Emoji, corac¸a~o li´quido
“Há palavras que nos beijam como se tivessem boca”. Lindo e verdade, O’Neill. Hoje, porém, além de palavras, há emojis. Há emojis que nos beijam como... Hum, não sei se isto faz sentido. Bauman, anda cá
Esta semana, comemorou-se o Dia Mundial do Emoji, aquele bonequinho que existe online para transmitir coisas – emoções, também – às pessoas. Segundo dados oficiais do Facebook, só nesta rede social são partilhados mais de 60 milhões de emojis diariamente. Pouca coisa, portanto. Não há estudos para o número de palavras partilhadas, mas a verdade é que o emoji está a crescer a olhos (com corações) vistos e a ganhar uma casa própria.
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Esta semana, comemorou-se o Dia Mundial do Emoji, aquele bonequinho que existe online para transmitir coisas – emoções, também – às pessoas. Segundo dados oficiais do Facebook, só nesta rede social são partilhados mais de 60 milhões de emojis diariamente. Pouca coisa, portanto. Não há estudos para o número de palavras partilhadas, mas a verdade é que o emoji está a crescer a olhos (com corações) vistos e a ganhar uma casa própria.
Quase parece que a palavra feita de letras está a ser derrotada — ou a sofrer um ataque de cócegas, vá — por um batalhão de bonequinhos amarelos. Hoje, “amo-te” diz-se com um emoji de um coração vermelhinho. Não é pior nem melhor do que “antigamente”, é diferente. É sinal dos tempos, e os tempos mudam num instante. O “antigamente” é o dia de ontem. Literalmente.
E é aqui que entra Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo polaco, que vem chamar ao tempo de hoje Modernidade Líquida —não mais do que um período de fluidez e vulnerabilidade das relações sociais. “Tudo o que era sólido se liquidificou”, tal como as palavras — coisas sólidas e cheias — andam a ser substituídas pelos emojis — coisas líquidas e esguias. As palavras dizem, os emojis dão a entender. As palavras vão, os emojis ficam a meio caminho.
Esta necessidade de não-apego ao outro (por necessidade de contacto constante com todos) talvez seja o motivo para o uso cada vez maior de símbolos “leves” que não comprometem nem afastam, que não beijam nem magoam, que andam ali por entre os links da chuva das relações.
O coração vermelhinho pode dizer “amo-te”, mas também pode dizer ternura, amizade ou, simplesmente, coração — o músculo. Há um não-comprometimento, quase um politicamente correcto na comunicação por emoji. Se ele for bem aceite, era precisamente isso que se queria dizer; se não, era outra coisa, a pessoa é que entendeu mal, e dá-se a volta ao “texto”. O emoji é uma palavra que dá para ser mudada a meio do jogo, é uma espécie de batota da linguagem. Só “amo-te” quer dizer “amo-te” (por muito mentira que possa ser).
“Há palavras que nos beijam como se tivessem boca”. E há emojis que nem sequer sabem o que é um beijo.