Enfermeiros em protesto podem ser responsabilizados civil e disciplinarmente
Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República diz que recusa de prestação de serviço “não é enquadrável numa greve”. E diz que Ordem dos Enfermeiros não pode funcionar como um sindicato.
O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende que os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica que se têm recusado a prestar as suas funções especializadas desde o início deste mês podem ser alvo de processos disciplinares e também se arriscam a ser responsabilizados civilmente. E avisa a Ordem dos Enfermeiros, que tem apoiado esta forma de protesto inédita, que está impedida de participar em acções deste género, por não ser uma associação sindical.
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O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende que os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica que se têm recusado a prestar as suas funções especializadas desde o início deste mês podem ser alvo de processos disciplinares e também se arriscam a ser responsabilizados civilmente. E avisa a Ordem dos Enfermeiros, que tem apoiado esta forma de protesto inédita, que está impedida de participar em acções deste género, por não ser uma associação sindical.
Num parecer pedido pelo Ministério da Saúde (MS) e cujas conclusões foram divulgadas nesta quinta-feira pelo gabinete do ministro Adalberto Campos Fernandes, o Conselho Consultivo da PGR defende que a recusa de prestação de serviço dos enfermeiros com título de especialista, ao não ser enquadrável numa greve, “conduz a faltas injustificadas”.
Tendo em conta a recusa individual de "exercer as funções incluídas no conteúdo funcional estabelecido legalmente para a categoria de enfermeiro que integram, com o fundamento de não existir diferenciação remuneratória, os enfermeiros com título de especialista sempre podem/devem ser responsabilizados disciplinarmente”, sublinham os magistrados que integram este órgão colegial da PGR.
Apesar de reconhecerem que estes profissionais têm legitimidade para defender os seus "interesses remuneratórios", nomeadamente recorrendo à greve, os magistrados que assinam o parecer enfatizam que "também não é de afastar a responsabilidade civil pelos danos causados aos utentes, quando designadamente não seja salvaguardada a prestação de determinados serviços".
A Ordem dos Enfermeiros já reagiu. Em comunicado, pediu ao Ministério da Saúde que divulge o conteúdo integral do parecer, alegando que os magistrados ressalvam no texto que o emitiram "de acordo com os elementos disponíveis".
Considerando que as conclusões do parecer "não enquadram correctamente a situação actual dos enfermeiros especialistas que estão em protesto", a Ordem frisa que mantém o seu entendimento sobre esta matéria. Estes profissionais, destaca, "foram contratados para exercer funções de cuidados gerais - o que nunca deixaram de fazer" e adquiriram "à sua custa" o título de especialista. A situação é "reconhecida por todos os sindicatos e pelo próprio Ministério da Saúde", acrescenta.
Ordem "impedida" de "exercer" actividades sindicais
No parecer, referindo-se especificamente à Ordem dos Enfermeiros, o Conselho Consultivo da PGR lembra que esta está impedida, pelos seus estatutos, de exercer ou participar em actividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros e que não pode, por exemplo, decidir o recurso a uma greve. "A Ordem dos Enfermeiros não é uma associação sindical" e está "impedida de exercer ou de participar em actividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relacções económicas ou profissionais dos seus membros", nota.
A Ordem responde no comunicado que "jamais convocou qualquer greve ou protesto" e que reitera o apoio que declarou aos especialistas. E acrescenta: "Lamentamos profundamente que o Governo esteja mais preeocupado em ameaçar os enfermeiros e a sua Ordem profissional em vez de lhes definir uma carreira justa e digna, tal como fez os últimos dias para outros profissionais do sector".
Foi no final de Junho que o Ministério da Saúde pediu este parecer com carácter de urgência, alegando que a recusa de desempenho de funções especializadas por parte destes profissionais “é ilegítima e ilegal”. Um aviso que não os dissuadiu de participar nesta forma de protesto inédita, que está a provocar perturbações em vários blocos de parto e transferências de grávidas.
O Movimento de Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica (MEESMO), que tem liderado este protesto, referiu nesta terça-feira em comunicado que vários partos não estão a ser assistidos no domicílio e que há grávidas de alto risco em trabalho de parto que estarão a efectuar "percursos de ambulância que chegam aos 60 quilómetros". Este boicote afectou mesmo na terça-feira a urgência da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa.
Os enfermeiros, que têm já uma greve agendada para entre 31 de Julho e 4 de Agosto, alertaram também para casos de grávidas que terão ultrapassado a data segura prevista para o parto e que "recorrem várias vezes às suas maternidades sem que seja possível recebê-las para indução de trabalho de parto" e de casos de blocos de obstetrícia encerrados, assim como de consultas e exames pré-natal não realizados. Também as taxas de cesarianas e partos por fórceps estarão a aumentar, segundo dizem.
O porta-voz deste movimento, Bruno Reis, remete para mais tarde uma tomada de posição, quando os advogados dos dois sindicatos que apoiam o protesto e os advogados pessoais dos enfermeiros terminarem a análise do parecer do Conselho Consultivo da PGR. "Não sabemos o que é que foi questionado. Gostaríamos de saber qual foi a pergunta objectiva [feita aos magistrados]", afirma.