Estudo do IST diz que privados são melhores a gerir a água
Empresas privadas representam 40% do investimento total dos serviços de águas, mas servem apenas 20% da população portuguesa. Uma concorrência “mais saudável” entre privado e público beneficiaria o país, segundo a análise do Instituto Superior Técnico.
Os operadores privados são mais eficazes a investir, prestam serviços de qualidade superior e, nas mesmas condições dos públicos, podem oferecer soluções mais em conta. Estas foram as conclusões do mais recente estudo sobre os serviços de abastecimento de água e saneamento de águas residuais (SAAS).
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Os operadores privados são mais eficazes a investir, prestam serviços de qualidade superior e, nas mesmas condições dos públicos, podem oferecer soluções mais em conta. Estas foram as conclusões do mais recente estudo sobre os serviços de abastecimento de água e saneamento de águas residuais (SAAS).
“Noutros países europeus, graças aos incentivos da administração pública, há operadores públicos que são mais privados do que os privados portugueses”, argumenta Rui Cunha Marques, professor catedrático do Instituto Superior Técnico (IST) e autor do estudo “Análise do Desempenho dos Operadores Privados e Públicos no Sector da Água em Portugal”.
Rui Cunha Marques defende que a administração pública portuguesa é das mais rígidas da Europa e, por isso, “torna-se difícil gerir bem”. “Em Portugal, quando se afirma que o privado tem um melhor desempenho do que o público, não se pensa quais foram as bases do estudo, mas que os resultados estão necessariamente deturpados e associados a uma ideologia política de direita”, reprova.
Face às “reservas” que se instalam relativamente ao privado, o secretário de estado do Ambiente, Carlos Martins, sublinha ao PÚBLICO que se devem a “alguns casos de grande tensão” entre os municípios e as entidades concessionárias. Mas se é certo que há casos de mau desempenho, considera que não se pode fechar os olhos a “casos de sucesso e de reconhecido bom serviço e desempenho global”.
Ainda que o estudo tenha sido solicitado pela Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente (AEPSA) - órgão que representa e defende os interesses colectivos das empresas privadas ligadas à área do ambiente – o professor catedrático do IST sublinha que as suas conclusões não dizem que “o privado é melhor do que o público do ponto de vista ideológico ou partidário”.
“Analisei a performance dos operadores públicos e privados com base nos dados oficiais da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), contas e relatórios publicados, e tentei perceber quais as virtudes da participação de entidades privadas neste mercado”, explica.
Revela ainda que este é dos poucos estudos, “mesmo à escala internacional”, em que houve a preocupação de aproximar os dois tipos operadores do sector das águas, privados e públicos, através de uma análise comparativa que clarifica e explica o que os diferencia.
O que as contas não contam
Desde logo, Rui Cunha Marques clarificou que “a privatização da água e a privatização da gestão da água não são a mesma coisa” porque não se está a afirmar que a água deve ser privatizada, mas antes a concluir que as entidades privadas devem participar mais na gestão destes serviços para benefício do sector - “que não deixa de ter a sua natureza económica”.
Neste estudo, em particular, ir além dos preços finais dos operadores públicos e privados foi um dos objectivos. “Público e privado não são directamente comparáveis porque há diferenças que não podemos ignorar”, adverte. Julgando apenas as quantias pagas, os serviços privados cobram mais aos utilizadores. No entanto, o que escapa às contas dos consumidores/utilizadores quando chega a hora de pagarem as despesas da água?
O primeiro nível da análise de Rui Cunha Marques foi a eficácia dos investimentos dos serviços de abastecimento e saneamento. “Há a percepção generalizada de que a maioria dos investimentos privados são de empreiteiros, que estão mais preocupados com a realização da obra do que com as condições em que o serviço é prestado”, mas, “se no início, isso era verdade, hoje já não é”, informa o professor catedrático do IST. Diz que, actualmente, já são poucos os investidores empreiteiros e, "independentemente disso a eficácia dos privados na expansão e modernização do sector é superior à das entidades públicas”.
A ideia de que aos privados apenas estão interessados em lucrar o máximo possível (sem preocupações relativas à qualidade do serviço) é frequente e Rui Cunha Marques considerou que “este mito” teria de ser o segundo pilar do estudo - “Na verdade, não é bem assim porque se a qualidade for má, implicará custos de operação superiores”. Após a análise dos serviços prestados pelo público e pelo privado, o professor verificou que a qualidade dos primeiros fica aquém da dos segundos porque “em mais de 50% dos quase 80% dos indicadores avaliados, as entidades privadas revelaram-se melhores e, nos restantes casos, estavam ao nível das empresas municipais”.
Não só o autor do estudo, mas também o secretário de estado do Ambiente, Carlos Martins, alegam que as conclusões desta análise de desempenho não são inéditas se se tiver em conta o estudo bianual da Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas (APDA) ou os relatórios anuais da ERSAR. O especialista Rui Cunha Marques fundamenta que um dos indicadores mais importantes para este cenário é o das perdas de água (a que fica nos canos e que acaba por ser desperdiçada) porque os níveis dos operadores privados são muito mais baixos. Neste caso, "até os serviços municipais registam o dobro das perdas dos privados". Uma poupança que diz ser não só financeira, mas também ambiental.
Além disso, de acordo com o responsável por esta análise de desempenho, o “duplo check”, ao qual os privados estão sujeitos e os públicos não, favorece o desempenho geral dos operadores privados: “os rigorosos padrões de qualidade e os holofotes da fiscalização pública fazem-se sentir não só do ponto de vista contratual, mas também da parte da entidade reguladora”. Nesta medida, Rui Cunha Marques discorda dos políticos que "falam na ausência ou falta de regras no sector privado” porque defende que o papel do Estado sai reforçado e não enfraquecido.
Por fim, no último patamar do estudo, averiguaram-se os preços e as tarifas cobrados aos utilizadores. “Partindo do pressuposto cego, é verdade que os operadores privados têm tarifas mais elevadas”, mas o que se fez neste estudo foi “reunir todos os modelos de negócio dos operadores privados e, em cada um deles, subtrair o valor de retribuição que lhes é cobrado”, esclarece o seu autor. Contas feitas, o resultado demonstrou que, sem o pagamento da retribuição ao respectivo município, a tarifa cairia 15% relativamente ao seu valor total.
E o estudo salienta ainda que se os investimentos privados fossem comparticipados por verbas comunitárias em 65 ou 70% - como são, em média, os das entidades públicas -, o preço da tarifa diminuiria. “Foram poucos os casos em que entidades privadas conseguiram apoios da UE porque, apesar de ser indiferente que os serviços sejam geridos por uma entidade pública ou privada, politicamente tem-se privilegiado sempre o sector público”, adianta Rui Cunha Marques.
Em relação a obrigações emanadas do princípio poluidor-pagador e da Lei da Água - directiva comunitária transposta para a ordem jurídica nacional em 2005 – enquanto os impostos são regra para todos os serviços privados, não são para os públicos. “A tributação vigora para todos os operadores privados, mas apenas para os principais operadores públicos” e o que professor do IST deduz é o seguinte: “uma empresa privada pode cobrar mais aos utilizadores, mas ela também está a pagar mais ao Estado, por isso, o que sai do bolso do utilizador pode estar a entrar no do contribuinte”.
De acordo com o secretário de estado do Ambiente, um dos aspectos que poderia ter sido interessante do ponto de vista dos clientes era que estudo tivesse analisado qual “o tipo de entidades gestoras que mais acolhem a adequada resolução das reclamações” feitas pelos consumidores/utilizadores.
Neutralidade política
Aquela que é apontada como a maior fragilidade dos serviços de água do país é a “excessiva politização", que Rui Cunha Marques considera enviesar qualquer avaliação. Deste modo, defende que seria desejável uma maior neutralidade política, no sentido de não haver privilégios para entidades públicas ou privadas, mas, acima de tudo, que estivesse em causa a qualidade do serviço prestado.
O professor do IST frisa que já são vários os estudos internacionais – incluindo de prémios Nobel- que constatam a posse de melhores mecanismos de gestão, know-how e flexibilidade dos operadores privados, ao nível da prestação de serviços essenciais, como é o caso da água. Em Portugal, ainda que 40% do investimento total seja de operadores privados, os serviços de abastecimento e saneamento privados apenas servem 20% da população, “em zonas maioritariamente rurais e, por conseguinte, com menor rendimento familiar disponível e com custos mais elevados”, como se lê no estudo.
Uma gestão que Rui Cunha Marques verificou ser atribuída, sobretudo, aos municípios e que se torna prejudicial quando uma indústria altamente técnica, como a da água, é afectada por ciclos eleitorais e contextos governamentais. "Várias vezes têm sido inviabilizados muitos milhões de euros com a mudança de mandatos ou de candidatos. Torna-se difícil fazer omeletes sem ovos, sem uma competição saudável entre privados e públicos”.
O que falta fazer
Em matéria de gestão dos sistemas municipais, Carlos Martins salienta que a realidade pública e privada é complexa, havendo tanto “entidades gestoras de excelência” como “um outro conjunto com grandes fragilidades técnicas e económicas”.
Segundo o director da AEPSA, Francisco de Mariz Machado, “os fundos comunitários têm sido muito importantes para Portugal” e Carlos Martins diz que o reconhecimento da evolução positiva dos serviços de águas nacionais (em termos de qualidade, taxas de cobertura e níveis básicos de serviço assegurados) tem sido assinalada tanto por portugueses, como além-fronteiras, nomeadamente pela International Water Association (IWA).
“Não se pode negar que, hoje em dia, praticamente toda a população tem acesso a água potável nas suas casas e que a falta de água é um problema muito menos recorrente”, avança Francisco de Mariz Machado. Mas, nas palavras de Rui Cunha Marques, “não podemos dizer que esteja tudo resolvido”, pois “ainda há quase 40 municípios em que a sustentabilidade financeira dos serviços é baixa, prejudicando os balanços globais”.
Embora os problemas de descargas sistemáticas tenham vindo a ser resolvidos - “e a qualidade das águas balneares é reflexo disso, com muitas praias com bandeira azul”-, o líder da AEPSA sublinha a necessidade de haver investimentos em infra-estruturas e de se solucionarem os problemas de planeamento dos sistemas de drenagem e de tratamento de águas. “Houve ETAR [Estação de Tratamento de Águas Residuais] que foram mal dimensionadas ou operadas e, por isso, não estão a funcionar devidamente”, acrescenta.
Questionada pelo PÚBLICO, a entidade reguladora do sector decidiu não se pronunciar relativamente a este estudo, mas de acordo com o seu relatório de 2016, “a consolidação da regulação deste mercado em Portugal surge como instrumento imprescindível ao seu desenvolvimento harmonioso, especialmente num cenário de abertura ao sector privado, em que é necessário acautelar os interesses dos utilizadores”.
O estudo “Análise do Desempenho dos Operadores Privados e Públicos no Sector da Água em Portugal”, disponível em livro, foi apresentado no final de Junho no Centro de Congressos do CCB e pretende “facultar um contributo construtivo sobre os principais aspectos que devem sustentar uma estratégia nacional mais adequada para a gestão do sector das águas”.