Era bom se a CP parasse, escutasse e se preocupasse
Os suicídios nas ferrovias não causam transtornos apenas aos passageiros; são um problema complexo para quem trabalha como maquinista ou revisor na CP.
Este é um daqueles temas sobre os quais nada ou pouco se diz porque é da morte que se trata. Os suicídios nas ferrovias não causam transtornos apenas aos passageiros; são um problema complexo para quem trabalha como maquinista ou revisor nas composições da CP, para o qual a empresa não disponibiliza as respostas mais adequadas, como se constata no trabalho jornalístico que dedicamos ao assunto nesta edição. Por ser uma questão invisível, a CP não é confrontada com a necessidade de se preocupar com as consequências traumáticas com que se deparam os seus profissionais, muito menos com soluções que possam minorar eventuais ocorrências e contribuam para diminuir o número de mortes na linha (quase 500 pessoas entre 2006 e 2015). Se tivermos em conta o número de mortes por quilómetro de ferrovia — e estamos longe da complexidade de um sistema como o belga, por exemplo —, e a população residente em cada um dos estados-membros da União Europeia, Portugal pode ser considerado como um dos que apresenta maiores riscos.
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Este é um daqueles temas sobre os quais nada ou pouco se diz porque é da morte que se trata. Os suicídios nas ferrovias não causam transtornos apenas aos passageiros; são um problema complexo para quem trabalha como maquinista ou revisor nas composições da CP, para o qual a empresa não disponibiliza as respostas mais adequadas, como se constata no trabalho jornalístico que dedicamos ao assunto nesta edição. Por ser uma questão invisível, a CP não é confrontada com a necessidade de se preocupar com as consequências traumáticas com que se deparam os seus profissionais, muito menos com soluções que possam minorar eventuais ocorrências e contribuam para diminuir o número de mortes na linha (quase 500 pessoas entre 2006 e 2015). Se tivermos em conta o número de mortes por quilómetro de ferrovia — e estamos longe da complexidade de um sistema como o belga, por exemplo —, e a população residente em cada um dos estados-membros da União Europeia, Portugal pode ser considerado como um dos que apresenta maiores riscos.
Olhando para a experiência de outros países, e para alguma produção académica sobre o tema, há duas ou três medidas de bom senso que a empresa pública poderia adoptar, quer a pensar nos seus funcionários, quer a pensar em inibir eventuais tendências suicidas: substituição da tripulação após um acidente destes, de modo a que maquinistas e revisores não prossigam a viagem, o que não acontece actualmente; identificação dos locais mais procurados e a iluminação e tratamento do espaço público onde se registam; ou a colocação de câmaras de vigilância nesses locais. Numa palavra, prevenção.
Acresce que estes profissionais não estão preparados para lidar com o desgaste psicológico, nem recebem qualquer formação nesse sentido, como acontece com os profissionais da PSP ou do INEM. De acordo com um estudo a decorrer em Portugal, estas ocorrências mortais são responsáveis por uma taxa de stress pós-traumático acima dos 30%, quando investigações internacionais apontam para valores mais baixos, entre os 8% e os 14. A tensão entre repor a circulação o mais rapidamente possível e a necessidade de socorros psicológicos é permanente e aí é a rapidez que ganha. É preciso seguir viagem. E essa prioridade sobrepõe-se a todas as outras. Não é por não se falar do tema que ele é minorado. Era bom se a CP parasse, escutasse e se preocupasse.