Tribunal de Contas analisa cada vez mais ajustes directos sem concorrência

Do total de contratos que a entidade liderada por Vítor Caldeira fiscaliza, um em cada cinco diz respeito a ajustes directos. Em ano de eleições autárquicas estão a aumentar os ajustes directos que não consultam mais que uma entidade.

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Vitor Caldeira é o presidente do Tribunal de Contas. Enric Vives-Rubio

Um em cada cinco contratos que têm de ir obrigatoriamente ao Tribunal de Contas (TdC) refere-se a um ajuste directo. É possível chegar a esta conclusão olhando para os números de contratos que, pela força da lei, são obrigados a receber um visto prévio do Tribunal de Contas antes de poderem dar lugar a pagamentos - e de acordo com a lei tal é obrigatório sempre que uma entidade do Estado pretenda efectuar uma despesa superior a 350 mil euros. Mas a realidade deste controlo está a mudar em ano de eleições autárquicas

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Um em cada cinco contratos que têm de ir obrigatoriamente ao Tribunal de Contas (TdC) refere-se a um ajuste directo. É possível chegar a esta conclusão olhando para os números de contratos que, pela força da lei, são obrigados a receber um visto prévio do Tribunal de Contas antes de poderem dar lugar a pagamentos - e de acordo com a lei tal é obrigatório sempre que uma entidade do Estado pretenda efectuar uma despesa superior a 350 mil euros. Mas a realidade deste controlo está a mudar em ano de eleições autárquicas

De acordo com os dados recolhidos junto do Tribunal de Contas, dos 11.397 contratos que foram alvo de fiscalização prévia pelo TdC entre o dia 1 de Janeiro de 2012 e o dia 31 de Dezembro de 2016, 2283 referiam-se a contratos por ajustes directo, o que representa cerca de 20% das intenções de contratação.

A pedido do PÚBLICO, o Tribunal de Contas sistematizou o número de contratos feitos por ajuste directo, somando as duas tipologias que estão previstas na lei, isto é, os que foram feitos com consulta a mais do que uma entidade (e, por isso, indiciam uma maior prática concorrencial) e os que foram feitos sem consulta a outras entidades. Olhando para os números percebe-se que a tendência deixou de ser contratar por ajuste directo preferencialmente com recurso a consulta (em 2012 foram 239 contratos, contra os 126 ajustes directos sem consulta a mais do que uma entidade), para uma realidade inversa em 2017: até à passada semana, e com pouco mais de meio ano de contratação, o número de ajustes directos com consulta a mais do que uma entidade foi de 161, sendo que o número de contratos de ajuste directo que não tiveram consulta já se contabilizavam em 286.

Esta tendência era já bem visível em 2015 e em 2016. Em 2015 foram lançados 210 contratos com consulta a mais do que uma entidade (e cuja soma atingia 217 milhões de euros), enquanto que os que não foram sujeitos a consulta totalizaram 275 contratos e a soma de despesa que envolvia estava perto dos 750 milhões de euros. Em 2016 o número de ajustes directos sem consulta foi de 382 contratos, que envolviam 360 milhões, enquanto que os que tiveram consulta a mais do que uma entidade foram bastantes menos (179), mas quase duplicaram a despesa envolvida: 780 milhões de euros.

Contratos que escapam

Apesar de toda esta estatística, a estes valores tem ainda que se somar todos aqueles contratos que escapam à fiscalização prévia do Tribunal de Contas, porque se referem a valores inferiores a 350 mil euros. Recorde-se que a lei prevê que o Tribunal de Contas não pode estar mais do que 30 dias sem se pronunciar sobre um pedido de fiscalização prévia - e antes de conceder ou recusar o visto, é natural que faça pedidos de esclarecimentos: por exemplo, perceber quando não está bem fundamentado, ou quais são as razões que levaram à escolha do ajuste directo.

É esta troca de correspondência que justifica que em 2016, o Tribunal de Contas tenha formulado 3.771 pedidos de esclarecimentos ou de envio de documentos em falta, no total de 2.881 processos analisados e findos (e cuja soma implicava uma despesa de cerca de 4,6 mil milhões de euros).

E, se numa intervenção recente, proferida num seminário com o tema "O Tribunal de Contas, a Contratação Pública e a Fiscalização Prévia”, o presidente do Tribunal, Vítor Caldeira, afirmou que actualmente apenas 1% dos processos analisados pela entidade são alvo de uma recusa de visto, também é verdade que alguns processos acabam por não regressar ao Tribunal de Contas depois do primeiro pedido de esclarecimento, confirmou o PÚBLICO junto de fonte do TC.

Os métodos de contornar a lei são conhecidos e alguns deles até foram identificados no relatório da auditoria que a Inspecção Geral de Finanças fez aos ajustes directos realizados pela Administração Central do Estado: entre as irregularidades encontradas em 125 dos 169 processos de ajuste directo que analisou, a IGF apontou para o fraccionamento das necessidades ou para a selecção de fornecedores.

Aumentar

Há ainda outra forma de fazer passar os procedimentos da contratação pública por ajuste directo, mesmo aquelas que não estão sujeitas a fiscalização prévia, pelo crivo do Tribunal de Contas: através de auditorias e outras acções de controlo que fazem parte do plano de actividades da instituição.

Um dos últimos relatórios de auditoria que foram divulgados pelo Tribunal de Contas, e que se refere à “evolução dos acréscimos de custos nos contratos de empreitada, designadamente por força de adicionais”, pode ser um bom exemplo dessa fiscalização concomitante. Desde 3 de Setembro de 2006 que os actos e contratos adicionais a contratos de empreitada de obras públicas visados que titulem a execução de trabalhos a mais, ou de suprimento de erros e omissões, estão dispensados de fiscalização prévia do TdC, sendo objecto de fiscalização sucessiva. E o citado relatório dá conta da auditoria feita à evolução dos acréscimos de custos nos contratos de empreitada de obras públicas, resultantes de contratos adicionais, comunicados ao Tribunal de Contas, durante o ano de 2016.

O Tribunal de Contas visou 700 contratos de empreitada de obras públicas (em sede de fiscalização prévia), dos quais 184 sofreram 359 alterações (contratos adicionais) em 2016. O maior número de obras alteradas pertence à administração local, mas o maior volume financeiro de alterações encontrava-se no sector empresarial do Estado.

Quando o Conselho para Prevenção da Corrupção, que funciona junto do Tribunal de Contas, emitiu uma recomendação para a Prevenção de Riscos na Contratação Pública - em Janeiro de 2015 - inscreveu a necessidade de reduzir “o recurso ao ajuste directo”, devendo este quando observado “ser objecto de especial fundamentação e ser fomentada a concorrência através da consulta a mais do que um concorrente”.