Cientistas propõem modificar nuvens para arrefecer o planeta

Combate às alterações climáticas pode passar por estratégias mais ousadas como interferir na formação de algumas nuvens ou injectar partículas de sulfato na estratosfera. Porém, estas possíveis soluções artificiais para arrefecer a Terra ainda levantam muitas preocupações.

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Os cirros são nuvens altas que parecem finos farrapos de algodão e que são feitas de cristais de gelo Lee Tsz Cheung/Atlas das Nuvens (Organização Meteorológica Mundial)

Reduzir as emissões de CO2 e aumentar a captura de carbono são as principais armas que temos actualmente para reduzir os efeitos das alterações climáticas e, mais precisamente, do aquecimento global do planeta. Porém, os cientistas que trabalham no campo da geoengenharia estão a estudar outras estratégias que podem também vir a ser um importante contributo neste esforço. Dois artigos diferentes publicados esta quinta-feira na revista Science apresentam duas propostas para arrefecer a Terra de forma artificial: uma, já discutida antes, é a injecção de partículas de sulfato na estratosfera (imitando o que os vulcões fazem de forma natural) e outra, mais inovadora, é mexer nas nuvens, altas e finas, chamadas cirros (ou cirrus).

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Reduzir as emissões de CO2 e aumentar a captura de carbono são as principais armas que temos actualmente para reduzir os efeitos das alterações climáticas e, mais precisamente, do aquecimento global do planeta. Porém, os cientistas que trabalham no campo da geoengenharia estão a estudar outras estratégias que podem também vir a ser um importante contributo neste esforço. Dois artigos diferentes publicados esta quinta-feira na revista Science apresentam duas propostas para arrefecer a Terra de forma artificial: uma, já discutida antes, é a injecção de partículas de sulfato na estratosfera (imitando o que os vulcões fazem de forma natural) e outra, mais inovadora, é mexer nas nuvens, altas e finas, chamadas cirros (ou cirrus).

Uns querem imitar a natureza e injectar partículas na estratosfera, outros propõem varrer um certo tipo de nuvens do céu. O objectivo é o mesmo: ajudar a travar o aquecimento global do planeta. As duas propostas surgem numa área que é chamada geoengenharia e, para já, ainda levantam muitas reservas. Os próprios autores dos artigos publicados na Science sublinham que, antes de avançar, é preciso estudar bem os eventuais efeitos secundários destas medidas que mexem de forma artificial no céu. Mas, defendem, é possível fazê-lo.

“Isto são coisas que não foram postas em prática e que, por agora, teoricamente funcionam e teoricamente fazem sentido”, comenta Alfredo Rocha, professor no Departamento de Física e no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro. A proposta de injecção de partículas de sulfato na estratosfera não é surpreendente e apoia-se num fenómeno natural, adianta. “Quando há erupções vulcânicas muito fortes como, por exemplo, a que aconteceu no monte Pinatubo (nas Filipinas) em 1991, há uma injecção de partículas de sulfato na estratosfera que reflectem a radiação solar e impedem que entre no planeta, ou seja, enquanto lá estiverem a Terra deixa de aquecer tanto”.

Os modelos apresentados no estudo sugerem que esta intervenção feita de forma artificial pode mitigar as alterações provocadas pelos gases com efeito de estufa na temperatura global e na precipitação extrema. Porém, avisam os investigadores do Instituto para a Meteorologia Max Planck (na Alemanha) e do Centro Nacional de Investigação Atmosférica norte-americano, esta acção poderá abrandar o ciclo hidrológico e, consequentemente, reduzir a precipitação e a água disponível. Uma das dúvidas está relacionada com a quantidade de partículas que é preciso injectar para obter o efeito desejado, sem prejuízos. Outra tem a ver com os custos desta operação: “Assumindo um cenário de uma mitigação agressiva e uma captura a grande escala que poderá começar tão tarde como em 2040, seria necessário injectar sulfato durante 160 anos para limitar o aumento de temperatura no planeta a 2.º Celsius – uma aventura dessas poderia custar mais de 17 mil milhões de euros por ano”.

A aventura nas nuvens é mais inesperada, mas também levanta algumas reservas. Há muitos tipos de nuvens e que têm efeitos diferentes. O alvo dos investigadores do Instituto de Ciência Atmosférica e Climática na Suiça são os cirros. São nuvens que parecem finos farrapos de algodão que se formam a uma altitude que pode chegar aos 10 quilómetros (quase na estratosfera) e que são feitas de cristais de gelo. “São nuvens que estão situadas lá no alto e praticamente transparentes. A radiação solar atravessa os cirros, mas absorvem muita radiação emitida pela Terra em direcção ao espaço e que, depois, emitem para a superfície de novo. Isso vai aquecer a superfície da Terra como aquece mais dióxido de carbono ou vapor de água na atmosfera”, explica Alfredo Rocha. Os cientistas querem diminuir a espessura e quantidade destas nuvens no céu. Como? Criando nuvens artificiais com moléculas que atraem a humidade.

“Em termos de ciência, acho muito interessante alterar a área e espessura das nuvens cirros. No fundo, é alterar a forma como se forma a nuvem. Em vez de ser só partículas líquidas que congelaram, é introduzir lá partículas solidas em torno das quais o vapor de água se vai depositar e congela”, diz o professor da UA. “Criam-se nuvens de outro tipo e com outra espessura e eventualmente mais baixas, descem um pouco. Serão cirros modificados pela acção humana.”

Os autores do artigo avisam que se o fabrico destas nuvens artificiais não for feito da maneira correcta o efeito pode ser o contrário do desejado e, em vez de ajudarmos a arrefecer o planeta, poderemos antes aquecê-lo. “É preciso ter cuidado. Podemos fazer um mal à atmosfera e depois não conseguimos corrigir”, concorda Alfredo Rocha, acrescentando que estas propostas são prometedoras mas têm de ser bem estudadas. “Reduzir as emissões e diminuir o CO2 na atmosfera é algo que vai demorar muito tempo a produzir um efeito. Se calhar, algumas destas novas medidas poderão conseguir reduzir os efeitos das alterações climáticas bastante mais rápido”, admite, repetindo: “Mas é preciso ter cuidado porque está tudo ligado”. “É como os medicamentos. É preciso avaliar a relação do benefício de um remédio e os seus efeitos secundários.”