojamentos sociais, na rede de saneamento básico, no número de escolas. Um estudo recente mostra que as cidades com orçamentos participativos investem mais em saneamento básico e cuidados de saúde. Este investimento teve como consequência uma redução da mortalidade infantil.
Portugal tem dado alguns passos no sentido de aumentar a participação dos eleitores na política local. Houve nos anos recentes um aumento do número de orçamentos participativos. Estes são utilizados em 118 cidades, incluindo Lisboa, que foi a primeira capital europeia a adoptar o orçamento participativo, em 2008. As listas de cidadãos têm ganho importância nas eleições autárquicas. São neste momento o quarto movimento autárquico, atrás do PS, PSD e PCP — embora devamos ter em conta que uma parte destes independentes são, na verdade, dissidentes de partidos com fortes ligações aos aparelhos partidários.
Tem também havido uma melhoria da transparência, com iniciativas governamentais como o Portal Autárquico (www.portalautarquico.pt) e não-governamentais como o Índice de Transparência Municipal (https://transparencia.pt). A imprensa local em Portugal varia bastante entre regiões, tanto em qualidade como em tiragem. Seria interessante estudar os efeitos desta diversidade — sabemos que, no Brasil, a existência de imprensa local diminui a corrupção nos municípios.
A democracia local, tal como a democracia ao nível do governo central, é um processo em contínua melhoria. Sem dúvida que o mecanismo principal é o voto — de resto, o Prémio Nobel da Economia Amartya Sen mostra-o claramente quando aponta a inexistência de episódios de fome generalizada na Índia, uma democracia, contrariamente à China, um estado autocrático. Quarenta anos depois desta conquista fundamental, não devemos coibir-nos de continuar a refletir em maneiras de melhorar a nossa forma de governo colectivo. A mais simples, e que tem a vantagem de depender apenas de cada eleitora e eleitor individual, é ir votar no dia 1 de Outubro.
A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico
CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais - www.cidadaniasocial.pt