Iave queria ser o dono dos exames, mas PGR não deixou
Parecer do Conselho Consultivo da PGR não deu razão ao Iave, que pretendia que todos os livros com enunciados de exames só pudessem ser publicados se autorizados previamente pelo instituto.
O Instituto de Avaliação Educativa (Iave), responsável pela elaboração dos exames nacionais do ensino básico e secundário, quis restringir a reprodução comercial dos enunciados das provas, mas o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) acabou por inviabilizar esta pretensão ao considerar que aqueles textos não estão sujeitos à protecção de direitos de autor, segundo apurou o PÚBLICO.
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O Instituto de Avaliação Educativa (Iave), responsável pela elaboração dos exames nacionais do ensino básico e secundário, quis restringir a reprodução comercial dos enunciados das provas, mas o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) acabou por inviabilizar esta pretensão ao considerar que aqueles textos não estão sujeitos à protecção de direitos de autor, segundo apurou o PÚBLICO.
As colectâneas de enunciados de exames, que reúnem provas de vários anos e respectivas correcções, são um dos principais instrumentos de preparação dos alunos para esta avaliação e têm sido publicadas tanto por várias editoras privadas, como pela Editorial do Ministério da Educação. A intervenção do Conselho Consultivo da PGR foi pedida pelo secretário de Estado da Educação, João Costa, depois de o Iave ter reivindicado que os enunciados da prova estavam sujeitos à protecção do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), que a titularidade desses direitos lhe pertenciam e que, por isso, nenhuma entidade, incluindo o Ministério da Educação, poderia “explorá-los economicamente sem autorização expressa” do instituto.
Num parecer datado de Março, a que o PÚBLICO teve agora acesso, o Conselho Consultivo da PGR considerou que estas pretensões não tinham validade à luz da legislação existente, referindo que nem o Iave nem o Ministério da Educação têm direitos de autor sobre os enunciados dos exames. As conclusões deste parecer passam agora a ser a norma, indicou o ministério. O Iave escusou-se a prestar declarações.
Apesar de considerar que os enunciados das provas e exames nacionais, “na medida em que constituem o resultado do esforço intelectual desenvolvido pelas equipas de professores designados para a sua elaboração, são susceptíveis de preencher a categoria de obra literária”, o Conselho Consultivo da PGR refere que aqueles textos integram a categoria de “decisões administrativas”.
Ou seja, especifica, “a elaboração dos enunciados das provas pelo Iave constitui o exercício de um poder público [que lhe é] outorgado por lei, integrado no processo complexo de avaliação externa, em que aquele ente público se tem de articular com os demais serviços e organismos do Ministério da Educação responsáveis legalmente”. É com base nesta natureza dos actos praticados pelo Iave que o Conselho Consultivo da PGR entende que os enunciados das provas são “decisões administrativas”, como outras adoptadas pela administração pública.
Ora, refere-se no parecer, o CDADC “determina que os textos de relatórios ou decisões administrativas de quaisquer órgãos ou autoridades do Estado ou da Administração estão excluídos da protecção dos direitos patrimoniais de autor regulada por esse código”. Por essa razão, os textos dos exames também “não beneficiam” dessa protecção, frisa-se.
Por outro lado, acrescenta-se, o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos exclui também qualquer direito de autor “susceptível de condicionar a subsequente reprodução” por terceiros dos textos em causa. No concreto, aquele diploma estipula que estes podem ser reproduzidos “sem o consentimento do autor e sem que tal lhe confira qualquer direito”.
Segundo o Conselho Consultivo da PGR, os enunciados das provas e exames nacionais são assim documentos na posse de organismos do sector público do Estado português” e, por isso, a sua reutilização encontra-se regulamentada pela Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA). Neste diploma refere-se que a reprodução inclui “a utilização, por pessoas singulares ou colectivas, de documentos administrativos para fins comerciais ou não comerciais diferentes do fim inicial de serviço público para o qual foram produzidos”.
Conclui o Conselho Consultivo da PGR que, estando a exploração comercial prevista na LADA, então a possibilidade de reprodução com esse fim dos enunciados das provas e exames nacionais é garantida por outro princípio estabelecido naquele diploma: o de que qualquer documento administrativo cujo acesso seja autorizado pode ser reutilizado.