Com a seca instalada no país, a reutilização dos esgotos pode matar a sede aos campos

Apenas 23 das 265 estações de tratamento do país reutilizam águas residuais. A associação ambientalista Zero diz que Portugal tem de estar mais bem preparado (e ainda não está) para enfrentar cenários de escassez de água.

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Campos de golfe podem ser regados com águas residuais tratadas Miguel Manso

Não é apenas o lixo que é reutilizável, a água residual tratada também pode ser. Poucos dias após a aprovação do Plano de Prevenção e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, a associação ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável defende a crescente aposta na reutilização das águas residuais das estações de tratamento para combater a seca e o desperdício de água.

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Não é apenas o lixo que é reutilizável, a água residual tratada também pode ser. Poucos dias após a aprovação do Plano de Prevenção e Acompanhamento dos Efeitos da Seca, a associação ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável defende a crescente aposta na reutilização das águas residuais das estações de tratamento para combater a seca e o desperdício de água.

Após a análise dos dados de 2015 da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), a Zero constatou que “das 265 entidades que têm a seu cargo a gestão de serviços de recolha, drenagem e tratamento de águas residuais, somente 23 entidades têm por prática reutilizar as águas residuais tratadas”.

Com a reutilização, poderiam poupar-se milhares de metros cúbicos por ano e Carla Graça, subdiretora desta associação ambientalista, acrescenta que todas as ETAR (Estações de Tratamento de Águas Residuais) de nova geração estão preparadas para esse fim. No entanto, diz que na ausência de directrizes claras para as entidades que podem oferecer e procurar este serviço, “não há certezas quanto aos procedimentos e usos a dar às águas residuais tratadas”.

“O que a Comissão Permanente da Seca aprovou foi um plano de contingência que restringe os usos e o que a Zero vem mostrar é que tais restrições poderiam ser minimizadas caso as águas residuais fossem reutilizadas para determinados fins”, afirma. Entre eles, são nomeados vários: a irrigação agrícola, a rega de espaços verdes urbanos, a lavagem de pavimentos, viaturas, contentores do lixo/ecopontos, a recarga de aquíferos ou a reabilitação ou criação de zonas húmidas.

Além de propor a adopção urgente de uma regulamentação específica, a Zero propõe  “a abertura imediata de um Aviso do POSEUR – Programa Operacional para a Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos, a fim de “promover investimentos das entidades gestoras neste sector promissor”.

Em terceiro lugar, tendo em conta que o sector primário é o principal consumidor de água e que muitas culturas poderiam beneficiar dos nutrientes não renováveis presentes nas águas residuais como o fósforo, Carla Graça refere que a articulação entre ministérios do Ambiente e da Agricultura, das Florestas e Desenvolvimento Rural é “muito importante”.

Em termos de percentagem de água residual reutilizada, Portugal ainda está bastante aquém da média comunitária. “Num total de 7,8 milhões metros cúbicos, apenas 1,2% da água residual das estações de tratamento é reutilizada, enquanto a média europeia é de 2,4%”, explica Carla Graça, em nome da associação ambientalista responsável pelo estudo.

No panorama nacional, os melhores resultados são apresentados pelas Águas do Algarve – “a entidade que mais se destaca pela eficiência” e “trata 99,9% das águas residuais que dão entrada nas ETAR sob sua gestão”, de acordo com a Zero.

No Algarve, a percentagem de água reutilizada é de 3,5% na lavagem de equipamentos, por exemplo, ou na rega de espaços verdes de 13 ETAR - Almargem, Vila Real de Santo António, Loulé, Quinta do Lago, Vilamoura, Olhão Nascente, Faro Noroeste, Albufeira Poente, Ferreiras, Vale Faro, Boavista, Silves e Lagos. Esta água está também a servir a Sociedade Hoteleira São Lourenço, a Infraquinta [empresa do Município de Loulé que gere os serviços urbanos da Quinta do Lago] e a Herdade dos Salgados.

Carla Graça garante que, no caso do Algarve, se pode “juntar o útil ao agradável”, uma vez que a aposta na reutilização se pode aliar a níveis de consumo de água superiores quando o número de turistas aumenta. “Na época em que há mais utilizadores, pode-se apostar mais na reutilização, nomeadamente na rega dos vários campos de golfe. Assim, não só se combate o desperdício, como se promove um turismo mais sustentável”.

A meta comunitária para 2025 é alcançar os 6 mil milhões de metros cúbicos anualmente reutilizados, com o auxílio de tecnologias seguras e eficientes. E se a previsão é de que Portugal seja um dos países mais afectados pela escassez hídrica nos próximos anos, também é considerado um dos com maior potencial nesta área, diz a Comissão Europeia.

As medidas propostas pela Zero vêm no seguimento não só das principais acções do pacote da economia circular da União Europeia, mas também dos índices de escassez da ONU – o WEI+ (Water Exploitation Index) - das bacias hidrográficas dos rios Leça, ribeiras do Oeste, Tejo, Sado, Guadiana e ribeiras do Algarve, “que se encontram na categoria de ‘escassez severa’. Ou seja, são regiões com um consumo entre 20% e 40% dos seus recursos renováveis.

Com as alterações climáticas, as secas tendem a tornar-se mais graves e frequentes e, neste ano, no dia mundial da água (22 de Março), Bruxelas anunciou já estar a desenvolver requisitos mínimos comuns de qualidade para reutilização segura da água.

Texto editado por Ana Fernandes