Albergaria-a-Velha: o pão que o ajuste directo amassou
Em ano de autárquicas, as preocupações em torno dos ajustes directos aumentam, entre políticos e entidades de supervisão.
O tema da contratação pública e a forma como são feitos ajustes directos para a aquisição de bens e serviços e realização de empreitadas é assunto comum na mesa dos reguladores. Mas, como confirmou o PÚBLICO junto de fonte autorizada do Tribunal de Contas e do Conselho para a Prevenção da Corrupção, é nos anos de eleições que surgem mais casos, e mais denúncias.
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O tema da contratação pública e a forma como são feitos ajustes directos para a aquisição de bens e serviços e realização de empreitadas é assunto comum na mesa dos reguladores. Mas, como confirmou o PÚBLICO junto de fonte autorizada do Tribunal de Contas e do Conselho para a Prevenção da Corrupção, é nos anos de eleições que surgem mais casos, e mais denúncias.
No caso de Albergaria-a-Velha, onde a oposição está a cargo de três vereadores eleitos pelo PSD, perguntas relacionadas com ajustes directos têm vindo a ser tema recorrente nas reuniões do executivo e da Assembleia Municipal. Um dos casos apontados é o evento Festival do Pão de Portugal, que tem vindo a ser organizado desde 2014, e que foi lançado pela QI-Porto de Ideias, a mesma empresa que fez a campanha eleitoral do actual presidente da Câmara, eleito pelo CDS.
A empresa foi contratada para fazer a “organização geral e plano de comunicação do evento ‘Festival Pão de Portugal’”, através de um procedimento por ajuste directo de 40,5 mil euros. No ano seguinte o festival voltou a ser entregue à mesma empresa, com a mesma fundamentação de “ausência de meios próprios”, por 36,5 mil euros - mas desta vez foram convidadas outras empresas a apresentar proposta.
Carlos Furtado, responsável da QI, esclareceu que foi o município quem os desafiou a organizar “um evento que potenciasse a região”, e que não sendo o core business da empresa, esta tem mais exemplos de eventos deste tipo no portefólio. “Temos vindo a crescer nesta actividade organizando, por exemplo, para o Turismo do Alentejo, o ‘Gastronomias Atlânticas’ que decorreu em Sines, ou mais recentemente o ‘1º Festival do Arroz Carolino’, para o município de Benavente”, desvalorizou o empresário.
Mas foi também a realização deste mesmo Festival do Pão que justificou a entrega, por ajuste directo, de algumas obras de requalificação na Quinta do Torreão. Recorda Licínio Pereira, vereador do PSD, que a Câmara Municipal lançou um ajuste directo (sem que tenha ido a reunião de Câmara qualquer projecto) à empresa Majober por 125.907,78 euros, para a primeira fase de requalificação da Quinta, e que quem acabou a fazer a obra foi outra empresa, a SCARP, a quem a autarquia fez outro ajuste directo de 57.867,00 euros, e que, acusa a oposição, mais não foi do que um complemento ao ajuste directo anterior. “Depois houve outro ajuste directo, outra vez à SCARP por 99.805,35 euros, numa intervenção que vai continuar, a este ritmo, por mais alguns ajustes directos”, critica o vereador.
Em respostas enviadas ao PÚBLICO, o presidente da Câmara de Albergaria-a-Velha, o centrista António Loureiro disse que nunca o município havia sido advertido pelos reguladores e fiscalizadores por causa do recurso à figura procedimental do ajuste directo, nem nunca viu nenhum contrato anulado por causa disso. Admitiu que a ideia de organizar um festival do pão foi do município e que poderia ter lançado um concurso público para encontrar o organizador, mas, recorda, o Código dos Contratos Públicos não obriga a tal nos contratos até ao valor de 75 mil euros e também “porque num evento deste género são feitos diversos ajustes directos relativos aos mais diversos serviços”. Todos os municípios que conhecemos trabalham desta forma na organização de eventos, refere António Loureiro.
Na leitura das actas referentes às reuniões de executivo e da Assembleia Municipal em que estas questões foram levantadas, pode perceber-se que foi a realização do Festival do Pão e a possibilidade de haver uma emissão televisiva em directo que “obrigou” a urgência de algumas obras de adaptação na Quinta do Torreão onde ela se realiza.
No balanço que faz da iniciativa António Loureiro recorda que este se tornou no principal evento do concelho, em diversos aspectos: desde o número de visitantes - que trouxe o aumento do volume de negócios da restauração e restante hotelaria -, passando pela exposição mediática do município em todo o tipo de imprensa (“lembrando que nas edições de 2015 e 2016 houve a transmissão em directo de um programa da RTP1 durante toda a tarde de sábado, dando disso feedback a comunidade emigrante espalhada pelo mundo que nunca tal vira sobre o seu concelho”, refere o autarca).
“Sintetizando, com um evento que apresenta um custo de menos de metade do que qualquer um dos eventos gastronómicos de todos os concelhos da região, conseguiu-se tornar Albergaria-a-Velha como a ‘Capital do Pão de Portugal’, criando assim uma marca diferenciadora deste território, atraindo turistas, dinamizando a economia e ‘limpando’ a imagem do passado associada aos fogos florestais, à prostituição e a outros factores com carga negativa para um território que é cada vez mais atractivo devido à localização privilegiada, à oferta de emprego em virtude da sua Zona Industrial pujante, bem como à sua qualidade de vida”, escreveu o edil.