O federalismo democrático
O federalismo, tal como o regionalismo, pode e deve permitir termos mais sociedade e uma melhor república.
Em 1947, no Congresso da União Europeia dos Federalistas, reunido em Montreux (27-31 de Agosto), o suíço Denis de Rougemont apresentou um relatório (L’Attitude Fédéraliste), em que propôs uma nova tese federalista para a Europa construída menos pelos Estados e mais pelas regiões. Este tema reganha hoje grande atualidade, face à deriva perigosa do projeto europeu, após a evolução ultraliberal de Margaret Tatcher e sobretudo após o consulado de Jacques Delors.
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Em 1947, no Congresso da União Europeia dos Federalistas, reunido em Montreux (27-31 de Agosto), o suíço Denis de Rougemont apresentou um relatório (L’Attitude Fédéraliste), em que propôs uma nova tese federalista para a Europa construída menos pelos Estados e mais pelas regiões. Este tema reganha hoje grande atualidade, face à deriva perigosa do projeto europeu, após a evolução ultraliberal de Margaret Tatcher e sobretudo após o consulado de Jacques Delors.
O federalismo democrático não pode ser um sistema onde os Estados se unem com objetivos comuns, mas de facto com proveio maior para alguns. Exige a manutenção da identidade de cada um e a prosperidade de todos. Partindo de consensos sufragados na ideia de bem-estar crescente para todos os povos, e numa linha de pluralismo dos anglo-americanos, tem de estar ligado à ideia de subsidiariedade e reforço da autonomia dos pequenos Estados (Rousseau, 1762; Robert Dahl, poliarquia; anfictionia, cidades gregas; formas de arbitragem precursora da atual ideia de federação; em simbiose sem confusão nem desaparecimento das especificidades: Pierre Duclos). Uma União sem unidade. Um dualismo de diferenciação e integração.
Federar aponta para um novo conceito de Estado cuja vantagem está em o poder não vir nem de cima nem de baixo. Mas ser dirigido horizontalmente de modo que as unidades federadas refreiam e controlam mutuamente os poderes (Hannah Arendt). Conceito que, no plano das relações externas, implica uma autoridade, entre o supranacional e o internacional. Sem tirania de uma força policial superior. E exige, no plano interno, uma nova forma de Governo em sistema de Conselho, ideia que tem sido destruída pela burocracia dos Estados-Nações e máquinas dos partidos. Com espaços públicos permanentemente criadores de opinião, com processos auto-seletivos das verdadeiras elites políticas de um país, abertas, de mérito comprovado e não “promovido”. Conselho supremo que elimine a figura de Chefe de Estado ou Presidente, resquício de rei, sem monarquia, absoluto ou meramente moderador.
Em causa, um federalismo horizontalista, de dupla cidadania. Tal implica renúncia a qualquer ideia de hegemonia internações, a qualquer espírito de sistema. A federação, arrange ensemble, tem de se compor e respeitar as diferentes realidades concretas e heteróclitas (nações, regiões económicas e tradições políticas, minorias e pequenos Estados). O federalismo democrático salvaguarda a identidade de cada um, nas suas diversidades e complexidades, não se construindo a partir de um centro político, mas das partes (Estados e Regiões) para o todo.
O projeto europeu só pode unificar os Estados historicamente constituídos para se atingir a grande unidade europeia, numa solução final de respeito pelos termos antinómicos presentes.
A perspetiva federalista de Estados independentes parte da ideia de uma democracia plurisoberana, assente, através de checks and balances, num “realismo harmónico”, marcado pela tríade: unidade, variedade e harmonia (Heinrich Ahrens). Tal como no plano interno, também no âmbito das relações internacionais seria necessário reforçar os direitos das minorias, dos pequenos e médios “agrupamentos políticos”, numa defesa da diferença, capaz de evitar tendências para unidimensionalidades, conducentes à mediocridade.
Aliás, perante a complexa filigrana dos Estados e das nações da Europa, abarcando povos sem pátria e muitas minorias nacionais, o próprio federalismo não pode marginalizar reformas dentro dos Estados historicamente existentes, de natureza regionalista (sonhos de revoluções regionalistas: Robert Laffont; espécie de nacionalismo sem território: Pierre Bourdieu), devendo aceitar-se que é possível distinguir para unir (Jacques Maritain) ou dividir para unificar (Denis de Rougemont), o que nada tem que ver com processos do absolutista de dividir para reinar. O imperialismo e o absolutismo é que praticam o dividir para reinar (divide ut regnes).
O federalismo, tal como o regionalismo, em democracia com cidadãos, pode e deve permitir termos mais sociedade, que seja comunidade e uma melhor república, com governados partícipes da governação, legislação e jurisdição (mesmo que apenas pela intervenção cívica: jurados, publicistas e militante de causas).
A política foi inventada há 25 séculos na Grécia antiga. Na maior parte do tempo foi usurpada pelos tradicionais inimigos da mesma autonomia: a teocracia, o império, o patriarcalismo, o patrimonialismo, pelo que importa regressar ao federalismo, gradualista e consensualizado, que nada tem a ver com federalismos impostos, compressores de liberdades nacionais e pessoais, centralismos dos eurocratas, disfarçadas hierarquias de potências.
Em causa, na Europa, só pode estar o debate por um federalismo cooperativo e não algo na linha do atual percurso europeu de tendência competitiva entre os seus Estados, com enriquecimento dos Estados mais desenvolvidos à custa dos outros. O projeto europeu tem de rever-se no ideário dos seus “progenitores históricos”, devolvendo a ideia de uma união em democracia com povo, e muito menos em nome de uma Santa Aliança do capitalismo sem regras de geodemocracia e de Estado de direito universal. O unitarismo que não pode ser o expediente para uma máquina política ao serviço do centralismo (anti- pluralista), do governismo, do despotismo ministerial e do soberanismo, anulando um democrático modelo existencial político com poderes periféricos, territoriais ou grupais, com aceitação de uma reorganização simultânea, tanto no plano internacional como no plano interno, de baixo para cima, favorecendo renascimentos da vida local e da solidariedade dos grupos não públicos (não governamentais). Sem um certo radicalismo descentralizador não haverá uma espontânea unidade nacional.
A Europa precisa de construir um federalismo com comunas municipais e regiões vindas de baixo, abolições de estatismo e de partidocracias, para reforço das pátrias, para que uma República maior que seja a nação de todos, os Estados Unidos da Europa. Importa denunciar o modelo absolutista do estado europeu a que chegámos, em simultâneo com a regeneração deste Estado português que permitiu deixar-se subjugar aos seus poderes de ocasião. Professores universitários
Este texto integra uma série de artigos sobre federalismo que o PÚBLICO publica mensalmente. O próximo sairá em Agosto
Os autores escrevem segundo as normas do novo Acordo Ortográfico